Em 1997 bateu à porta do Grande Oriente Lusitano (GOL) e, agora, sábado e domingo, espera conseguir os votos dos irmãos para ser eleito grão-mestre. Diz que é preciso abrir a loja a novos maçons, e que, acima de tudo, é necessário que a maçonaria consiga ter um papel importante na sociedade como o teve aquando da criação do Serviço Nacional de Saúde. «Precisamos de apostar em ideias para a sustentabilidade da Segurança Social, estudar o fenómeno da inteligência artificial, e, mais importante, produzir conhecimento que possa ser últi à sociedade». Para o candidato, é urgente apostar também num espaço maçónico lusófono – além de apostar no rejuvenescimento, sobretudo devido ao envelhecimento dos seus membros.
Está a disputar as eleições com o atual grão-mestre, Fernando Cabecinha. No que acha que a sua candidatura poderá diferenciar-se?
A figura do atual grão-mestre é, naturalmente, estimável e merece-nos todo o respeito. Muito embora, depois, existam visões em concreto daquilo que se entende que deva ser a visão para a casa, que, aí, naturalmente, divergimos. Quando entramos na Maçonaria, vemos três frases muito concretas. Uma que tem a ver com a missão, outra com a visão e a outra com os valores. A missão e os valores da Maçonaria sabemos quais são. Quando falamos na visão, que é perceber o que pretendemos que a casa seja daqui cinco, 10, 15 anos, isso não existe. Não foi construída e é algo que considero que é uma tarefa imprescindível para percebermos depois quais são os objetivos e fixarmos esses objetivos para lá chegar.
Já foi candidato. Espera agora um resultado diferente?
Não fui candidato a grão-mestre, sendo-o agora, e apercebendo-me que nas muitas viagens que tenho feito pelo país, de norte a sul, incluindo as ilhas, existe da parte dos membros uma aspiração genuína de que alguma mudança exista e, nesse sentido, estou confiante, naturalmente, de conseguir arrebatar o lugar.
Mas sente que a Maçonaria tem vindo a perder o seu peso?
Sim e já não vou lá para trás. Se recuarmos na história sabemos bem que a Maçonaria foi em Portugal a responsável pelos grandes avanços civilizacionais no nosso país. Estou a falar da abolição da pena de morte, da abolição da escravatura, da criação da escola pública, da separação entre as igrejas e o Estado e do Serviço Nacional de Saúde.
Há quem diga o contrário, como o ataque aos jesuítas…
É preciso perceber que a idiossincrasia da Maçonaria é de livres pensadores e sempre lidámos mal com imposições de alguma maneira doutrinárias de fé, dogmas que para nós naturalmente não existem.
São acusados de expulsarem o saber de Portugal e há quem diga que um dos atrasos de Portugal é precisamente esse…
Sim, talvez os jesuítas, na altura, fossem suficientemente diferentes daquilo que são hoje. Hoje, são uma força de criadores de cultura. Mas, na altura, não seria bem essa a perspetiva da ordem.
Diz que a Maçonaria perdeu peso. Como é possível recuperar essa influência para a sociedade portuguesa?
A ideia que temos é que, de alguma maneira, a Maçonaria, pelo menos, o Grande Oriente Lusitano, caiu nalguma insignificância devido a uma postura de pouca abertura à sociedade. Sabemos e, é da ciência e da biologia e também das organizações, que as organizações fechadas e os organismos fechados tendem para a morte e para a entropia. E aplicando esta análise sistémica a uma instituição de 222 anos entendemos que bem que essa abertura existe ou bem que encontramos formas de diálogo com a sociedade ou estaremos naturalmente condenados ao fracasso. E conseguir isso é vir para a sociedade procurar protocolos, procurar acordos, procurar de alguma forma entendimentos com instituições da sociedade civil que nos permitam projetar os valores da Maçonaria. Dou um exemplo muito concreto, ainda há poucas semanas estive na Curia na atribuição de um prémio a uma ilustre médica do Hospital de São João, que fez um estudo que foi premiado pelo Grande Oriente Lusitano. Prémio esse a que foi dado o nome de Prémio António Arnaut. Curiosamente, na atribuição desse prémio estariam 20, 30 pessoas, não mais, o prémio foi atribuído com uma projeção que praticamente não existiu do ponto de vista social. E quero acreditar que se esse prémio tivesse tido como parceiros instituições de referência, até da Saúde em Portugal, se conseguisse de alguma forma encontrar essas parcerias em jogos de soma positiva, certamente que esse prémio seria muito mais falado e até a própria laureada seria mais compensada.
