Cinquenta anos depois, o 25 de Abril de 1974 ainda não é uma data pacífica, nem em Portugal, nem nos países que acabaram por conseguir a sua independência depois da revolução dos cravos.
A descolonização foi o primeiro dos três ‘D’ que o golpe militar prometeu. A guerra colonial foi, de resto, a ignição que pôs fim ao regime. Cansados de uma guerra injusta e sem fim que comprometia a vida a milhares de jovens, os capitães de Abril deram o empurrão final ao Estado Novo. A descolonização iniciou-se nos meses seguintes. Como muitos hoje reconhecem, não foi o processo ideal, foi o processo possível e as marcas de uma descolonização tardia e apressada ainda causam mágoa em muitos setores dos países agora independentes. Os regimes autoritários que se estabeleceram em muitos destes países e as guerras civis que se viveram ao longo de anos em Angola e Moçambique são o registo negro dessa descolonização apressada que por estes dias ainda provoca lamentos.
Cabo Verde pede reconhecimento de erros a Portugal
Na véspera da comemoração dos cinquenta anos da revolução dos cravos o jornal Expresso das Ilhas, o principal jornal de Cabo Verde escreve em editorial: «Em Cabo Verde as liberdades de Abril só se tornaram realidade quinze anos depois com o 13 de Janeiro de 1991 e com a Constituição de 1992».
O jornal recorda afirmações feitas por Almeida Santos em entrevista ao jornal Público em abril de 2004, onde o ex-ministro recordava que o PAIGC que já tinha tomado o poder na Guiné Bissau se preparava para fazer o mesmo em Cabo Verde sem recurso a eleições. Perante isso, Almeida Santos conta o que então disse a esses dirigentes: «Vocês ganham a consulta popular por 90 por vento e nós salvamos a face».
É com estes argumentos que o editorial do Expresso das Ilhas conclui que «as comemorações do quinquagésimo aniversário do 25 de Abril deviam ser acompanhadas da assunção de responsabilidades pelos enormes sacrifícios e sofrimentos causados por uma descolonização tardia conduzida por um país esgotado e com as suas forças armadas quase em debandada. Na falta disso, devia-se pelo menos, poupar aos povos que se viram a braços com regimes ditatoriais o espetáculo de ter autoridades e instituições portuguesas a validar as narrativas histórico-políticas que os legitimaram e a honrar personalidades que os incarnaram como paladinos da liberdade».
50 anos depois em se discute o 25 de Novembro
A polémica começou em 5 de Outubro quando, na cerimónia que assinala a implantação da República, Carlos Moedas anunciou que a Câmara de Lisboa iria comemorar devidamente o 25 de Novembro de 1975. O tema originou discussões há muito desaparecidas sobre a importância de uma e de outra data, com o PS e todos os partidos à esquerda a sublinhar que a data que se deve comemorar é o 25 de Abril, e os partidos à direita a reclamar para si os louros do 25 de Novembro que «restaurou o caminho de uma democracia plural do tipo ocidental».
A campanha eleitoral que dominou as atenções dos portugueses nos últimos meses, acentuou os argumentos entre esquerda e direita e o velho debate entre a importância das duas datas voltou a provocar discussões acaloradas e a reclamação de louros, como se tudo não se tivesses já passado há cinquenta anos.
Um novo episódio reabriu a discussão. Nuno Melo, líder do CDS, aproveitou o congresso do último fim de semana para anunciar que o Governo está a preparar uma grande comemoração do quinquagésimo aniversário do 25 de Novembro, que se assinala em 2025. A precisar de reafirmar o partido, agora que reconquistou um lugar no Parlamento e também no Governo, Nuno Melo precisava de uma bandeira para mostrar ao eleitorado e a bandeira escolhida foi precisamente o 25 de Novembro.
O anúncio gerou críticas em vários setores, por ter sido feito neste momento, numa tentativa de ofuscar o aniversário da revolução de Abril. Desta vez, Melo conseguiu o feito de juntar algumas vozes da direita às críticas. Mau gosto ou falta de oportunidade foram algumas das expressões que se ouviram e até nomes como Marques Mendes ou José Miguel Júdice, criticaram a escolha do momento para o anúncio.
A verdade é que o debate ideológico sobre as datas fundadoras da democracia e a sua importância para o regime que vivemos, voltou para ficar meio século depois dos factos e quando muitos dos seus protagonistas ainda estão vivos para recordar a história. É o caso de Ramalho Eanes, que também já veio a terreiro dizer que é um disparate separar as datas.
Comemorações com pouco brilho
Apesar de serem inúmeros os eventos que por estes dias comemoram os cinquenta anos da revolução dos cravos, há críticas e comentários sobre o pouco impacto que os festejos estão a ter entre os portugueses. Uma das críticas mais ouvidas tem a ver com a opção de assinalar a data entre quatro paredes e não com ações de maior visibilidade com capacidade de atrair as novas gerações.
João Soares, filho de Mário Soares e também ele histórico do partido socialista, comentava esta semana com o Nascer do SOL que tem sentido pouco entusiasmo nas diversas ações em que tem participado e que em muitos desses encontros «sou o mais novo a participar». O socialista lamenta que as comemorações não passem pelas redes sociais, especialmente aquelas que têm mais adesão dos jovens e argumenta que sem isso as gerações mais novas ficam arredadas da celebração da data.
Apesar de a comissão das comemorações não ter apostado neste veículo para também aí assinalar ou promover as muitas ações que está a levar a cabo, as redes sociais são o meio privilegiado para fazer ouvir as críticas pelo pouco impacto que se sente com a passagem dos cinquenta anos da revolução da liberdade.
Um dos principais alvos dessas críticas é o presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Carlos Moedas tem sido acusado ao longo da semana de ter negado apoio a um arraial que todos os anos comemora o 25 de Abril na Praça Luís de Camões. O autarca defende-se com as muitas requisições que tem tido, justamente para celebrar a data, razão pela qual não tem mais equipamentos para apoiar o arraial. Mas as críticas não ficam por aqui, há comentários a lamentar uma agenda diminuta da autarquia para as celebrações, e há mesmo quem recordo que noutras datas redondas, os festejos tiveram muito maior impacto.
Certo é que se olharmos para o programa de festejos que a CML distribuiu aos munícipes, verificamos que são inúmeros os eventos e festejos que a autarquia de Lisboa está a promover, pelo que as críticas terão mais a ver com a fraca comunicação do programa. Esta quarta feira uma conhecida jornalista comparava mesmo a aposta feita por Moedas em Mupies em toda a cidade para anunciar os festejos do 25 de Novembro e a ausência desses Mupies nas comemorações do 25 de Abril.