Kharkiv

A eventual ofensiva de verão agora em preparação avançada pelas Forças Armadas de Putin, pretende explorar uma Ucrânia exausta e à espera desesperadamente dos reforços militares em armamento e equipamento vindos dos EUA e da Europa

Os objetivos decisivos são isso mesmo. Decisivos e absolutos. Permitem a consagração de uma ideia, de uma estratégia ou a concretização de uma vontade explícita. A realização das expetativas formuladas. Muitas vezes são também eles objetivos simbólicos, reconhecidos no imenso espaço mediático. São muito comuns no sistema internacional, na diplomacia política, mas claro usados como maior preponderância na guerra e nos seus teatros de campanha e operações. Os principais atores internacionais não deixam de ter em mente as oportunidades e os meios que podem proporcionar a sua efetivação. Mas muito em especial na guerra, que é o que aqui nos traz!

A Europa vive neste momento o drama de duas guerras. Uma que atenta contra a sua própria segurança e soberania, e até a autonomia política no seu espaço regional. Mas também pelas imprevisíveis consequências que resultem de alterações nas respetivas políticas internas. Uma “Europa em perigo de morte” como salientou recentemente Emmanuel Macron na recente entrevista que deu ao The Economist. A outra guerra, é a que divide e fratura a Europa na sua abordagem geopolítica. Como sempre o fez ao longo do século XX. Numa e noutra guerra existem é claro, objetivos decisivos. Mais claros na guerra da Ucrânia. Mais difusos e existenciais no conflito do Médio Oriente e na guerra de Gaza. Até porque num espaço de intervenção mais afastado.

A Rússia tem como “estado final” a atingir, a rendição da Ucrânia. Desta Ucrânia que quer pertencer ao espaço ocidental, onde prevalece a liberdade e a democracia. Pretende uma rendição que garanta o reconhecimento dos territórios conquistados: a Crimeia em 2014 e os mais recentes resultantes da invasão de fevereiro de 2022: as regiões de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporíjia. As ambições geoestratégicas e geopolíticas a alcançar passam pela negociação da neutralidade militar da Ucrânia e mesmo da sua sujeição política aos interesses diretos da Rússia. Em termos políticos imediatos existe claramente uma estratégia russa de minar o sistema de apoio interno ao Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, figura política que tem personificado o maior obstáculo aos desígnios militares arquitetados pela Rússia. Todas as fragilidades internas são aproveitadas para reforçar e explorar eventuais cisões na política interna, como é o caso da controversa lei sobre o recrutamento e a mobilização de efetivos militares. O desânimo e o cansaço deste longo tempo de guerra junto da população ucraniana é muito evidente. E preocupante para o sucesso da mesma. E o Kremlin sabe-o bem. Conhece esta realidade melhor do que ninguém.

A cidade de Kharkiv pode ser esse objetivo decisivo e também simbólico neste momento. A conquista ou a destruição da segunda cidade da Ucrânia poderá ser o momento definidor desta guerra. Mesmo que não seja com o objetivo de a conquistar em definitivo, mas sim como moeda de troca em futuras negociações ou mesmo só uma estratégia militar como refere Serhii Kuzan o diretor do Centro de Segurança e Cooperação Ucraniano em Kiev ao Institute for the Study of War “o principal objetivo da Rússia é esticar as forças ucranianas noutras partes da linha da frente, com vista a conquistar território na região do Donbas, em especial em torno da cidade de Chasiv Yar.”

A eventual ofensiva de verão agora em preparação avançada pelas Forças Armadas de Putin, pretende explorar uma Ucrânia exausta e à espera desesperadamente dos reforços militares em armamento e equipamento vindos dos EUA e da Europa. Sistemas de defesa antiaérea, munições de artilharia, mísseis de longo alcance, viaturas militares de combate e claro os F16. Também os efetivos militares na frente de combate escasseiam e transformaram-se numa enorme dor de cabeça para a liderança militar da Ucrânia.

Para já o que sabemos é que as Forças Armadas russas deram início a uma operação militar ofensiva que se estende ao longo da fronteira entre a Rússia e a Ucrânia na região norte de Kharkiv. Este ataque poderá ser a primeira fase da ofensiva prevista para o final de maio, princípios de junho, e estas ações iniciais como sendo parte do “reconhecimento em força” dessa mesma operação. Fixar forças ucranianas nesta região, fazer recuar as defesas ucranianas da zona de fronteira e obrigar o comando militar ucraniano a desviar forças da frente leste são certamente objetivos militares concorrentes. Esgotar as reservas ucranianas, enfraquecer o moral das tropas e criar o pânico nas populações serão certamente outras das intenções previstas.

A cidade de Vovchansk (a nordeste da cidade de Kharkiv) poderá ser a primeira a cair nas mãos dos russos. Mas igualmente Lyptsi e pequenas localidades fronteiriças como Pletenivka, Ohirtseve, Borysivka, Pylna, Strilecha e Buhruvatka. A nova dimensão da campanha aérea com o lançamento sistemático das designadas bombas planadoras (Glide bombs) tem estado bem presente na região, atingindo fortemente Vovchansk. Os ataques com a aviação russa a Kharkiv podem ser executados sem os meios aéreos saírem do “santuário do espaço aéreo russo”, ou seja lançados ainda em território russo, e na prática sem poderem ser batidos por meios de defesa aérea ucraniana. A cidade de Kharkiv fica a 40 km da fronteira russa, e as ditas bombas planadoras (com asas estabilizadoras, GPS e antena anti-empastelamento) têm um alcance de 40 a 60 km. No entanto, e para já, as forças militares russas estacionadas e posicionadas junto à fronteira pelo seu número, não parecem ter capacidade efetiva para conquistar Kharkiv.

Veremos qual o evoluir da situação que não se afigura fácil para a estratégia militar de Kiev. O Secretário de Estado norte-americano Antony Blinken ao encontrar-se esta semana em Kiev com Zelensky deu o sinal político da importância de Kharkiv para o futuro da guerra na Ucrânia. O cancelamento da visita do Presidente Zelensky a Espanha e a Portugal, anunciada para esta semana, é igualmente a demonstração da preocupação que o atual momento exige.

 Por  outro lado o novo Ministro da Defesa da Rússia Andrei Belousov terá aqui um teste e um desafio à ambição militar expansionista de Putin. Uma economia de guerra, a par das pesadas sanções ocidentais não são compatíveis com um desenvolvimento económico sustentável e os desafios que uma sociedade moderna exige. Mesmo num regime de cariz autocrático. Por isso também a pressa em atingir os objetivos decisivos. Cabe aos aliados da Ucrânia, em especial à Europa e aos EUA, reafirmarem e assumirem que o restabelecimento das fronteiras da Ucrânia são também um objetivo decisivo não só da Ucrânia, mas de toda a Europa.