Ativistas e Protestos. “Disrupção para parar a destruição”

Nos últimos dois anos os ativistas climáticos têm-se feito ouvir no país. No entanto, as opiniões sobre as suas formas de protesto não são unânimes. Afinal quem são os dois movimentos principais e quais os seus protestos mais controversos?

“Só se pode vencer a natureza obedecendo-lhe”, escreveu o político, filósofo, ensaísta inglês, considerado um dos fundadores da Ciência Moderna dos séculos XVI e XVII, Francis Bacon. “Só quando a última árvore for derrubada, o último peixe for morto e o último rio for poluído é que o homem perceberá que não pode comer dinheiro”, diz-nos um provérbio indígena. “É triste pensar que a natureza fala e que os humanos não a ouvem”, escreveu, por sua vez, Victor Hugo, romancista, poeta, dramaturgo e ativista francês pelos direitos humanos do século XIX. E parece-nos cada vez mais urgente relembrarmos estas frases, construindo um presente com os olhos postos no futuro. Mas de que forma podemos atuar? Será tarde demais?

Há já bastante tempo que têm estado no centro da agenda mediática. Por isso, uma coisa é certa: têm-se feito ouvir. No entanto, as formas como escolhem protestar são, para muitos, bastante ambíguas, estando a ganhar novos contornos: encerramento e ocupação de escolas e faculdades de norte a sul do país; arremesso de tinta a obras de arte e ministros; pinturas em sedes de grandes empresas; bloqueios de túneis, estradas e aeroportos, destruição de montras de lojas e bancos.

O coletivo Climáximo

Os principais protestantes fazem parte de dois grupos: o Climáximo e a Greve Climática Estudantil. “Graças a vários mecanismos de retro-alimentação positiva nos ecossistemas da Terra, a partir de um determinado momento no tempo, espera-se que o aquecimento global continue a crescer por si próprio, a um ritmo exponencial, e independentemente do nosso impacto direto, tornando-se irreversível”, explica o primeiro grupo que se intitula como “um coletivo de pessoas que lutam por justiça climática”. “Somos um coletivo aberto – qualquer pessoa pode juntar-se –, horizontal, não temos chefes nem voluntários, todas as pessoas participam e são responsáveis, e anti-capitalista, não é possível travar a crise climática enquanto o lucro estiver acima da vida”, apresenta-se assim ao i. “Isto quer dizer que há um prazo para vencer esta luta. Como as últimas décadas foram passadas a negociar e discutir, sem adotar medidas concretas para resolver o problema, este prazo é hoje muito urgente”, continua. De acordo com o Climáximo, em 2023 foram emitidas globalmente 37,400,000,000 toneladas de CO2. “A cada 4000 toneladas de CO2 emitido, uma pessoa é condenada à morte. Mais de nove milhões de pessoas foram condenadas à morte, só em 2023. Portugal condena à morte 38 pessoas a cada dia que passa”, conta, defendendo que em 2024, “o novo Governo deixou claro que vai levar-nos rumo ao colapso climático”. “Mesmo que as metas mais ambiciosas do Governo sejam cumpridas (que não estão a ser), entre 2026 e 2035 Portugal vai emitir todo o CO2 a que tem direito até 2100 o que significa garantir o colapso climático e destruição de tudo o que amamos. As empresas e governos declararam unilateralmente guerra às pessoas e ao planeta”, frisa. Nos últimos meses o coletivo realizou mais de 40 ações. Em anos anteriores fez marchas com milhares de pessoas e bloquearam a refinaria da Galp e o Terminal de Gás com centenas de pessoas.

O grupo admite que possui ações diretas sobre estas preocupações, acreditando que no contexto do ativismo climático, estas são também “ações políticas” que ou “confrontam os responsáveis por um crime ambiental”, ou “testemunham um problema ambiental em curso”: “Estas ações envolvem um impacto direto no crime em si, como perturbar um processo que induziria uma decisão perigosa; fisicamente bloquear um crime em curso; ocupar um local de crime; ou negar legitimidade a certas atividades através de protestos no local, cantando músicas subversivas ou gritando palavras de ordem”, exemplifica. De acordo com o Climáximo, nas ações diretas os ativistas “dão o corpo ao manifesto” para interromper o business-as-usual. Interrogado sobre a forma de protesto, o movimento afirma que “quando a nossa casa está a arder é preciso acordar todas as pessoas, parar o que estão a fazer, e percebermos juntas como vamos apagar o fogo”. “Todas as formas de parar a normalização da violência brutal e falar sobre como vamos parar esta guerra, são necessárias”, acredita.

