Apesar de todos o negarem, não há como fugir: as leituras nacionais sobre os resultados das eleições europeias de domingo vão ser inevitáveis e podem ditar alterações no comportamento dos vários atores políticos. Tudo depende de quem ganha no final da contagem dos votos, mesmo que a diferença seja escassa, como aconteceu em março.
Outra leitura inevitável far-se-à do resultado do Chega. É certo que, conseguindo eleger, o partido já tem motivos para cantar vitória, em 2019 não conseguiu. Mas o resultado estratosférico alcançado nas últimas legislativas colocaram a fasquia do partido noutro patamar e Ventura não se cançou de apontar para um resultado semelhante ao longo de toda a campanha. O mínimo que o Chega pensa conquistar é a eleição de quatro deputados, se ficar aquém será difícil fazer um discurso vitorioso, numa altura em que o partido tem apostado tudo em enfraquecer o Governo no Parlamento.
IRS foi uma jogada arriscada
Depois de inúmeras manobras dilatórias no Parlamento, a votação da descida de IRS acabou por se fazer a poucos dias da ida às urnas. Durante as semanas que decorreram entre a descida da proposta do Governo à comissão da especialidade, socialistas e Chega foram encenando negociações durante as quais nunca mostraram abertura para ceder na redução de impostos para os escalões mais altos (acima do sexto escalão). De fora da redução de impostos ficaram o 7º e o 8º escalões, que abrangem salários brutos entre os 3200€ e os 6500€, exatamente os escalões que o Governo de Luís Montenegro queria benificiar, dando um alívio à classe média que tem ficado de fora das reduções de impostos.
A verdade é que a votação que o PS e o Chega esperaram que lhes viesse a trazer ganhos eleitorais não reuniu unanimidade no interior dos respetivos partidos. Fontes dos dois partidos ouvidas pelo Nascer do SOL já depois da votação mostraram-se preocupadas com o efeito que mais esta coligação negativa pode ter junto de um eleitorado que «está farto de eleições» e que começa a olhar para PS e Chega como forças de bloqueio. No caso do Chega, as nossas fontes acrescentam que «é duvidoso que o nosso eleitorado, que detesta o PS, compreenda que estejamos permanentemente a votar com a esquerda».
Em resumo, no interior dos dois partidos que têm feito guerra aberta ao Governo no Parlamento, há muita gente a achar que a votação desta semana «pode ter dado a vitória ao Bugalho», como nos disse um responsável do PS. «As pessoas não são estúpidas, isto é populismo puro e duro», diz-nos a mesma fonte.
Uma derrota do PS deixa Pedro Nuno em apuros
Para o bem e para o mal, o secretário-geral do PS arriscou todas as fichas numa vitória nestas eleições, ainda que seja por curta margem. Pedro Nuno Santos escolheu a cabeça de lista mais popular, fez uma limpeza total na lista de candidatos às europeias e esteve diariamente ao lado de Marta Temido na campanha. O único dia em que não apareceu, foi na última segunda-feira, o dia seguinte a ter lançado suspeitas sobra a escolha de consultores externos ao Governo para a elaboração do Plano de Emergência para a Saúde. A acusação correu-lhe mal porque logo nas horas seguintes se soube que o Governo do PS_de que Pedro Nuno e Temido fizeram parte contratou inúmeras vezes a mesma consultora (ver pág. 12).
O excesso de exposição de Pedro Nuno Santos nesta campanha acabou por ofuscar a cabeça de lista em muitas ocasiões, e há quem ache que isso foi prejudicial e acabou por neutralizar o efeito Marta Temido.
Dentro do partido espera-se para ver os resultados no domingo à noite, mas, se o PS não conseguir ganhar, a unanimidade em torno do secretário-geral vai começar a diluir-se. Ninguém acredita que Pedro Nuno Santos possa cair na sequência de um mau resultado, mas o que se ouve nos bastidores é que as críticas vão subir de tom.
Até aqui o partido tem deixado Pedro Nuno Santos de mãos livres para tomar todas as decisões e a estratégia política, mas, se os socialistas somarem mais uma derrota, vão começar a cobrar responsabilidades ao líder e as críticas vão começar a fazer-se ouvir.
A primeira grande consequência de um mau resultado, de acordo com as fontes ouvidas pelo Nascer do SOL,vai fazer sentir-se no Parlamento, pelo menos é o que espera uma ala mais moderada do partido que tem defendido discretamente que os socialistas devem deixar passar o primeiro orçamento da Aliança Democrática em novembro.
É na discussão sobre como devem os socialistas votar o orçamento que o líder socialista pode enfrentar os primeiros obstáculos internos. Os mais próximos de Pedro Nuno Santos, entre os quais se destaca a líder parlamentar, Alexandra Leitão, defendem que o PS não deve viabilizar um documento «que define a estratégia política do Governo» porque isso significa que os socialistas deixam de ser alternativa.
Do outro lado, há vozes que defendem a posição contrária, recorrendo a exemplos do passado para justificar que o PS deve dar a Montenegro a hipótese de ver aprovado o seu primeiro orçamento.
O próprio Presidente Marcelo trouxe esse argumento para a agenda esta semana, sabendo que um mau resultado nas europeias torna a viabilização praticamente obrigatória para o líder socialista.