Falemos do IRS

A carga fiscal global sobre o trabalho em Portugal é elevadíssima. São não só as taxas de IRS, mas, também, as contribuições para a Segurança Social (empregadores e empregados) e o IVA.

Não tenho paciência para as guerras de alecrim e manjerona sobre quanto-cada-um-desce-o-quê, que consomem o parlamento e os comentários televisivos. Debatem-se ajustamentos marginais que produzem diferenças irrisórias. Admito que para alguns beneficiados possa fazer diferença, sempre ligeira, mas do ponto de vista da economia como um todo e do seu potencial de crescimento são irrelevantes.

Uma das características deste debate é o enfoque exclusivo em aspetos redistributivos. É a mentalidade de jogo de soma nula de que já aqui falei. A melhoria sustentada do nível de vida depende em grande medida da disponibilidade das pessoas para trabalhar e da sua capacidade de investir. Ora os impostos (e outras contribuições) – o seu nível e estrutura – têm um efeito significativo nos incentivos ao trabalho e ao investimento e, portanto, na prosperidade coletiva. Este ponto crítico encontra-se sempre ausente do debate público. Como exemplo deste viés para o acessório, noto que a Tax Foundation/Europe (um think tank americano) publicou neste mês quatro blogs sobre diferentes aspetos do sistema fiscal português. Não obstante o momento político e o debate parlamentar, e independentemente da bondade das propostas, elas não tiveram qualquer eco. Preferimos falar de irrelevâncias e chamar-lhes ‘alterações profundas’. O que carece então de ser discutido?

  1. A carga fiscal global sobre o trabalho, que em Portugal é elevadíssima. São não só as taxas de IRS, mas, também, as contribuições para a Segurança Social (empregadores e empregados) e o IVA. Ignorando o IVA, a oneração global do trabalho representa 42% do salário médio (de uma trabalhadora solteira sem filhos), 7 pontos acima da média da OCDE. (No escalão mais alto do IRS este valor excede os 60%.) Se a esta ‘cunha fiscal’ juntarmos o IVA pago pelo trabalhador médio chegamos a valores da ordem dos 50%. Ou seja, metade do que uma empresa paga pelos serviços de um trabalhador vai para os cofres públicos. Por isto é que Portugal ocupa o 29.º lugar entre os 38 membros da OCDE na competitividade dos impostos sobre os rendimentos individuais. Só existe uma forma de reduzir esta carga fiscal global: repensando as funções do estado e o modo como elas são exercidas; uma discussão incómoda para os políticos, mas fundamental.
  2. Seja a carga fiscal total maior ou menor, importaria discutir a sua estrutura. Analisar, por exemplo, a simplificação do IRS através da redução do número de escalões e das múltiplas deduções. O IRS impõe custos económicos mais elevados do que o IVA (pois onera igualmente consumo e poupança e, logo, o investimento) e tem maiores custos de administração e fiscalização. Hoje, o IVA representa 24% da receita contra 19% do IRS. Contudo, como nota um dos blogs referidos, em 2021 o IVA arrecadou apenas 51 por cento da receita ideal potencial (ou seja, a receita que resultaria da tributação de todo o consumo final à taxa normal), abaixo da média da UE de 58 por cento. Uma reforma que desse prioridade à simplificação e à expansão da base tributável tornaria o IVA num instrumento ideal para aumentar eficientemente as receitas em substituição de outras mais prejudicais para o crescimento económico. Paralelamente, poder-se-iam considerar algumas nas várias alternativas para tornar o IVA um imposto progressivo o que tornaria admissível socialmente o aumento da sua taxa.

50 anos depois de Abril, o debate sobre impostos continua prisioneiro de um quadro mental herdado do PREC. Assim, a esperança de Abril num país próspero para todos fica mais difícil de cumprir.