Existem pouco mais de 4,2 milhões de famílias em Portugal e destas, apenas 27% têm filhos. Das famílias com filhos, 62% só têm um filho. Somos os campeões da União Europeia com maior proporção de filhos únicos. Diz ainda a Pordata que, na UE, as famílias com 3 ou mais crianças representam 13% do total das famílias com filhos, o que é o dobro da proporção do nosso país, onde há apenas 72 mil famílias numerosas.
Um país de filhos únicos é um país onde não existem tios, nem primos, nem jantares barulhentos. Em que a roupa é toda em primeira mão, o apoio da rede familiar é quase inexistente, onde não há brigas de irmãos, onde não se aprende uns com os outros e onde as crianças crescem como adultos porque é com eles que vivem. Em Maio foi o Dia dos Irmãos e, logo a seguir, o Dia da Criança. Diz que foi de propósito que se estabeleceu o Dia dos Irmãos na véspera, porque o melhor presente que se pode dar a uma criança é um irmão. Brincar a todos os jogos das crianças implica ter mais crianças com quem brincar. Ninguém gosta de jogar à macaca sozinho, ou ao lenço, ou futebol, ou ao berlinde. Até saltar à corda exige três ou mais elementos. Tirando as consolas e os jogos digitais, não se encontram brincadeiras de crianças que sirvam para uma só criança. Nos parques infantis há mais pais do que crianças, os jogos de tabuleiro estão em crise porque todos eles precisam de 2 ou mais jogadores e os pais têm legitimamente mais que fazer do que passar duas horas a jogar monopólio. O mundo dos filhos únicos está aí mas o próprio mundo, a educação, os pais e as tradições não estão formatados para filhos únicos. Estão todos meio coxos sem saber como se adaptarem a esta nova realidade.
O fenómeno dos filhos únicos tem várias implicações e todas elas desagradáveis. Quer para os pais quer para os filhos. Um filho único, por definição, é mimado – não tem como não ser. Tem atenção a mais, dificuldade em partilhar, não tem com quem dividir a pressão que vem dos pais, nem com quem se consolar dos pesadelos que o acordam de noite. Os pais, por serem pais, tentam invariavelmente compensar a ausência dos irmãos e dormem com os filhos, brincam, fazem-lhes a maioria dos vontades como se todos os dias tivessem de compensar o irmão que eles não têm. O que além de tudo o resto, é um desagaste.
Um dos meus filhos é filho único. Chegou desfasado do resto dos irmãos e tem crescido como filho único: é mimado. Tem dificuldade em partilhar, tem medo de ir para a cama sozinho, não sabe brincar aos jogos de tabuleiro, a roupa é quase toda em primeira mão, faz birras e amua quando não lhe fazem as vontades e é ele quem comanda o comando da televisão. Raramente se espera pelos anos do menino para lhe dar umas chuteiras novas ou o novo equipamento do Benfica. O que ele quer, quase sempre tem. Brincar com outras crianças é um programa que tem de ser combinado. É quase um luxo. Vê notícias, já foi jantar fora mais vezes do que os irmãos todos juntos, deita-se a horas indecentes e não tem qualquer tarefa em casa. Brinquei mais com este meu filho do que com qualquer um dos irmãos. Com os outros, bastava abrir a porta de casa e mandá-los para a rua, soltá-los num parque, na praia, na serra ou apenas deixá-los sem fazer nada para eles fazerem coisas juntos. Não precisei de os deitar porque tinham a companhia uns dos outros para tudo. Até para se educarem.
Ter mais do que um filho é, sem dúvida, uma sorte para cada um deles mas é, antes de tudo, a maior ajuda que os pais podem ter para educarem cada filho único.