A Greve Climática Estudantil

O segundo grupo – Greve Climática Estudantil de Lisboa (GCE) –, também é um coletivo de estudantes que luta por “justiça climática”, baseado em Lisboa, e que existe desde 2019. Segundo a Eco, este foi fruto do movimento criado pela sueca e jovem ativista Greta Thunberg, em 2017, altura em que trocou as salas de aula, às sextas-feiras, por greves em frente ao parlamento daquele país. Por isso, faz parte do movimento internacional Fridays For Future, e colabora com o movimento End Fossil:Occupy! Desde o ano da sua criação que este organiza, tal como o Climáximo, várias greves climáticas estudantis, ações, vigílias e ocupações. “Também participamos regularmente em iniciativas de movimentos sociais, quer em Portugal, quer a nível internacional”, aponta no seu site oficial.

“Somos estudantes, somos jovens sem futuro que viveram sempre com a consciência da crise climática que põe em risco o nosso presente e o nosso futuro. Mas recusamo-nos a aceitar este legado de um planeta em colapso que o Governo e as instituições nos querem deixar”, deixa claro o coletivo que, inspirado nos movimentos sociais e estudantis que quiseram mudar inteiros sistemas, irá causar “disrupção para parar a destruição”. “Vamos organizar-nos nas escolas e universidades – os nossos espaços de luta –, para interromper as instituições de poder que estão desde que nascemos a permitir a continuidade do sistema fóssil, negando-nos o nosso futuro”, garante, frisando que não irá parar até que as suas reivindicações “sejam atendidas pelo Governo”. “Seguimos determinados pois estas não são negociáveis, são necessidades existenciais”, aponta a Greve Climática Estudantil. O grupo reivindica o fim ao Fóssil até 2030 e o fim da utilização do gás para produzir eletricidade até ao próximo ano, passando a utilizar 100% eletricidade renovável e gratuita. Segundo o GCE, 2030 é o prazo ditado pela ciência e pela justiça para os países do Norte global de modo a conseguirmos travar de forma justa a crise climática e não ultrapassar a barreira de segurança dos 1.5ºC de aquecimento.

O Relatório Especial sobre os Impactos do Aquecimento Global de 1,5ºC, elaborado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) – organização da ONU que analisa milhares de trabalhos científicos – publicado em Portugal em 2019 e citado pelo grupo, alerta para o facto de que o mundo precisa de atingir zero emissões líquidas de CO2 até 2050 para “ter 66% de probabilidade de permanecer abaixo do catastrófico limite de aquecimento de 1,5ºC”. No entanto, se isto acontecer, “existe ainda uma probabilidade de 1 em 3 de atingirmos o colapso dos sistemas terrestres”. Por isso, a meta de zero emissões até 2050 é “assustadora demais”.

Mas como é que estes grupos sobrevivem?

Segundo os próprios, num artigo da Eco publicado em dezembro do ano passado, estes operam com base em doações e angariações de fundos das quais “qualquer pessoa pode contribuir”. Ao Capital Verde, o Climáximo explicou que os custos de manutenção da associação são cobertos através de uma plataforma de crowdfunding, a OpenCollective. Esta garante “a angariação transparente de doações para coletivos informais”. O mesmo acontece com a Greve Climática Estudantil. Fora da plataforma, ambos os coletivos recebem doações de associações espalhadas pelo mundo como a associação ativista alemã Guerrila Foundation; a britânica Lush; a holandesa Het Actiefond; a Stay Grounded – rede global de mais de 200 organizações membros –, e a associação norte-americana Urgent Action Fund.

