«Num país em que se investe mais dinheiro público em aviação do que em justiça, o resultado é este mesmo: os governos podem fazer o que querem, mandar abaixo concursos públicos de estudos de aeroportos ou de privatizações de companhias com os argumentos mais ridículos e escaparem». Esta é a reação do especialista em aviação Pedro Casto e surge na sequência de o Governo dos Açores ter anulado o processo de privatização da Azores Airlines para lançar um novo concurso, porque as condições mudaram. É que, se antes a empresa – braço da SATA – estava avaliada em seis milhões de euros, sabe-se agora que vale 20 milhões. O Governo insiste que a «única maneira de capitalizar» a companhia aérea é através da entrada de capital privado e, por isso, garante que o processo vai avançar «rapidamente».
De acordo com o responsável, isto acontece «porque nos tribunais administrativos estes processos demoram 20 anos a serem concluídos e a justiça que eventualmente se fizer nessa altura já vem fora do tempo». E admite que a razão invocada pelo Governo regional «gera uma enorme instabilidade jurídica e demonstra uma grande falta de seriedade governativa e nem sequer houve uma mudança de partido: o mesmo Governo regional mandou abaixo o seu próprio concurso». Castro recorda que o conselho de administração da SATA, antes de sair, «vê na privatização a única forma de aceder ao capital que precisa para assegurar a sobrevivência da companhia. Manifestou-se contra este candidato único, mas, num segundo processo de privatização, não creio que existirá alguma oferta em cima da mesa por parte de alguma empresa do setor aeronáutico».
Pedro Castro afirma ainda que «talvez o Governo tenha uma outra garantia ‘na manga’ ou saiba de algo que nós não sabemos neste momento e, por isso, esta foi a sua forma de solucionar o problema».
Quem não ficou muito satisfeito com a decisão foi a Newtour/MS Aviation, o único candidato considerado válido no concurso para a venda da companhia aérea, que já garantiu que irá recorrer a «meios legais».
Pedro Castro é da opinião de que «é difícil levar a sério concursos relativamente a matérias aeronáuticas nos Açores», lembrando que há alguns anos que os concursos dos voos inter-ilhas promovidos pelo Estado têm apenas um candidato: «A companhia do próprio Estado, que, claro, ganha sempre. E ganharia também, mesmo se existissem 10 interessados muito melhores, não tenho dúvidas disso».
O especialista adianta ainda que as obrigações de serviço público (OSP) para as ilhas com o tráfego não liberalizado (Santa Maria, Pico e Faial) e entre São Miguel e Madeira «vão pelo mesmo caminho». E acrescenta: «É por isso que ninguém se interessa por estes concursos públicos, teoricamente ‘internacionais’». E lamenta a forma como estes processos funcionam nos Açores. «Neste momento, nos Açores, até para as ilhas liberalizadas (Terceira e São Miguel) se perdem as companhias privadas, como a easyJet em 2017 e, previsivelmente, a Ryanair também», afirma, lembrando que o diretor da easyJet para Portugal já disse que, enquanto as condições forem desiguais, a easyJet não volta aos Açores. «Este modelo açoriano de fazer as coisas é comum a todos os partidos do arco governativo e arrasta-se há anos. Está agarrado ao interesse político-partidário, promove fórmulas jurássicas da aviação e de modelos de mobilidade das pessoas em locais periféricos», acusa.
Recorde-se que o concurso público internacional para a privatização de entre 51% e 85% da Azores Airlines terminou com apenas um candidato viável. A proposta desse consórcio contou com uma notação de 46,69 pontos em 100. Uma avaliação que foi considerada ‘suficiente’. Mas o júri, liderado pelo economista Augusto Mateus, avisou para a falta de força financeira desse mesmo consórcio para garantir o caderno de encargos e a sustentabilidade. À venda opuseram-se não só as principais estruturas sindicais como o conselho de administração, que divulgou um parecer onde defendeu que o concurso fosse anulado e realizado um novo