Para Moçambique com futebol e em força!!!

No dia 30 de Junho de 1968, o Portugal colonial deu uma imagem forte da sua presença em Lourenço Marques ao inaugurar o Estádio Salazar. Num recinto preparado para receber, no máximo, 35 mil pessoas, as seleções de Portugal e do Brasil defrontaram-se perante mais de 60 mil. Mesmo que Eusébio e Pelé tenham faltado…

Foi de estadão! O dr. António Oliveira de Santa Comba Dão não esteve presente, claro está. Tinha um medo que se pelava de andar de avião – fez a inauguração do primeiro voo Lisboa-Porto e exigiu regressar à capital de carro – e nunca pôs os seus pés delicados e as suas famosas botas em nenhuma das colónias portuguesas. Mas ninguém deu pela sua falta. Dois meses mais tarde seria notícia por ter caído de uma cadeira e amachucado a nuca. Não faltaram figurões: o subsecretário de Estado de Fomento Ultramarino, que representou o Chefe de Estado, o secretário da Juventude e Desportos, o encarregado do Governo de Moçambique, o arcebispo de Lourenço Marques, o comandante-em-chefe das ForçasArmadas de Moçambique, secretários oficiais da Educação, Obras Públicas e Comunicações, Economia Terras e Povoamento, comandante da Região Militar, comandante Naval, comandante da 3ª Região Aérea, diretor-geral dos Desportos, governador do Distrito de Lourenço Marques, presidente em exercício da Câmara Municipal de Lourenço Marques, presidente da Confederação Brasileira de Desportos, cônsul geral do Brasil, presidente da Comissão Provincial de Educação e Desportos e, finalmente, no fim da lista, o representante da Comissão Metropolitana do Estádio. Não contente com toda esta tralha, os organizadores do evento ainda convidaram uma comissão do Estado da Suazilândia. Sendo assim só no camarote presidencial, imagina-se o resto: num estádio construído para 35 mil pessoas encaixaram-se como sardinhas cerca de 60 mil. Ora batatas! Ou ora inhame!, que fica mais de acordo com o lugar que prometeu ao povão apresentar um jogo entre as seleções de Portugal e do Brasil ainda antes de saber que, por questões físicas, as duas estrelas maiores do futebol do mundo não iriam brilhar em campo devido a lesões.

Sem Eusébio e sem Pelé

O ambiente foi, obviamente, festivo até ao enjoo. Logo em África onde toda a gente se pela por uma festarola de aldeia quanto mais pela inauguração de um recinto desportivo que prometia um desenvolvimento nunca visto de muitos atletas que começavam a aparecer no panorama nacional. Os Ferroviários, que tinham sido os grandes impulsionadores da obra, foram condecorados antes de o jogo ter início, passando a ser membros honorários da Ordem de Benemerência, tal como aconteceu com o engenheiro Sousa Dias, o homem responsável por pôr os alicerces de pé.

Foi um atleta portuense, José de Magalhães, o encarregado de transportar o facho com a chama olímpica, dar com ele uma volta ao estádio e, em seguida, subir a escadaria em direção à grande pira que os esperava. No campo, já outros desportistas iam sacudindo o nervosismo em movimentos de braços e pernas à espera das provas de atletismo que antecederam o jogo. Depois sim: um grito unânime. Um urro vindo das entranhas dos apaixonados Portugueses e brasileiros entraram em campo lado a lado. O árbitro foi um espanhol, Adolfo Bueno. Numa e noutra equipa sobressaíam nomes de peso, mas também muitos habituais reservas. Na seleção nacional misturavam-se Pedras e Coluna, Armando com Hilário, José Augusto com Fernando Peres. Na brasileira havia Rivelino, Jairizinho, Tostão e Carlos Alberto, mas também Edu, Natal e Joel.

Foi Mário Coluna que tentou levar Portugal às costas na ausência de Eusébio. Aos 8 minutos desferiu de muito, muito longe, um pontapé tão violento como assustador para Félix, que seria campeão do mundo dois anos mais tarde, no Mundial do México. Apesar disso, era Portugal que tremia. A defesa composta por Cruz, Armando, José Carlos e Hilário, postados na frente de Américo, abanava por todos os lados como uma canoa à deriva no Canal de Moçambique. Ainda por cima, aos 43 minutos, José Augusto marcou mal uma grande penalidade, permitindo a defesa do goleiro do Brasil. Ninguém estranhou que o intervalo chegasse como uma espécie de soar do gongo para a equipa-de-todos-nós, como lhe chamou um dia o grande Ricardo Ornellas. A superioridade brasileira era evidente e acabaria, mais cedo ou mais tarde, por se transformar em golos. Já ninguém o duvidava. Mas foi preciso atingirmos o minuto 57 para que Rivelino, num livre direito bem ao seu estilo, marcasse o primeiro golo com um pontapé em curva, de três dedos. Portugal afundava-se. A entrada de Artur Jorge para o ataque não foi mais do que uma pobre tentativa de demonstrar dignidade na derrota inevitável. António Simões entrou para o lugar de José Augusto mas nada havia a fazer. A três minutos do fim, José Carlos tentou driblar Jairizinho e deu-se mal: o brasileiro tirou-lhe a bola, foi para a baliza e fez o 0-2 definitivo. Festa é festa e não iria ser estragada por uma derrota num jogo simplesmente amigável entre países irmãos. Restava a certeza de que o Brasil estava a montar as bases da equipa que encantaria o mundo no Campeonato do Mundo do México e de que Portugal desperdiçava sem tino a faustosa seleção que se tinha apresentado dois anos antes em Inglaterra.

Cinco mil contos contabilizaram-se nas bilheteiras no final da partida. Um luxo! Fernando Caiado, selecionador português estava irritantemente submisso perante a superioridade adversária: «A equipa portuguesa atingiu esta altura da época em total saturação e a precisar urgentemente de férias. É verdade que nos faltou Eusébio, mas eles também não tiveram o Pelé pelo seu lado». No dia seguinte, uma notícia espantou os organizadores do evento. Pelé, o lesionado Pelé, não só não estava lesionado coisa nenhuma, como até tinha jogado pelo Santos nos Estados Unidos, contra o Saint-Louis, marcando um golo na reviravolta de 0-2 para 3-2. Razão mais que suficiente para que os moçambicanos se sentissem enganados. Mas, vendo bem, até terá sido melhor assim…