Os 50 anos da abrilada

Não havia meio termo, ou nos conformávamos com a sovietização de Portugal ou seríamos  logo acusados de simpatizantes do anterior regime e reféns das consequência penais desse nosso atrevimento.

Em 1974, o Estado Novo apresentava sinais evidentes de desgaste e de capacidade de se reinventar, em parte por culpa de Marcelo Caetano que, ao contrário do seu antecessor, revelou-se um líder fraco e incapaz de proceder a qualquer mudança que contrariasse a ideia do fim de linha.

Mostrando-se impotente para reformar o regime, permitiu que este caísse através de uma revolução, perdendo-se, dessa forma, qualquer hipótese de uma transição pacífica para a democracia partidária.

As revoluções, como bem sabemos, caracterizam-se por um fervor de destruição e pelo apagar do passado recente, originando uma sociedade completamente díspar da anterior, regra geral recorrendo-se ao terror e ao medo.

A revolução francesa foi disso um exemplo flagrante. Em escassos meses, foram conduzidos ao cadafalso um número infinitamente superior de vítimas da barbárie das que, nos três séculos que a precederam, morreram às mãos da Inquisição.

A abrilada, que se impôs ao golpe de estado que derrubou o Estado Novo, diferenciou-se da revolução francesa no sentido de que, apesar da loucura de muitos dos seus protagonistas, conseguiu evitar banhos de sangue dentro das fronteiras do então Portugal Continental, realidade que, infelizmente, não se verificou em algumas das suas províncias ultramarinas.

Mas, logo nos primeiros meses do novo regime, as prisões encheram-se de vítimas inocentes dos revolucionários de então, em número bem superior aos presos políticos libertados no dia  a seguir ao vitorioso golpe.

Milhares de pessoas foram saneadas sem justa causa, apenas com o argumento de serem simpatizantes do regime deposto, vendo-se, grande parte delas, obrigadas a exilarem-se para poderem garantir o sustento das suas famílias.

Durante o PREC (processo revolucionário em curso), as perseguições políticas foram uma constante, bastando-se discordar do rumo dos acontecimentos para se ser, de imediato, rotulado de reaccionário e, consequentemente, ficar-se sujeito aos mimos dos novos pides.

O mote foi lançado pelo então primeiro-ministro, o tresloucado Vasco Gonçalves, quando, com o ar alucinado que o dominava, gritou bem alto que ou se está pela revolução ou se está pela reacção!

Não havia meio termo, ou nos conformávamos com a sovietização de Portugal ou seríamos  logo acusados de simpatizantes do anterior regime e reféns das consequência penais desse nosso atrevimento.

A tirania reinante durante os dezassete meses de período revolucionário apenas teve o seu epílogo quando os militares moderados se impuseram aos seus camaradas radicais, em 25 de Novembro de 1975.

No entanto, o mal estava feito, atendendo a que os dois principais objectivos delineados em Moscovo e levados à prática pelos comunistas portugueses, foram concretizados: a destruição do tecido económico e a entrega das províncias ultramarinas à jurisdição do Pacto de Varsóvia.

Em 1974, a economia portuguesa impunha-se por ser uma das mais robustas de todas quantas serviam como referência, com um crescimento entre os seis e os sete por cento, sendo que em Angola e em Moçambique esse crescimento rondava os dez por cento, fazendo desses territórios os mais ricos e desenvolvidos de toda a África.

A título de exemplo, a economia portuguesa era bem mais competitiva do que a espanhola, sendo que o escudo tinha um valor mais do dobro do que a peseta, pelo que se vivia melhor do lado de cá do que do outro lado da fronteira.

Compare-se, nos dias de hoje, estes dois países. A Espanha optou por se desembaraçar do franquismo através de uma reforma, mantendo todas as suas instituições produtivas incólumes,  razão porque hoje se afirma como uma das grandes potências europeias e faz com que nós, portugueses, nos sintamos com inveja do nível de vida dos nossos vizinhos.