“O Presidente está a falhar”

Na passada quinta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa foi interpelado por alguns destes ativistas ambientais no pavilhão da Escola Secundária Luís de Camões, em Lisboa, que o acusaram de lhes estar a “falhar”. O Presidente da República dava uma aula sobre os 50 anos do 25 de Abril, quando foi abordado por pelo menos três alunos, a quem deu o microfone para poderem falar. “O Presidente da República está a falhar-nos”, disse uma das jovens, lamentando o facto de Marcelo não estar a ajudar contra o “colapso ambiental”. “O senhor Presidente está a falhar-nos quando nos nega um futuro e quando ignora as crises que nos rodeiam”, continuou, citada pela Renascença. “Não falou por nós nas suas declarações profundamente infelizes quando interpelou um representante da autoridade palestiniana em Portugal”, acrescentou, defendendo que “a juventude da Palestina vencerá”. Um outro jovem falou sobre as questões trans no país. Aos cerca de 800 alunos presentes na aula foi ainda sugerido que abandonassem o pavilhão. No entanto, apenas cerca de 20 anos se levantaram.

Pintar de verde os ministros

Mas este momento de protesto foi bastante pacífico para aquilo que tem acontecido ao longo dos últimos tempos, com particular destaque para as manifestações dos últimos dois anos. Ao que parece, uma das formas de protesto mais utilizadas pelos ativistas é atirar tinta sobre pessoas que consideram responsáveis pela falta de ação do Governo.

Durante uma conferência sobre energias verdes, que ocorreu no final de setembro de 2023, três ativistas pelo clima atacaram o então ministro do Ambiente com tinta verde. Duarte Cordeiro estava a ser entrevistado na CNN Portugal Summit, sob o tema “A nova energia é verde”, quando os jovens entraram em palco. Os três membros do movimento GCE, que reivindicou a ação, protestaram as seguintes palavras: “Sem futuro não há paz” e “O nosso futuro não é um negócio”, acusando o ministro de não ter “legitimidade social para falar de crise climática” e a “Galp e a EDP” de “não quererem saber da transição climática”.

Quase um mês depois, também Fernando Medina foi uma das vítimas destes protestos. O à época ministro das Finanças foi atingido com tinta verde na Faculdade de Direito de Lisboa quando participava numa iniciativa do Ministério das Finanças. Tal como o anterior, o ataque foi reivindicado, através de um comunicado, pelo movimento Greve Climática Estudantil. Depois da jovem responsável ter sido retirada do edifício pela PSP, houveram momentos de tensão entre os ativistas e as autoridades.

Mais recentemente, o alvo foi Luís Montenegro e a Aliança Democrática (AD). No dia 28 de fevereiro deste ano, o líder do PSD foi atingido com tinta verde num protesto de ativistas pelo clima na Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL), em plena campanha eleitoral para as eleições legislativas. De acordo com a PSP, o ativista responsável foi intercetado e detido pelas autoridades. Na altura, o atual primeiro-ministro disse que iria apresentar queixa, considerando que este tipo de ações causam “transtorno excessivo”. O ataque foi da autoria do Movimento Fim ao Fóssil, liderado pelos estudantes da Greve Climática Estudantil que afirmam que o PSD “defende o sistema fóssil que coloca o lucro à frente da vida”. “Eles nunca vão resolver esta crise. Se respeitassem os jovens não estariam a condenar o nosso futuro em nome do lucro”, defendem. No dia 10 de março, alguns ativistas do movimento Climáximo atiraram tinta vermelha para os vidros do hotel em Lisboa onde a AD acompanhava os resultados da noite eleitoral. A PSP interveio e deteve esse grupo.

Para o Climáximo, para travar a crise climática é preciso “colocar a vida acima do lucro”. “Atualmente a direita tem planos para acelerar a destruição da vida, não respondendo a nenhuma das necessidades reais das pessoas – não tem planos para travar a seca no Alentejo e Algarve por exemplo”, denuncia ao i. “Os governos e as empresas deixaram claro que não têm qualquer intenção de parar de nos roubar e matar. Face a isto, as pessoas procuram alternativas fora deste sistema mortífero. Temos de enfrentar a realidade, não podemos delegar aos políticos e CEOs, que nos trouxeram até aqui e que nos rumam ao colapso, a responsabilidade de mudar isto”, continua, afirmando que “a alternativa são as pessoas”. “Só uma resistência climática popular consegue travar a crise climática e a ascensão de fascismo, racismo e machismo”, aponta.

