Aguiar-Branco, melhor que encomenda

Em poucas semanas, o primeiro presidente da AR eleito apenas para meia legislatura (e só à quarta volta) já deu mais lições de bom exercício do cargo do que os seus antecessores mais recentes. Com espírito de missão e sabedor das obrigações da função, é um verdadeiro democrata.

José Pedro Aguiar-Branco foi o único interveniente na sessão solene comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril que cometeu a proeza de levantar todo o hemiciclo num aplauso que estava preparado para pedir mas não chegou a precisar de fazê-lo porque os deputados de todas as bancadas se anteciparam espontaneamente – dirigindo-se aos familiares das quatro vítimas mortais da Revolução dos Cravos, que o novo presidente da Assembleia da República tomou a iniciativa de convidar para estarem nas galerias do Parlamento naquela ocasião.

Nesse dia, com um discurso equilibrado, Aguiar-Branco deu uma lição de humildade democrática que deve ter envergonhado todos aqueles que, à direita e à esquerda, o obrigaram a passar por um embaraçoso processo de eleição, em que só à quarta votação conseguiu a maioria necessária para poder ocupar a cadeira que Ferro Rodrigues entregou a Augusto Santos Silva, e sob a condição de a ceder ao fim da primeira metade da legislatura em curso, se lá chegar.

Como já tinha dado na sua primeira intervenção após a posse como presidente do Parlamento.

E como voltou a dar ainda nesta semana, numa entrevista franca, correta e ponderada à RTP (Grande Entrevista, de Vítor Gonçalves).

Em todas as respostas, Aguiar-Branco teve sempre o cuidado de não sobrepor as suas opiniões pessoais e políticas ao sentido de Estado, bom senso e equidistância que entende, e muito bem, serem inerentes ao cargo de presidente da Assembleia da República.

Ao ponto de não responder às provocações do entrevistador, sublinhando que «em democracia cabem todas as opiniões, cabe a liberdade de expressão e o sentido de responsabilidade» e que todos os partidos, incluindo o Chega (na mira do jornalista), podem usar os meios e instrumentos legítimos para tomar as iniciativas e procedimentos que sejam também legítimos.

Como é o caso da proposta de uma ação contra o Presidente da República por traição à Pátria por ter defendido a reparação histórica das ex-colónias. Aguiar-Branco realçou a legitimidade da proposta e dos mecanismos utilizados, salientou a importância da liberdade de expressão («em toda a sua plenitude, tal como está na Constituição») e do debate democrático e livre e vincou que o julgamento político deve ser feito pelo povo, nas urnas.

E manteve-se sempre firme, resistindo às persistentes tentativas desviantes do entrevistador. Sem deixar de vincar que, estando em causa um órgão de soberania (Presidente da República), exigiu máxima celeridade ao processo.

Para Aguiar-Branco, o que é fundamental é defender a dignidade das instituições e o seu regular funcionamento. Seja quando está em causa o Presidente da República, o Parlamento ou qualquer outra instituição do Estado, como a Procuradoria-Geral da República. Foi com esse intuito, garantiu, que avançou com a  proposta de audição da procuradora-geral da República no Parlamento. 

«Ir à AR é prestigiante quer para a AR quer para quem lá vai. (…) A AR é o lugar mais nobre para dar explicações e dissipar dúvidas. (…) Clarificando-as, estamos a contribuir para a dignificação das instituições. (…) Isso é o que eu desejo».

Se houve reações críticas de partidos com assento parlamentar e de representantes tanto de magistrados do Ministério Público como de magistrados judiciais, Aguiar-Branco considera-as normais – «as críticas são todas legítimas». 

O que mais lhe importa, repetiu, é a dignificação e o regular funcionamento das instituições e, como assim,  da PGR.

Foi também por isso que mandou tirar as barreiras de segurança que há anos bloqueavam os acessos ao Palácio de S. Bento, designadamente em plena escadaria frontal – «tirar as grades da frente da Assembleia foi um ato simbólico, aquela casa é de todos (…),  é preciso aproximar os eleitores e eleitos (…), não é com grades».

Ou que pediu na conferência de líderes que o «tratamento de urbanidade» previsto no Regimento da AR passe pelos senhores deputados evitarem o «tratamento por tu ou por você».

Sinais ou pormenores que contribuem para a dignificação da função e para uma melhor perceção junto da opinião pública. Com toda a razão.

Crítico do regime de incompatibilidades que «não facilita a disponibilidade para a vida política e em particular para a função de deputado», Aguiar-Branco põe o acento tónico no registo de interesses, num maior rigor em relação a eventuais conflitos de interesses e na punição exemplar para quem incorra na sua violação. Também com bom senso, Aguiar-Branco lamenta a demagogia que acaba por subverter todas as tentativas de discussão sobre os vencimentos dos detentores de cargos políticos, inviabilizando qualquer ajustamento possível.

«O meu papel é facilitar o debate democrático, pelas ideias, com equidistância», e «com lealdade», «do deputado do BE ao deputado do Chega». E o seu objetivo é «contribuir para encontrar soluções para os problemas do país». 

Porque, diz, «ninguém está interessado em eleições».

Este PAR (Presidente da Assembleia da República) comporta-se mesmo como primus inter pares. Que, na verdade, é o que é a segunda figura do Estado.

Melhor que a encomenda, Aguiar-Branco já provou que tem perfil para o cargo que ocupa, não merecia o destratamento que lhe deram e devia manter-se PAR até ao fim da legislatura, seja qual for a duração que tiver.