Os deputados portugueses, e não só, deviam por os olhos no Parlamento inglês para não andarem a perder tempo – nem a fazerem-nos perder tempo – com discussões estéreis e ridículas. Ou não fosse Inglaterra a mais antiga democracia do mundo na era moderna, onde até o mais interventivo dos speakers (presidente da Câmara dos Comuns) não se permitiria martelar o que a esquerda do atual Parlamento português, e não só, considera tratar-se de discurso de ódio, racista, xenófobo, insultuoso e, por isso, inaceitável.
John Bercow, que presidiu à Câmara dos Comuns durante toda a década passada, ficou célebre pelas suas marteladas acompanhadas por sonoros pedidos de ‘Ordem!’ aos deputados britânicos, quando o debate entre as bancadas do Governo e da Oposição se tornava numa ensurdecedora troca de mimos, dichotes e até impropérios e ultrapassava todos os limites da normalidade.
À conta dessas palavras gritadas de ‘Ordem’ e das suas incontidas marteladas, além do cabelo cuidadosamente despenteado (que virou moda com Boris Johnson e até por cá ganhou seguidores, como Álvaro Beleza), tornou-se muito mais popular do que qualquer outro (basta compará-lo com o seu discreto sucessor, Lindsay Hoyle).
Uma questão de estilo, dir-se-ia.
Antes o fosse, mas não é.
O que se passou é apenas mais uma evidência da intolerância de uma certa e mais radical esquerda parlamentar – em que se inclui a ala maioritária no PS – que ganhou predominância no espaço público através das redes sociais e do agora designado comentariado televisivo: uma vez mais, a malfadada cultura woke herdada dos EUA ou, por cá, o politicamente correto (vá lá perceber-se por que raio é assim qualificado).
Que se expandiu muito para além do imaginável, pela cedência e submissão da maioria a essas minorias dominantes, tanto por cá como na aldeia global desta era da web.
O apelo ao ódio, o racismo, a xenofobia, o insulto são obviamente inaceitáveis.
Mas o que cabe, ou não, dentro desses conceitos é que é discutível.
Foram-se impondo e valendo as teses e teorias que marginalizaram e catalogaram como de direita radical quem, por mais moderado que seja, ousa pensar ou defender coisa diferente.Ora, ainda que tenha conseguido generalizar-se, dominando ou condicionando o pensamento ocidental, começa finalmente a haver sinais de enfraquecimento dessa estupidificante cultura e de uma certa normalização.
Mais uma vez, Inglaterra – onde, com Tony Blair, também nasceu a terceira via que se expandiu transversalmente antes de o mundo assistir a um regresso a uma polarização cada vez mais extremada – serve de exemplo.
Depois da cegueira que a coberto do tal discurso dominante apenas serviu para agravar ainda mais o ameaçadoramente explosivo problema das migrações, com uma ausência quase total de respostas, a Europa começa a abrir os olhos e a ver o que não queria, obrigando-se a responder.
Afinal, a Itália da senhora Melloni lá tinha as suas razões e a política de portas abertas não é solução.
E o Governo inglês de Rishi Sunak, com o acordo de repatriamento de imigrantes ilegais para o Ruanda, volta a dar o exemplo.
Não se trata de fechar as portas aos refugiados e à imigração, mas, sim, da sua regulação por forma a enquadrar a sua plena integração na sociedade recetora, assegurando igualmente as condições de vida minimamente aceitáveis e dignas ao migrante.
A Europa ou a UE, como um todo, tem de investir no desenvolvimento e na segurança dos países de origem de migrações, em vez de continuar a deixar esgotar a sua capacidade para acolher imigrantes.
Melhorar os mecanismos de apoio e manter os migrantes dentro da legalidade e da sustentabilidade é urgente e obrigatório.
Foi o que fez Sunak para travar o movimento imigratório ilegal no Reino Unido, recusando a irresponsabilidade de nada fazer e, desse modo, contribuir para atear o rastilho do barril de pólvora que ninguém quer ver explodir.A pagar pelas consequências negativas do Brexit, o primeiro-ministro inglês veio esta semana anunciar a convocação de eleições legislativas para 4 de julho, numa altura em que conseguiu finalmente fazer crescer a economia e conter a inflação.
E praticamente em simultâneo com a divulgação pela imprensa britânica de que a fortuna pessoal de Sunak e sua mulher ultrapassa a do próprio Rei Carlos III. Ou seja, não precisa da política para nada.
E o líder dos conservadores sabe que a desvantagem que as sondagens lhe dão em relação ao Labour (Partido Trabalhista) será muito difícil de reverter. Ainda assim, não entrega os pontos.
Na semana passada, Sunak – que sempre teve o discurso «um homem é um homem e uma mulher é uma mulher», mas não deixando de afirmar ser contra qualquer descriminação com base no género ou na orientação sexual – proibiu a ideologia de género nas escolas e a educação sexual para alunos até aos 9 anos de idade.
Em caso de vitória dos trabalhistas, veremos o que fará Keir Starmer e se reverterá as medidas de Sunak para a imigração, bem como a proibição da ideologia de género nas escolas ou da educação sexual para crianças menores de 9 anos.
Pode ser que não.
Até porque, como diz Sunak, estamos num «momento decisivo para uma geração», (…) «quando o mundo está mais perigoso do que alguma vez esteve desde o final da Guerra Fria». E não é só por causa da Guerra.