Já falei em crónicas anteriores da minha ligação ao Clube de Futebol ‘Os Belenenses’, de que o meu avô materno, o médico Virgílio Paula, foi um dos fundadores. Aliás, a cor do equipamento (azul) e o emblema (a Cruz de Cristo) foram mesmo definidas numa reunião em sua casa, na Calçada do Galvão. E, segundo a minha avó Alda contava, as sugestões não partiram de nenhum homem mas dela: – Se foi de Belém que saíram as naus para a Índia, com a Cruz de Cristo nas velas, então a Cruz de Cristo deve ser o emblema. E a cor deve ser o azul do mar e do céu.
Simples e lógico. E assim ficou.
Fiz-me sócio do Belenenses aos 10 anos, por iniciativa própria, e cheguei a pertencer ao Conselho Consultivo do clube. Fui acionista quando se constituiu a SAD. Mas desde então o Belenenses foi de queda em queda, e agora está moribundo.
Um dos últimos treinadores que lá conseguiram algum sucesso foi Jorge Jesus. Lamentei a sua saída para Braga. E quando, um ano depois, se tornou treinador do Benfica, desejei muito que tivesse sucesso. Apoiei-o como pude. Almoçámos várias vezes. Vibrei com as suas vitórias. Na altura, a hegemonia do futebol português era do Futebol Clube do Porto – mas logo no primeiro ano o Benfica foi campeão nacional, jogando o triplo do que jogava antes.
Estive com Jesus nas vitórias e nas derrotas. Depois mudou-se para o Sporting, e continuei a torcer por ele. Mas aqui viveu-se um tempo terrível. O presidente leonino, Bruno de Carvalho, como que enlouqueceu. Entrou em completo desvario. Deu-se a invasão de Alcochete, com agressões a atletas. Jorge Jesus foi despedido. Os jogadores partiram em debandada. Duas estrelas que atuam hoje em grandes clubes mundiais – Rafael Leão, no Milan, e Raphinha, no Barcelona – saíram sem dar cavaco a ninguém. O Sporting bateu no fundo.
Tive pena pelo clube.
Ninguém dava nada por ele.
Frederico Varandas, que substituiu Bruno de Carvalho na presidência, não parecia capaz do trabalho homérico que se lhe exigia. A claque declarou-lhe guerra, e assobiava descaradamente a equipa. E em vez de ir buscar um treinador consagrado, que desse segurança, Varandas contratou um jovem treinador sem grandes provas dadas, pagando por ele 10 milhões de euros. Chamava-se Rúben Amorim.
Amorim tinha-se feito jogador no Belenenses, o que o tornava simpático aos meus olhos, mas a sua contratação pareceu-me uma temeridade.
Ele, porém, surpreendeu tudo e todos. Pegou numa equipa esfacelada, depois de um ano em que o clube tinha vivido o pior momento da sua história, e foi logo campeão nacional. Um título que o Sporting não conseguia há 19 anos!
Só que este triunfo soava a exceção. Era o ‘campeonato do covid’, em que os jogos se disputavam à porta fechada, sem público. Tudo era estranho. Pensava-se, pois, que, com o regresso à normalidade, tudo voltaria aos carris – e o Sporting ao seu lugar secundário.
Só que, três anos passados, o Sporting é de novo campeão nacional. E agora não há desculpas: foi tudo normal. Um clube que não ganhava o campeonato há quase duas décadas, é duas vezes campeão em quatro anos!
Isto acontece na exata altura em que Pinto da Costa sai do FC Porto pela porta baixa. O maior dirigente desportivo de todos os tempos, não só de Portugal mas do futebol mundial, deixa o clube com uma derrota esmagadora.
A propósito de Pinto da Costa, conto pela primeira vez uma pequena história.
Ele tornou-se presidente do FC Porto em abril de 1982, e eu entrei para a direção do Expresso em janeiro de 1983. Menos de nove meses depois, portanto. Passados dez anos, ele era o presidente de clube mais antigo do país e eu o diretor de jornal na mesma situação. E aí comecei a pensar: qual de nós sairá primeiro? Passaram 15 anos, passaram 20, e ambos continuávamos em ‘prova’. Aos 23 anos, desisti – não era possível batê-lo. E ele ainda ficaria mais quase duas décadas no seu posto!
Voltando ao Sporting, pode dizer-se que o terramoto provocado por Bruno de Carvalho fez bem ao clube. Foi um choque que o acordou de uma longa letargia. Frederico Varandas, um presidente em que poucos apostavam, um ‘menino de coro’ ao lado de Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira, é hoje o mais antigo dos presidentes dos três grandes. E de mãos dadas com Rúben Amorim surge como o principal candidato à liderança do futebol português.
Muita coisa está a mudar em Portugal. Quanto a mim – que, na qualidade de sócio do Belenenses, nunca conquistei nenhum título de campeão nacional -, como ‘adepto errante’ já ganhei cinco: três com o Benfica de Jesus, e dois com o Sporting de Amorim. Assim, com algum orgulho, até posso dizer que dei sorte aos clubes que apoiei…