Fala numa maior abertura. Isso terá de passar pela entrada de mulheres?
É um dos assuntos, entre outros. Mas creio que, inclusivamente, quer entre mim, quer em relação ao outro candidato não existem diferenças significativas. Entendemos que o Grande Oriente Lusitano tem um problema de diversidade. Não é só a questão das mulheres, é questões de outra natureza, nomeadamente o próprio universo das pessoas que constituem o Grande Oriente Lusitano, que não retrata nem pouco mais ou menos a sociedade onde estamos inseridos. Há poucos estrangeiros, há poucos negros e há pouca diversidade a esse nível. E as mulheres são outro problema que é considerado talvez o mais grave, porque as mulheres são mais de 50% da sociedade e é natural que esse seja um assunto que esteja muito premente na discussão. Até porque o Grande Oriente Lusitano tem um princípio que o diferencia das grandes Lojas Regulares, porque somos uma federação de lojas e ao sermos uma federação de lojas significa que os irmãos se organizam em lojas, de acordo com idiossincrasias muito próprias daquela loja e não percebemos por que é que essa autonomia das lojas não vai até à escolha que os irmãos queiram fazer de admitir mulheres, por exemplo, na sua loja.
Mas há quem ameace sair do GOL para entrar na Loja Regular face a essa possível imposição…
Não estamos a impor nada. A ideia não é propriamente uma imposição, porque, do ponto de vista prático, cada loja, de acordo com a sua cultura, poderá admitir ser uma loja mista ou uma loja exclusivamente de homens. Não há aqui qualquer tipo de imposição, porque, no fim de contas, do ponto de vista prático, dada a autonomia que impera nas lojas, cada uma decidirá a sua forma de se organizar na questão do género.
Mas já há lojas que têm mulheres, como a Grande Loja Simbólica Lusitânia.
Sim, como o Grande Oriente Ibérico, assim como também a Federação de Direito Humano, com as quais, aliás, o Grande Oriente Lusitano tem tratados de amizade há bastante tempo que permitem inclusivamente a visita mútua. É frequente termos nos nossos trabalhos mulheres a presenciar. Não somos propriamente uma audiência mista, mas admitimos as mulheres nos nossos trabalhos como um princípio.
Disse que é preciso novos passos de organização na abertura à sociedade e que não se podem resumir à questão da iniciação das mulheres. O que pode ser feito?
Pode ser feito uma interação muito maior com a sociedade, conforme dizia há pouco, porque, como referi, falar exclusivamente para uma bolha ou falarmos uns com os outros e não nos abrirmos, ou não nos darmos a conhecer, pura e simplesmente a sociedade não nos conhecendo especula muito sobre aquilo que somos. Na nossa perspetiva, essa abertura é essencial, até para que a própria sociedade perceba a importância da Maçonaria do ponto de vista dos contributos que tem dado no passado, como também daquilo que pode construir enquanto conhecimento, enquanto filosofia para que a sociedade evolua no caminho da prosperidade.
Há menos curiosidade em relação ao que é ser maçon ou o que representa a Maçonaria face ao que houve no passado?
A curiosidade existe, informação também, já que está disponível em tudo o que é redes sociais, mas é certo que, muitas vezes, a Maçonaria é falada pelas piores razões, pelos maus exemplos e conforme saberá existem pessoas de referência na Maçonaria, algumas que gostam de trabalhar a coberto porque a sociedade nem sempre valoriza o trabalho e as reflexões que fazemos em lojas de Maçonaria.
