A primeira medida do novo Governo PSD/CDS foi recuperar o antigo logótipo da administração pública, abandonando a simplificação feita na fase final do Governo de António Costa. Muitos comentadores indignaram-se: «Então a coisa mais importante que havia para resolver era o logótipo do Governo?».
Possivelmente não sabiam que, quando o símbolo foi mudado, Luís Montenegro afirmou que a sua «primeira medida», caso fosse «eleito primeiro-ministro», seria exatamente reverter essa decisão. Tratou-se, pois, do simples cumprimento de uma promessa eleitoral.
Também houve quem dissesse, com ar crítico, que esta medida teve exclusivamente a ver com ‘razões ideológicas’. Mas a mudança de logótipo feita por António Costa não fora exatamente determinada por questões ideológicas?
Leia-se o modo como ela foi então justificada: «Trata-se de um símbolo novo e distinto, representativo do Governo da República Portuguesa, que responde de forma mais eficaz aos novos contextos, determinados pela sofisticação da comunicação digital dinâmica e por uma consciência ecológica reforçada», pretendendo ser «mais inclusiva, plural e laica».
Para além da linguagem bacoca (‘comunicação digital dinâmica’, ‘consciência ecológica reforçada’, etc.), não é verdade que o uso das palavras ‘inclusiva’, ‘plural’ e ‘laica’ revelava uma cedência clara ao politicamente correto?
Finalmente, foi dito que esta reversão – a par de outras no mesmo sentido – só contribui para alimentar a extrema-direita.
Ora, trata-se exatamente do contrário: o que tem contribuído para engrossar o extremismo é o facto de os partidos moderados terem deixado cair certos temas – como o nacionalismo –, entregando-os de bandeja à extrema-direita.
O nacionalismo é um sentimento que se pode dizer natural, quase espontâneo, partilhado por uma esmagadora maioria da população, mesmo que de forma inconsciente.
Por que razão vemos na TV notícias como: «Português assassinado em França»? Todos os dias são assassinadas em França várias pessoas. Por que motivo aquela é objeto de notícia? Por se tratar de um ‘português’, claro.
E isso verifica-se em tudo: nas medalhas ganhas por portugueses (alguns de que nunca ouvimos falar) em provas desportivas internacionais, nos prémios de escritores ou cientistas portugueses no estrangeiro (a começar pelo Nobel de Saramago), nos triunfos das seleções nacionais, etc., etc. E não se trata de um exclusivo português: acontece com todos os povos do mundo.
Noutro plano, impressionamo-nos hoje com a resistência dos ucranianos à invasão russa. Admiramos o seu ‘amor à pátria’. Um destes dias, um jovem futebolista ucraniano que joga num grande clube inglês dizia que, se for recrutado para o exército, não hesitará e irá a correr. Será esta atitude criticável ou louvável? Mas quando se fala aqui em ‘nacionalismo’, aqui d’el rei que vêm aí os fascistas.
Este tipo de atitude é que alimenta a extrema-direita.
Mas para tornar o assunto mais ridículo, é preciso recordar que o símbolo que António Costa mudou e Montenegro repôs não foi criado por nenhum governo de direita: foi inspirado na bandeira nacional, desenhada pela esquerda da época e adotada aquando da implantação da República. Foram os revolucionários de 1910 que criaram a bandeira verde e vermelha com a esfera armilar ao centro.
E o que está agora em causa é mesmo a esfera armilar, uma alusão aos Descobrimentos, de que alguma esquerda se envergonha como se fosse algo de errado, de maligno, de desprestigiante. Foi isso que se quis eliminar. Ora, não é essa, inquestionavelmente, a grande referência dos portugueses a nível planetário? E não é também verdade que a quase totalidade dos logótipos dos Governos europeus incluem referências históricas distintivas, não sendo apenas composições de figuras geométricas? A mudança do logótipo foi, pois, uma tentativa de apagar a História, de a reescrever, assente num preconceito. E por isso é natural que um Governo que não é de esquerda a tenha revertido.
Devo dizer que não sou grande adepto das ‘reversões’. Mas esta é muito diferente daquelas que o Governo de Costa fez em 2015, quando reverteu a privatização da TAP. Essas medidas tinham fortes implicações económicas, que se revelaram aliás ruidosas, e esta é puramente simbólica.
Há quem distinga ‘nacionalismo’ de ‘patriotismo’. O primeiro seria agressivo, o segundo não. Confesso que sempre usei os dois termos indistintamente. Claro que há um nacionalismo expansionista, que usa o orgulho nacional como argumento para projetos hegemónicos. É o que faz Putin, para não ir mais longe. Mas há muito tempo que em Portugal o nacionalismo não assume esse caráter, pelo que a questão não se coloca.
O que pode ser perigoso é um certo amolecimento do sentimento ‘nacionalista’, ou ‘patriótico’, perante a ameaça que paira hoje sobre a Europa. Isso é que nos deveria preocupar e não o contrário.