Deixem que eles se aborreçam à vontade

Considero mais tranquilizantes os gritos vindos de trás e as perguntas intermináveis do que o silêncio sombrio que esses pequenos aparelhos geram

«Ainda falta muito? Quanto tempo falta? Quantos minutos são uma hora?». Este era o pano de fundo de muitas viagens de carro mais longas com crianças nos bancos traseiros. As perguntas pareciam uma pescadinha de rabo na boca e podiam durar uma viagem inteira. Para passar o tempo mais facilmente inventavam-se jogos, contavam-se histórias, ouvia-se música ou – essencialmente – esperava-se a olhar pela janela ou a pensar na vida. Para descanso de muitos pais, a chegada das tecnologias digitais possibilitou o silêncio nessas viagens que pareciam intermináveis para todos. Eu confesso que continuo a considerar mais tranquilizantes os gritos vindos de trás e as perguntas intermináveis do que o silêncio sombrio que esses pequenos aparelhos geram.

Ninguém gosta de esperar, sobretudo quem tem um bichinho carpinteiro que o espicaça para se mexer, para correr e saltar e faz com que uma hora de inação se assemelhe ao fim do mundo. Mas já diz o ditado: «Saber esperar é uma virtude».

Desde que nasce, o bebé faz pedidos que quer ver satisfeitos o mais rapidamente possível, seja por ter fome, frio ou por se sentir desconfortável, e o choro torna-se mais audível à medida que os segundos passam. Quando cresce, os pedidos passam a ser outros e à falta da resposta esperada podem juntar-se birras infindáveis. Para evitar o galopar da frustração, muitas vezes a tendência é interromper o que se está a fazer para responder prontamente às necessidades, sejam elas quais forem, da criança, o que a satisfaz no momento mas a tornará também menos pacientes no próximo pedido, sendo que a exigência e a intolerância vão sendo cada vez maiores. Muitas vezes quando os pais se apercebem disso já é mais difícil fazê-las entender que nem sempre as nossas necessidades podem, nem devem, ser respondidas imediatamente. E há inclusivamente situações que não têm a resolução que gostaríamos.

O que diriam os jovens e as crianças de hoje se tivessem a televisão de há 40 anos? Quem não se lembra das telenovelas, como o Roque Santeiro, que reuniam a família quando ainda só havia dois canais: o episódio acabava sempre no momento mais emocionante e por mais que quiséssemos saber o que iria acontecer, tínhamos de esperar um dia inteiro (ou às vezes uma semana) pelo episódio seguinte. Se não conseguíssemos estar em frente da televisão naquele momento, ou se precisássemos de ir à casa de banho, paciência, só nos restava perguntar a alguém o que tinha acontecido. Ou seja, tínhamos de esperar, de planear, fazer escolhas e aceitar as consequências: ou íamos jantar fora ou víamos o episódio. Atualmente isto parece um absurdo. Podemos gravar ou pôr para trás o que passa na televisão e ver quando nos der mais jeito, até podemos fazer uma maratona e ver uma série de uma ponta à outra e ainda a conjugar com o nosso horário. 

Naturalmente as novas tecnologias facilitam-nos muitíssimo a vida. Seria absurdo não tirarmos partido delas, no entanto é importante ter presente que esperar continua a ser uma virtude essencial não só nas situações mais simples – por exemplo, ter capacidade para desempenhar tarefas que podem ser mais demoradas como estudar, fazer os trabalhos de casa ou estar uma hora e meia sentado e atento a uma aula – mas também outras mais complexas. A capacidade de saber esperar permite uma melhor relação consigo e com os outros e um desenvolvimento mais sadio. É na ausência que somos impelidos a partir à descoberta, que arranjamos estratégias e ferramentas, e que damos asas à imaginação e à criatividade. Preencher todos os buracos é deixar de ter tempo para inventar, para pensar, para refletir, para estar recetivo à novidade, para descobrir e também para ouvir o outro. É matar o que temos de mais importante: o nosso diálogo interior, o nosso pensamento e as nossas ideias.