Como reage às críticas mais comuns de a Maçonaria ser uma loja de malfeitores que se reúnem para tratar de negócios? Fala-se em compras para um hospital, de a GNR ter um departamento marítimo quando não faz qualquer sentido, e pensa-se logo na Maçonaria…
A Maçonaria é uma instituição que agrega pessoas das mais diversas origens, culturas, profissões. É uma organização muito diversificada. E uma coisa é falarmos na Maçonaria Universal, que é o ponto onde se encontra no fim de contas todas aquelas que são as obediências que existem. A Maçonaria não é única. Em Portugal tem várias obediências. Tem a Maçonaria Regular, a Maçonaria Feminina, a Maçonaria Mista de Direito Humano, o Grande Oriente Ibérico e o Grande Oriente Lusitano e, por vezes, o que se passa é que quando se fala na Maçonaria metemos tudo no mesmo saco e vamos normalmente buscar os maus exemplos, quando existem bons exemplos, mas pela falta de contacto com a sociedade, esta acaba por não nos conhecer ou por não ter propriamente boas referências. Se me diz que existem negócios, naturalmente tenho de achar mal, não é para isso que a Maçonaria existe. A Maçonaria existe como forma de reflexão, como forma de aperfeiçoamento. Se existem maus exemplos há que levar isso a sério.
Não acha que o secretismo também cria essa perceção?
O que se passa na prática é que há muita gente que quando revela a sua condição de maçon é prejudicada. É natural que existam pessoas que queiram trabalhar a coberto.
Mas provavelmente também haverá casos em que são beneficiados…
Isso é mais um mito urbano, porque é natural que todas as organizações, e estou a falar desta em particular – conhecendo a qualidade dos irmãos -, quando se procuram pessoas para o exercício de algumas funções se procurem referências que estarão naqueles que são mais próximos, em que conhecemos o seu trabalho e percebemos bem a qualidade do trabalho que desenvolvem. Pessoalmente, nas funções que desempenhei, escolhi muita gente que não tinha nada a ver com a Maçonaria.
Desempenhou sempre cargos públicos, EPUL, Gebalis e Emel…
E não só. Também fui professor universitário. Tive várias posições na vida.
A Maçonaria não teve influência?
Rigorosamente nenhuma. Sou uma pessoa que veio de baixo, sempre subi na vida a pulso e quando cheguei à Maçonaria foi precisamente quando não precisava dela, em 1997.
Diz o seu Grão-Mestre que trabalhamos para combater as disparidades que a sociedade enfrenta, promovendo a justiça social, a igualdade de oportunidades, a sustentabilidade ambiental, a cultura e a educação. Calculo que no Governo estejam algumas personagens que queiram pôr em prática isto…
Provavelmente, sim, mas também não lhe garanto que sejam do Grande Oriente Lusitano.
Consta que são, pelo menos, sete…
Do Grande Oriente Lusitano provavelmente não.
Nenhum?
Não sei a que ministro se está a referir. E mesmo que me diga quais são também não posso confirmar, nem infirmar.
Mas não recusa que há ministros maçons?
Francamente, não sei. O que lhe digo é que as obediências são várias.
Em 2017, uma notícia que saiu no SOL dava conta que o atual primeiro-ministro estava de pedra e cal na loja Mozart…
Isso não tem nada a ver com o GOL. Isso são lojas da Regular e sou candidato a grão-mestre do Grande Oriente Lusitano.
Não o incomoda que um primeiro-ministro seja maçon?
Como não me incomoda que seja católico, como não me incomoda que seja protestante, como não me incomoda que tenha uma agremiação em qualquer associação.
Nessa notícia também dizia que Luís Carrilho, o novo diretor-nacional da PSP, era maçon…
Está a falar de maçons que não têm nada a ver com o Grande Oriente Lusitano e desconheço completamente o que está a dizer. Está a insistir com uma coisa que não posso dar resposta. Não estou aqui como candidato à Grande Loja.
Hoje em dia não há um grande cruzamento entre a Maçonaria e a Igreja? No passado sempre foram inimigos.
Inimigos não. Não interprete as coisas assim. Não deixo de ter bons amigos católicos e não deixo de ser amigo deles por isso.
Mas podem ser maçons?
Poderão, se quiserem, porque estamos ao nível da liberdade de consciência de cada um. E ponho a liberdade de consciência acima da liberdade religiosa. A liberdade de consciência de cada um é algo que a Constituição defende e que cada um de nós naturalmente decide em consciência.
Mas em relação ao secretismo acha que a Maçonaria algum dia vai deixar de ter este estigma?
A Maçonaria, na minha perspetiva, deixará de ter este estigma quando se abrir à sociedade.
E aí terão de dar a cara?
Aliás, é António Arnaut que pede aos maçons que se assumam, aqueles que se possam assumir.
Como viu a decisão, que depois voltou atrás, de a Assembleia querer obrigar os deputados a revelar se são maçons ou do Opus Dei?