Em sentido totalmente oposto, a revolução portuguesa permitiu que o Estado se apoderasse de  quase todas as grandes empresas privadas, as quais estiveram na génese do bem-estar financeiro do Estado, deixando que trabalhadores, instrumentalizados pelas células marxistas, se apropriassem das restantes e  expulsassem os patrões que lhes deram vida e as fomentaram, como aconteceu no Alentejo com a reforma agrária, que mais não foi do que um roubo descarado das terras rentáveis e consentido pelas competentes autoridades.

Já com a democracia consolida, a privatização de grande parte dos sectores que foram nacionalizados trouxe alguma normalidade, mas insuficiente para se recuperar os níveis produtivos dos últimos anos do Estado Novo.

Basta observar-se a continuada anarquia que se respira em todas as áreas cuja vivência é da responsabilidade do Estado, como a saúde, a educação, a justiça, os transportes aéreos e terrestres e agora até as próprias polícias e os militares.

Toda esta agonia é fruto de uma abrilada que não acautelou os superiores interesses do País e condenou os portugueses a uma vida remediada e dependentes de um perpétuo endividamento às agências bancárias a que se vêem forçados a recorrer, fatalidade a que somente conseguem escapar aqueles que decidem emigrar para outras bandas.

Mas o pecado capital dos revolucionários de Abril, o qual me fez romper, para sempre, com a euforia da data que hoje se celebra, foi o vergonhoso processo dito de descolonização, em que milhões de nascidos portugueses foram abandonados à sua sorte e a maioria deles votados a guerras civis que ceifaram centenas de milhares de vidas humanas.

Países forçados a uma independência sem um prévio caminho de preparação, outrora estáveis socialmente e economicamente desenvolvidos, mas onde hoje imperam a fome e a miséria e os conflitos sociais.

Portugal tinha o dever de zelar pelo futuro de todos quantos nasceram e cresceram como portugueses e não de os descartar, como se se tratassem de simples objectos, conforme o fez.

A nenhum deles foi perguntado qual o destino que queria para si, mas sim decidido em Lisboa, sob orientação de Moscovo, que todos os novos países de língua oficial portuguesa passariam a ficar na órbita da União Soviética, presos a uma ditadura sanguinária, e três deles, Angola, Moçambique e Guiné, condenados aos horrores da guerra que se prolongou por várias décadas e cujos rastos de destruição ainda hoje perduram.

Desse cenário vermelho apenas escapou Timor, mas o preço a pagar foi demasiado elevado, como consequência da brutal ocupação indonésia de um quarto de século.

A retirada descontrolada do Ultramar português não vitimou apenas os povos indígenas, mas obrigou a que igualmente milhares de famílias de ascendência europeia se vissem forçadas a fugir das terras que eram também suas e perdessem tudo quanto amealharam ao longo de uma vida de trabalho.

Rotulados como retornados, quando, na verdade, eram desalojados, porque naturais dos territórios que tiveram de abandonar à pressa, foram recolhidos numa sociedade que os desprezou e no seio da qual foram constrangidos a refazer as suas vidas partindo do zero.

Sabemos que a liberdade tem os seus custos e não raras vezes a sua conquista implica sacrifícios para todos quantos dela vêm a beneficiar, mas o que a abrilada nos ofereceu em troca ficou muito aquém dos ganhos que viemos a usufruir com a revolução.

As reformas unem, as revoluções dividem!

Quis o destino que a democracia se impusesse em Portugal não através de uma reforma pacífica e congregadora das várias sensibilidades humanas, conforme seria a vontade de grande parte daqueles que participaram, de alma e coração, no golpe iniciado em 25 de Abril de 1974, mas sim por um processo revolucionário que semeou morte e ruína e catapultou os portugueses para a cauda da Europa nos índices de desenvolvimento económico e social.

É razão mais do que suficiente para que não me sinta imbuído de qualquer espírito de celebração numa data que poderia ter sido de alegria, caso o movimento dos capitães não tivesse sido tomado de assalto pela esquerda extremista.

E cravos, nem vê-los. Sejam de que cor forem!