Está decidido e, desta vez, é irrevogável: Alcochete!
Ao fim de 50 anos de discussões e indefinições, de avanços e de recuos, do levantamento de mais de uma dezena de localizações possíveis, eis que, afinal, Alcochete reúne um muito amplo consenso – do BE ao Chega, excluindo somente o quase insignificante PAN, e até com o compromisso do maior partido da Oposição e de alternância no poder de não voltar atrás caso seja chamado a formar Governo.
Ou não fosse esse partido (o PS) agora liderado por quem há dois anos se precipitou no anúncio e na assinatura de um despacho que apontava precisamente Alcochete como solução de futuro (no caso, acumulando com a solução provisória do Montijo). Obrigado a engolir a desautorização do primeiro-ministro então ausente em Madrid e a assumir publicamente um mea culpa que muitos também se precipitaram a considerar um suicídio político.
Como se viu, estavam estes últimos muito bem enganados, porque Pedro Nuno Santos aí está sucessor de António Costa como secretário-geral do PS e muito antes do que até ele próprio alguma vez terá pensado.
E, como se vê, estava ele, Pedro Nuno, certo, ainda que se tenha enganado tanto no momento como na forma e no processo de decisão.
Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz, durante a campanha eleitoral, prometeram apresentar uma solução para o futuro aeroporto internacional de Lisboa sem mais delongas.
Cumpriram.
A decisão foi ao encontro das recomendações da Comissão Técnica Independente (CTI) formada por acordo entre os dois principais partidos e o processo seguiu todos os trâmites exigíveis, da concertação com o líder da Oposição à informação e comprometimento do Presidente da República.
Além disso, e ao contrário do Montijo, desta feita as autarquias envolvidas (além da de Alcochete, a de Benavente) rejubilam com a decisão.
Ou seja, tudo como mandam as boas práticas para aqueles que serão dos maiores investimentos públicos das próximas décadas.
Porque a decisão sobre a localização do futuro aeroporto internacional de Lisboa foi apresentada como parte de uma estratégia global de desenvolvimento com plena integração da megainfraestrutura aeroportuária com as redes viária e ferroviária, aproveitando todo o trabalho herdado dos anteriores Governos.
E tanto Luís Montenegro como o ministro da tutela, Miguel Pinto Luz, puseram as cartas na mesa.
Ao contrário dos seus antecessores, não esconderam o que está em jogo. Nem em relação à terceira ponte sobre o Tejo, nem ao TGV (ou melhor, aos comboios de velocidade alta), sendo que a bitola espanhola é a que importa, uma vez que não há alternativa para a ligação ao resto da Europa.
Ao anunciar a alta velocidade de Lisboa a Madrid para além da ligação a Vigo (no prolongamento da linha para o Porto) o Governo põe na praça pública o que já estava no terreno ainda que nunca assumido e, vá lá perceber-se porquê, até desmentido.
Governar é isto mesmo. Decidir, executar e fazer executar. Sem querer agradar sempre a gregos e a troianos, mas sem esconder.
Num país que vive adiado e sempre a adiar, não há risco maior que continuar sem nada fazer.
E é bom que os portugueses comecem a ver onde é que, afinal, são aplicados os milhares de milhões dos fundos europeus, que se desperdiçam sem se saber onde ou em quê, quer em projetos concretizados mas sem visibilidade nem retorno que se veja, quer em fundos não executados por manifesta inação ou incompetência dos agentes nacionais.
E que, tudo somado, muito pouco impacto têm tido no crescimento económico e social.
Basta olhar para o PIB ou para indicadores como a produtividade ou o rendimento per capita dos portugueses e compará-los com os dos parceiros europeus – estamos mais pobres e cada vez mais somos dos mais pobres da Europa.
Com tantos milhões, era incompreensível que o investimento público em infraestruturas cruciais para o desenvolvimento e competitividade do país se mantivesse ao nível, se não abaixo, dos tempos da troika. Que foi o que aconteceu durante todo o tempo de governação de António Costa, marcada pelas cativações de Mário Centeno e do seu discípulo João Leão e pelos malabarismos de Fernando Medina – pelos vistos o único esperto, ou chico-esperto, num país de ignorantes em Finanças Públicas, de Joaquim Sarmento aos membros da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO).
Seja como for, o certo é que Montenegro e Pinto Luz mostraram que mesmo um Governo sem maioria parlamentar pode governar.
E, como se comprova, quando o faz bem, nem a Oposição quer deixar-se ficar para trás.
Só falta saber, agora, se este anúncio sobre o futuro aeroporto internacional de Lisboa, as obras de alargamento do atual, os estudos preparatórios para a terceira travessia do Tejo, as ligações ferroviárias de alta velocidade a Espanha serve de rampa de lançamento para este Governo descolar.
Até a homenagem a Luís de Camões – nome do futuro aeroporto – tem uma carga simbólica, mas reveladora de bom senso por promotora da cultura e da unidade nacionais. Mais: um simples gesto que perdurará para além de qualquer comemoração daquelas que deviam existir nos 500 anos do nosso Poeta maior.
Se em terra de cegos quem tem olho é rei, lá diz o mesmo povo que o pior cego é aquele que não quer ver.