Nunca tive problema nenhum em afirmar que sou maçon. Como digo, há pessoas que entendem que essa afirmação atenta contra a sua liberdade de consciência, porque ninguém pergunta a ninguém, no Parlamento, qual é a religião que professa.
Estamos a falar de associações secretas…
Se calhar há interesses que se geram muito mais prejudiciais para a sociedade portuguesa e que, se calhar, não se geram esses interesses ou não se negoceiam esses interesses dentro da Maçonaria ou da Igreja ou de qualquer outra instituição.
Disse recentemente que estava na Maçonaria com o coração e não por calculismo…
Entrei para a Maçonaria em 1997 e bati à porta, não fui convidado.
Não tinha amigos maçons?
Desconhecia. Encontrei depois. Bati à porta porque li, na altura, um livro muito interessante de Oliveira Marques, em que descrevia uma frase que achei bonita e os meus filhos na altura eram pequeninos. Hoje já têm 33 e 34 anos, estão emigrados como muita da juventude que temos por aí, e foi essa frase que me deu o impulso para escrever para o Grande Oriente Lusitano e para perguntar como é que podia entrar. A frase dizia: ‘Aos teus filhos, mais do que astutos, ensina-os a serem honestos’. Foi uma frase que me tocou, bati à porta, entrevistaram-me e acabei por ser aceite, em 1997.
Hoje a entrada é mais fácil ou mais difícil?
Na altura, fui entrevistado por três pessoas que é a regra. Entenderam que tinha capacidades para entrar e entrei. Eram entrevistas duras, em que se procurava perceber o interesse da pessoa, se tinha capacidade de entender a filosofia da ordem e aquilo que pretendia exatamente. Hoje em dia há também quem bata à porta e há quem seja convidado para entrar.
Mas tem ideia que há pessoas que usam isso como uma rampa de lançamento para outros objetivos?
A ideia que tenho, e falo por mim, é que as pessoas chegam à Maçonaria pelas mais diversas razões. Umas, provavelmente, entenderam que é uma forma de chegar aos objetivos que pretendem do ponto de vista profissional, do ponto de vista político, seja do que for. E outras entram genuinamente porque acham que vão para se aperfeiçoar, de alguma forma, do ponto de vista pessoal. Não nego que as razões são muito diferentes. Há pessoas que aparecem porque têm amigos, porque são colegas de trabalho, as razões são as mais diversas.
Há pouco admitiu que a Maçonaria está a ter menos peso. Em termos legislativos, há alguma área que precisava de ser alterada para refletir os ideais maçónicos?
Os ideais maçónicos são os ideais da liberdade, igualdade e da fraternidade. À fraternidade também se chama solidariedade. É tudo o que tenha a ver com o aprofundamento da liberdade, da igualdade, muito embora quando falamos em igualdade de género do que falamos? Reconheço que todos falamos em igualdade, mas todos exigimos o direito à diferença. Quando falamos de igualdade, falamos de igualdade económica, social, de género, de oportunidades. De que igualdade é que falamos? A igualdade social hoje em dia, de alguma maneira, é aquilo que está mais presente, porque no ponto de vista do contexto prático sabemos que vivemos numa sociedade extremada, em que a própria economia de mercado, entregue a si mesma, leva a algum darwinismo social que leva a grandes disparidades e que de alguma forma, na nossa perspetiva, competiria às instituições estatais, seja através da fiscalidade, seja através de outros serviços que são postos à disposição dos portugueses, de alguma forma, tentar introduzir algum equilíbrio naquilo que o próprio mercado desequilibra.
Por acha que a Maçonaria faz melhores pessoas?
Isso era uma coisa que saberia se algum dia fosse maçon.
Vamos imaginar que pertencia à vossa loja e ficava desempregado. O que é que me acontecia? Ajudavam-me financeiramente?
A minha loja tem um fundo de solidariedade que resulta da recolha de uma verba que os irmãos põem de lado exatamente para acolher essas infelicidades que, às vezes, acontecem aos nossos irmãos. O fundo de solidariedade ajudá-lo-ia até que encontrasse uma solução do ponto de vista profissional.
E até me ajudaria a encontrar outro emprego?
Naturalmente, se isso se proporcionasse, com certeza que sim. Mas não é essa propriamente a filosofia.