Ocupar vias públicas

A situação ganha outros contornos quando os ativistas se apoderam do espaço público, nomeadamente de estradas e túneis. Uma das ações mais controversas aconteceu no dia 3 de outubro do ano passado. Onze ativistas do grupo Climáximo bloquearam a Segunda Circular, no sentido Benfica-Aeroporto, junto às Torres de Lisboa, onde se situam os escritórios da Galp. Nove deles sentaram-se na estrada, em fila, vestidos com coletes identificadores, interrompendo o trânsito. Os outros dois penduraram-se na ponte pedonal com arneses. Interrogado sobre as consequências destes bloqueios, o coletivo garante que todos os seus protestos “têm o cuidado no centro”. “Nunca fizemos nem vamos fazer violência sobre seres vivos e, no caso dos bloqueios de estrada, deixamos sempre passar carros em marcha de emergência. Fazemos estas ações com cuidado profundo com todas as pessoas que hoje sofrem pela crise climática, para que o que cada pessoa ama não seja destruído”, sublinha. Segundo algumas testemunhas, nesse dia, vários condutores saíram dos carros e obrigaram os jovens a sair da estrada. Outros terão mesmo recorrido a agressões. Os onze ativistas foram algemados e detidos, acabando libertados ao final da tarde. Dias depois foram presentes a tribunal.

Dois meses depois, onze ativistas do mesmo grupo bloquearam o túnel do Marquês de Pombal em plena hora de ponta (nove da manhã). Além de bloquearem o acesso ao túnel, penduraram-se no viaduto com uma faixa onde se lia: “O Governo e empresas declararam guerra à sociedade e ao Planeta”. Após o bloqueio, os ativistas foram detidos pela polícia, tendo sido levados para a esquadra do Calvário, de acordo com o Climáximo.

Vandalismo ou protesto?

Além destes protestos, no dia 21 de outubro do ano passado, um grupo de ativistas climáticos do mesmo grupo partiu o vidro da montra da loja Gucci na Avenida da Liberdade, deixando uma mensagem a tinta vermelha. Dois jovens foram detidos e dois fugiram. Contudo, fonte oficial da PSP confirmou que a empresa que gere a loja não quis apresentar queixa, por isso os ativistas foram libertados. Na montra, lia-se: “Quebrar em caso de emergência climática”. O objetivo foi denunciar a importância do fim das “emissões de luxo”. Recorde-se que a marca pertence ao milionário francês François-Henri Pinault, CEO da empresa Kering, e que se encontra entre os mais ricos do mundo.

Seguiu-se a fachada e a escadaria do MAAT em protesto contra a EDP. No dia 3 de dezembro de 2023 membros do mesmo coletivo pintaram a fachada do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em Lisboa, em protesto contra a atividade da EDP na crise climática e o uso da sua fundação para “lavar a imagem”. Segundo um comunicado do grupo ativista ambiental, duas pessoas terão sido detidas. O movimento acusa a EDP de ser “um dos maiores importadores de combustíveis fósseis para produzir energia em Portugal”, considerando a elétrica “diretamente culpada pelas mortes e destruição que advêm da crise climática”, condenando a população a “catástrofes a curto e longo prazo”.

Três dias depois, outros seis elementos do coletivo invadiram o aeroporto municipal em Tires, no concelho de Cascais, distrito de Lisboa, tendo sido detidos e, mais tarde, presentes a tribunal. Os jovens pintaram um jato privado e acorrentaram-se ao aparelho, em protesto contra voos de luxo. Segundo o Climáximo, em comunicado, uma viagem num jato privado entre Londres e Nova Iorque “emite mais CO2 do que uma família portuguesa num ano inteiro”.

Mais recentemente, ativistas da Greve Climática Estudantil colocaram uma faixa no topo do Banco de Portugal com o objetivo de alertar para a urgência do fim da utilização de combustíveis fósseis, acabando por ser detidos. Na faixa de grandes dimensões podia ler-se: “Governo a defender o lucro fóssil = Resistência Estudantil. Fim ao Fóssil 2030”. “O Governo que vai ser formado nos próximos dias não vai ter um plano para o fim ao fóssil nos prazos da ciência”, apontava o coletivo em comunicado. Por isso, a Greve Climática Estudantil está a convocar para maio uma onda de ações com o nome “Primavera Estudantil pelo Fim aos Fósseis” e os ativistas prometem “não dar paz às instituições de poder até que estas garantam uma transição justa nos prazos da ciência”.