Depois da polémica em torno do aumento do capital de 100 milhões na Águas de Portugal AdP) – detida em 81% pela Parpública e em 19% pela Caixa Geral de Depósitos –, José Furtado anunciou que irá abandonar a administração da empresa no final deste mês, ou seja, um ano e meio antes de concluir o mandato. Ao que o Nascer do SOL apurou, José Furtado colocou o lugar à disposição assim que o novo Governo tomou posse, por entender que estava perante um contexto de mudanças de ciclo político e não apenas de ministro, o que foi aceite pela ministra da tutela, Maria da Graça Carvalho. O nosso jornal sabe que este anúncio acabou por ser acelerado por causa da ‘guerra’ entre o atual e o anterior Governo. Depois de ter sido revelado que José Furtado tinha renunciado ao cargo, o Governo anunciou o convite a Carmona Rodrigues para assumir o cargo.
Para esta saída contribuiu o o facto de a AdP ter sido ‘forçada’ a pagar um dividendo extraordinário ao Estado de 100 milhões de euros em dezembro de 2023. A ideia de Fernando Medina, então ministro das Finanças, foi a de usar esta verba extra para fazer um brilharete na redução da dívida pública de forma a atingir níveis históricos, ignorando que esse valor seria necessário para a empresa avançar com os investimentos previstos – na ordem dos dois milhões de euros. O nosso jornal sabe que Furtado foi contra esta decisão, por entender que, no caso de ter de recorrer a um crédito bancário nesse montante teria de pagar juros à banca de 3,5% ou 4%, o que iria ter custos e, por isso mesmo, teria de ser refletido no consumo, nomeadamente nas tarifas praticadas. Já se essa verba ficasse do lado das contas públicas, iria beneficiar o contribuinte.
É certo que o pagamento dos tais 100 milhões de euros acabou por ser feito depois de ter havido uma negociação entre o ex-primeiro-ministro, António Costa, e o CEO da empresa, mas em troca o Governo assumia um aumento de capital no início deste ano. Um tema que estava num dos pontos da agenda na assembleia-geral da AdP que se realizou nesta quinta-feira, altura em que iria ser cumprida aquela promessa. Com essa injeção, a empresa passaria a deter um capital social de 534 milhões de euros «através de novas entradas em dinheiro no montante de 100 milhões de euros e a emissão de vinte milhões de novas ações nominativas no valor nominal de cinco euros cada, a subscrever e realizar pelos acionistas na proporção da respetiva participação social», refere a ata da reunião.
No entanto, com a mudança de Governo e atendendo ao facto de Fernando Medina não ter explicado esta operação ao novo ministro das Finanças, o nosso jornal sabe que Joaquim Miranda Sarmento recusou levar a cabo este aumento de capital em AG. Contactado pelo Nascer do SOL, não foi possível até ao fecho da edição obter esclarecimentos por parte do Ministério das Finanças.
Tendo em conta que há apenas dois acionistas, a Parpública e a Caixa, as assembleias-gerais da Águas de Portugal são feitas por escrito e enviadas por carta, tal como aconteceu em dezembro, quando houve esta negociação de entregar este montante ao Estado.
Na AG, a par do aumento de capital, estavam contemplados outros pontos na ordem de trabalhos, nomeadamente a prestação de contas e a aprovação dos resultados de 102 milhões de euros registados no ano passado. Trata-se de um aumento de 2,2% do lucro face a 2022. Em comunicado, a AdP explicou apenas este tema: «A assembleia-geral de acionistas da AdP aprovou o relatório e as contas consolidadas de 2023, que confirmam a robustez do grupo AdP e a evolução positiva consistente da generalidade dos indicadores, enquadrados numa dinâmica de crescimento sustentável da atividade».
O volume de negócios atingiu cerca de 790 milhões de euros, mais 6,4% do que no período homólogo. Já o resultado antes de impostos, juros, depreciações e amortizações (EBITDA) situou-se em cerca de 350 milhões de euros, «inferior ao valor registado no ano anterior, em consequência do agravamento do custo da energia e dos reagentes por impacto da guerra na Europa», referiu a empresa. No acumulado do ano, o grupo investiu 214 milhões de euros, em linha com o estabelecido no ano anterior.
Redução histórica da dívida
No ano passado, foi a primeira vez, desde 2009, que a dívida ficou abaixo dos 100% do Produto Interno Bruto (PIB) – situou-se nos 98,7% do PIB: 263 mil milhões e euros, o que representou uma queda de 9,4 mil milhões de euros face ao ano anterior –, mas essa redução foi feita graças ao dinheiro das pensões futuras dos portugueses, através do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) e da Caixa Geral de Aposentações (CGA) e de outras operações, como esta com a AdP.
Um comportamento que levou a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) a alertar para o facto de a redução da dívida pública em 2023 ter sido «artificial» e que «a obrigação de servir a dívida detida por entidades públicas permanece para os contribuintes», referindo que o Conselho das Finanças Públicas (CFP) já tinha apontado o dedo para o risco de concentração excessiva da carteira do FEFSS em dívida pública portuguesa.
Segundo a UTAO, o decreto-lei de Execução Orçamental (DLEO) para 2024 estabelece para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) a obrigação de ter no balanço do primeiro trimestre o mesmo valor nominal em instrumentos da dívida pública portuguesa que detinha a 31 de dezembro de 2023. E acrescenta que a lei prevê que o IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública tem a «obrigação de remunerar o melhor possível estas aplicações do FEFSS», admitindo que «haverá casos em que este reforço resultou de meras opções de gestão e casos em que as opções de gestão financeira foram condicionadas por orientações do Governo».
Finanças: Novos confrontos
Joaquim Miranda Sarmento não tem poupado críticas à gestão do seu antecessor. Ainda esta semana, o ministro das Finanças voltou a firmar que a situação financeira é «diferente» daquela que foi anunciada pelo Governo socialista. E a resposta não se fez esperar, com o PS a afirmar que vai pedir uma audição urgente ao ministro no Parlamento, para explicar as «declarações que anda a fazer», considerando-as «irresponsáveis».
Em causa estão as novas declarações do atual ministro das Finanças, que apontou em 2,5 mil milhões de euros o total de despesa feita pelo anterior Governo no arranque do ano, despesa que não faria parte do Orçamento do Estado para 2024. De acordo com as contas do governante, foram aprovadas despesas extraordinárias no valor de 1.080 milhões de euros, sendo 960 milhões de euros depois das eleições legislativas de 10 de março.
Já na semana passada, Miranda Sarmento tinha revelado que as contas públicas passaram, em três meses, de um excedente de 1.177 milhões de euros para um défice de 259 milhões. A somar a este valor, há que contar ainda com as dívidas da administração central a fornecedores aumentaram na ordem dos 300 milhões de euros, totalizando assim cerca de 600 milhões de euros. E apontou para a aprovação de 108 resoluções em Conselho de Ministros, afirmando que estava a fazer um «levantamento exaustivo» sobre as medidas que têm cabimento orçamental, afastando três medidas que não o têm: 100 milhões de euros para apoio aos agricultores no Algarve e no Alentejo, 127 milhões de euros para aquisição de vacinas contra a covid-19 e 200 milhões de euros para a recuperação do parque escolar.
A defesa por parte de Fernando Medina fez-se logo a seguir. Acusando Miranda Sarmento de «inaptidão técnica» ou, em alternativa, «falsidade política», o ex-ministro das Finanças sustentou que os recentes dados da Direção-Geral do Orçamento relativos à síntese de execução orçamental até março foram apresentados em contabilidade pública, quando o critério que releva para Bruxelas é o da contabilidade nacional.