Os epicentros do perigo

Todos estes conflitos são pela conquista ou preservação da «terra». Alargar, conquistar, retomar ou consolidar territórios.

O Mundo está hoje muito mais perigoso. A ordem internacional encontra-se fragmentada e em desequilíbrio. O sistema internacional procura âncoras que parecem já não existir. O horizonte da paz é cada vez mais estreito. Este é o nosso Mundo em pleno avanço do século XXI. Esta a nova e madrasta realidade.

Os anseios geopolíticos da Rússia na Europa e o 07 de outubro no Médio Oriente trouxeram de novo a guerra e o conflito à Europa e ao Médio Oriente. O reafirmado desígnio da China por Taiwan provoca a angústia de uma guerra no espaço asiático. Tudo isto envolve as grandes potências globais sem exceção e grande parte das potências regionais. Três grandes epicentros da destabilização da paz e da cooperação regional, independentemente de qualquer plausível enquadramento narrativo. Que sempre existe.

Todos estes conflitos são pela conquista ou preservação da «terra». Alargar, conquistar, retomar ou consolidar territórios. Todos eles intentados pela força das armas e da demonstração efetiva de «Poder» e da ambição existencial dessa capacidade. É a geopolítica a funcionar no seu pleno. Tucídides (História da Guerra do Peloponeso) ou mesmo Hans Morgenthau (Politics Among Nations) estariam hoje deliciados a elaborar as suas análises prospetivas da relação entre política internacional e o Poder.

Em todas estas situações de disputa e nestes epicentros geopolíticos em causa, a questão que se sobreleva é sempre a posse e o domínio de territórios, tal como sempre o foi em séculos passados. Não existe espaço para contendas sobre a democracia, a liberdade ou os direitos humanos. Ou mesmo a liberdade económica, a questão social e a cooperação. Estes fatores servem apenas na sua maioria para ilustrar e reforçar os objetivos estratégicos identitários a atingir. No entanto a moeda geopolítica utilizada para os argumentos e invocação das disputas entre as partes, recai sempre sobre os aspetos da segurança. Segurança dos Estados, dos povos ou até das culturas e civilizações. Existe claramente uma mudança no jogo global e o espaço mediático encarrega-se de estabelecer novas e diferentes relações de poder. E de nos confrontar com todos estes dramatismos de forma muita direta.

Em consequência desta realidade do sistema internacional atual, parte do Mundo está pronta a aumentar a sua capacidade bélica. Dos Estados Unidos à Austrália, passando por todo o Médio Oriente e Norte de África e claro pela Ásia. Também a Europa está a rearmar-se. Com novas armas, novas capacidades e tecnologias militares. A ameaça militar da Rússia tocou todas as campainhas. Primeiro foi a crise energética na Europa, após fevereiro de 2022. Esta foi como sabemos resolvida em tempo, de forma conjunta e determinada pela União Europeia. O gás natural por via dos gasodutos tentaculares russos era por essa altura a principal arma de arremesso da Rússia, e o antídoto veio pela porta de entrada do Gás Natural Liquefeito, muito dele com origem nos Estados Unidos. Agora surge a ameaça verosímil de anexação de parte da Ucrânia. Depois da Crimeia em 2014. No futuro a previsibilidade que a geopolítica sempre proporciona de estas intenções serem alargadas a outras regiões e Estados vizinhos. A destruição ou a conquista da cidade Kharkiv, a segunda maior na Ucrânia, pode mesmo constituir-se no momento emblemático deste novo patamar de ameaça. Na perspetiva russa, o estado final a atingir será sempre a rendição da Ucrânia, reconhecendo esta a anexação dos territórios já conquistados pela Rússia, nomeadamente a Crimeia e as quatro regiões (Lugansk, Donestsk, Zaporíjia e Kherson). E se possível Kharkiv e Odessa. A neutralidade militar e a desejável sujeição política seriam outras das realidades a atingir neste reassumido patamar de conquista.

O aumento das despesas militares previstas e agendadas, com incrementos significativos nos respetivos PIB nacionais até 2030, marcam a agenda política, económica e financeira da maioria dos Estados pertencentes à NATO. Em especial dos países do Norte e Centro da Europa, mais próximos da zona de conflito. As grandes potências europeias (Reino Unido, França, Alemanha e Polónia) não deixarão de liderar este processo e estar na linha da frente destes desenvolvimentos. O recente auxílio do Reino Unido à Ucrânia, anunciado pelo Primeiro-Ministro britânico Rishi Sunak na Polónia, de cerca de 580 milhões de euros em material militar e o aumento progressivo do esforço militar do Reino Unido para valores de 2,5% do PIB, vem na sequência de várias outras decisões no mesmo sentido de muitos países europeus, nomeadamente a Dinamarca, Suécia, Finlândia, Países-Baixos, os Estados do Báltico e a Polónia. A Alemanha parece despertar do seu sono de décadas de desmilitarização assumida. Este tem sido e será nos próximos tempos o fio condutor das estratégias políticas e diplomáticas do espaço europeu, com pleno epicentro localizado na Ucrânia.

O novo pacote militar de auxílio americano à Ucrânia de 61 mil milhões de dólares, tem na verdade três grandes consequências. A primeira na política interna dos Estados Unidos. Com a complexa situação política interna e com as eleições presidenciais num horizonte próximo, acabou ainda assim por pesar mais, a realidade das “obrigações” internacionais dos EUA para com os seus aliados (Ucrânia, Israel e Taiwan).

Outra das consequências será a curto e médio prazo, o curso da guerra na Ucrânia. Esta ajuda deverá estabilizar a linha da frente dos combates e permitir aos ucranianos restabelecer a iniciativa militar.

A terceira grande consequência será inevitavelmente o aumentar do patamar do conflito e da confrontação geopolítica na Europa. Neste campo nem as estratégias das armas nucleares ficam de fora. Para já a Polónia pela voz do seu Presidente Andrzej Duda, veio mostrar disponibilidade para receber armas nucleares da NATO. Tudo o que já não pensávamos ser possível na Europa no século XXI.

Os EUA por sua vez mantêm e reforçam a posição dominante no apoio ao espaço ocidental, não deixando de relembrar aos europeus a sua responsabilidade nas questões de defesa e segurança. Igualmente a NATO mantém a sua política de alargamento e reforço das suas capacidades defensivas, constituindo-se como o principal garante de dissuasão na Europa.  Por tudo isto, a União Europeia precisa por esta altura de repensar (e muito) qual poderá ser o seu verdadeiro contributo para a segurança e defesa na Europa. Não basta efetuar declarações finais de meetings, em formato conclusivo, pautadas pelo modo vago e generalista. Onde nada acontece. Cada vez mais é notória a perceção de uma Europa a duas velocidades nesta matéria.

Por agora com o espaço mediático mundial “suspenso” na operação militar de Rafah! deixaremos para a semana a análise dos restantes epicentros deste sistema internacional em desequilíbrio.

Coronel e especialista em geopolítica energética
Eduardo Caetano de Sousa | LinkedIn