As Europeias dos trânsfugas

Aumentam os casos de mudança de família política. A corrida a quadros qualificados está a mudar a configuração dos partidos tradicionais.

Não é uma novidade na vida política portuguesa, mas o surgimento de novos partidos veio intensificar uma tendência de transferência direta de nomes de uns partidos para outros. Os novos partidos, à esquerda e à direita, estão a crescer na sua representação institucional e precisam de recrutar quadros com experiência política para ocupar lugares nas várias instituições democráticas. A base de recrutamento incide naturalmente nos quadros dos partidos tradicionais e o fenómeno tem afetado mais intensamente o PSD, que assiste à saída de nomes das suas fileiras para o Chega, que tem conseguido também captar desiludidos da Iniciativa Liberal.

A desilusão com a não inclusão em listas em lugares elegíveis e a perspetiva de eleição nas listas do partido de André Ventura, que tem registado votações reforçadas a cada novo ato eleitoral, é o principal iman para o recrutamento. Depois das eleições de 10 de março, em que o Chega subiu de 12 para 50 deputados, a disponibilidade para conversas e convites acentuou-se e a lista do Chega às eleições europeias é prova disso. Tiago Moreira de Sá, deputado do PSD até à última legislatura, e Francisco Almeida Leite, ex-secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação no Governo de Passos Coelho, são os novos reforços vindos diretamente do PSD para o Chega. Em junho, serão muito provavelmente eleitos para o Parlamento Europeu.

Mas não é só á direita que o leilão de compras se faz sentir, também à esquerda vão acontecendo transferências surpreendentes, que até já levam o Livre a ponderar uma mudança nos estatutos.  Até aqui, o Livre decidiu a escolha dos seus candidatos a deputados em eleições abertas, nas quais podem votar não militantes do partido. O processo de escolha tem mostrado alguns riscos, como aconteceu com Joacine Katar Moreira, em 2019, que acabou por ditar vários conflitos internos que acabaram com a decisão da parlamentar de passar a deputada não inscrita, deixando o Livre sem representação na Assembleia da República.

A escolha de nomes para as europeias foi nos últimos dias alvo de grande polémica, tendo mesmo a direção do Livre chegado a ponderar alterar as regras, tudo porque a eleição direta de candidatos ditou uma escolha inesperada, colocando como cabeça de lista Francisco Paupério, um nome associado a outras tendências políticas (Iniciativa Liberal) e sem grandes ligações ao partido.

Francisco Paupério
Livre

Foi um dos casos mais polémicos na feitura de listas às eleições europeias. Francisco Paupério venceu a escolha em voto direto promovido pelo Livre. A votação admite eleitores não militantes e a escolha de Paupério foi lida como uma intrusão estranha nas listas do partido de Rui tavares. O Livre chegou a pensar alterar as regras de escolha, mas as críticas que chegaram de todos os lados fizeram a direção recuar. Paupério é um nome estranho nas hostes do Livre, sendo conhecido pela sua proximidade ao movimento +Liberdade, fundado por Carlos Guimarães Pinto (Iniciativa Liberal).

Sebastião Bugalho
AD

Foi a grand e novidade no anúncio dos nomes que se candidatam a Bruxelas. Sebastião Bugalho ganhou notoriedade jornalista e cronista do jornal i e do Nascer do SOL e em 2019 candidatou-se como independente nas listas do CDS às eleições legislativas. De então para cá, o jornalista foi presença constante nos ecrãs, primeiro da TVI/CNN e no último ano na SIC/SIC Notícias. Luís Montenegro convidou-o para encabeçar a lista da AD às eleições europeias e Bugalho aceitou. Não sendo uma mudança de opção partidária, é uma transferência do comentário político para a ação política e o facto tem gerado muitas críticas nas redes sociais e também dos seus ex-colegas de profissão e das restantes forças políticas.

Tiago Moreira de Sá
Chega

Para muitos dos seus ex-companheiros de partido é uma transferência surpreendente das hostes do PSD para o Chega. Tiago Moreira de Sá foi deputado social-democrata na última legislatura, escolhido por Rui Rio, então líder do partido. Professor na Universidade Nova de Lisboa e investigador no Instituto Português de Relações Internacionais, foi um dos nomes que a nova direção de Luís Montenegro colocou nas listas para as eleições de 10 de março em lugar não elegível. Moreira de Sá surge agora como número dois nas listas do Chega, juntado-se a uma já longa lista de nomes sociais-democratas a transferirem-se para o Chega. Curiosamente, são quase todos nomes ligados à anterior direção de Rui Rio, o líder do PSD que se recusava a definir o partido como um partido de direita.

Francisco Almeida Leite
Chega

É outro nome que veio do jornalismo para a política. Foi secretário de Estado de Paulo Portas no Ministério dos Negócios Estrangeiros no govreno de Passos Coelho, tendo já antes disso ocupado um lugar de nomeação política à frente do Instituto Camões. Almeida Leite esteve nos últimos anos nas fileiras do PSD, mas agora surge em quarto lugar nas listas do Chega para as eleições de Junho. André Ventura garante que será um lugar elegível e o ex-social-democrata irá muito provavelmente sentar-se na mesma bancada em que se senta a Frente Nacional de Marine le Pen em Bruxelas.

Joana Amaral Dias
ADN

É uma das surpresas destas eleições. Joana Amaral Dias, que já foi deputada do Bloco de Esquerda entre 2002 e 2005, concorreu nas legislativas de 2015 pela coligação MAS/PTP e, em 2017, candidatou-se à Câmara Municipal de Lisboa numa lista do movimento Nós Cidadâos. Agora, Joana Amaral Dias dá uma guinada política à direita e surge como cabeça de lista do ADN, um partido classificado como de extrema-direita.