O resultado das eleições para o Parlamento Europeu do passado domingo provocou um terramoto político em França, com o Presidente Emmanuel Macron a tomar a decisão de dissolver o Parlamento e convocar eleições legislativas antecipadas perante a vitória esmagadora do partido de Marine Le Pen. Os gauleses embarcam agora num intenso jogo de xadrez cujo resultado será conhecido em menos de um mês no curto prazo e, a longo prazo, em 2027.
A esquerda já se uniu para tentar travar a ascensão da «extrema-direita» e a direita continua a tentar forjar uma agremiação superior que lhe conceda uma maioria parlamentar forte e estável. A política francesa é, agora e a par da distribuição dos altos cargos da UE, o foco da atualidade europeia.
A decisão de Macron
O Presidente francês decidiu correr o risco de convocar eleições legislativas antecipadas na sequência das Europeias, onde o União Nacional de Marine Le Pen obteve mais de metade dos votos que a coligação da qual o seu partido faz parte – uma diferença de 17 eurodeputados.
O chefe de Estado francês confirmou que está na luta pela sobrevivência, já de olhos postos nas eleições Presidenciais de 2027: «Não quero entregar as chaves do poder à extrema direita em 2027». Tal declaração pode significar que Macron vê como mal necessário a instabilidade que se adivinha para que os eleitores possam voltar a acreditar que o projeto do seu partido moderado é a melhor solução para o futuro do país.
Macron, um liberal centrista, desferiu ataques aos dois hemisférios políticos, acusando o centro-direita de «virar as costas ao legado do General De Gaulle» e a esquerda moderada de se aliar a forças que tinha já definido como «antissemitas». Chegou até a apelidar as duas alianças como «profanas», referindo que estão «nos dois extremos que não concordam em quase nada, exceto na distribuição de cargos». «Nós não somos perfeitos…mas temos resultados», concluiu Macron.
Uma jogada audaz num momento em que as sondagens favorecem claramente o partido de Le Pen. Resta saber se produz os resultados pretendidos, o que dependerá do trabalho que a direita se dispuser a realizar caso consiga chegar a um consenso entre os vários partidos que a compõem, estando também vulneráveis a bloqueios que podem minar a sua atividade parlamentar – algo que Macron sabe certamente.
Desentendimentos à direita
Segundo as mais recentes sondagens do Politico, o União Nacional lidera de forma clara, naturalmente, mas uma maioria absoluta não se adivinha. Por isso, as negociações entre as direitas têm sido constantes. Os partidos que poderão ser parte integrante da nova aliança são os republicanos, de centro-direita, e o Reconquista, de índole ainda mais conservadora do que o União Nacional.
Mas ambos os partidos que poderão ser parceiros minoritários da coligação entraram em convulsão interna devido ao desacordo quanto à relação com o partido de Le Pen, produzindo até, no caso dos republicanos, episódios caricatos.
O líder do partido de centro-direita, Éric Ciotti, propôs de imediato uma aliança com o partido vencedor das eleições europeias, algo que não foi bem recebido por vários ‘pesos pesados’ republicanos, que acreditam ser uma traição aos valores do partido. E, na quarta-feira, quando se dirigiram à sede para uma reunião com Ciotti, encontraram as portas trancadas, com o presidente a alegar ter recebido «ameaças», justificando que o encerramento do edifício foi ordenado para «garantir a segurança do staff».
Mesmo com a insólita situação, Ciotti continuará à frente do partido – informação confirmada pela conta oficial na rede social X – e continua a ser perentório quanto à intenção de reagrupar a direita: «Estou preocupado com a aliança de extrema esquerda que conduz um projeto desastroso para França: antissemitismo, ódio aos nossos polícias, a introdução de bandeiras estrangeiras na Assembleia Nacional. Devemos opor-nos!». «As direitas devem unir-se para resolver os problemas da imigração, insegurança, poder de compra e contas públicas», acrescentou, em entrevista ao canal de televisão francês CNEWS.
Guerra civil no Reconquista
Por sua vez, no partido liderado por Éric Zemmour a situação atingiu as proporções de quase guerra civil, com vários pesos-pesados – como é o caso de Marion Márechal, sobrinha de Marine Le Pen – a afastarem-se do próprio líder.
Ao contrário do sucedido com os republicanos, no Reconquista todos estão de acordo com a nova coligação, existindo apenas um entrave: Zemmour é considerado um ativo eleitoral tóxico e Jordan Bardella, cabeça de lista do União Nacional às europeias e provável candidato a primeiro-ministro, garantiu que «para construir uma aliança e uma maioria, é necessário confiança (…) creio que as posições de Zemmour durante a campanha para as eleições europeias, as facadas que deu repetidamente ao União Nacional e as posições bastante excessivas que consegue ter deixaram as condições para um entendimento obsoletas».
Segundo informações obtidas pela Euractiv, a condição do União Nacional para aceitar o Reconquista como parceiro de coligação será a não candidatura do seu líder. Com isto, Zemmour passou a imagem de que seria incapaz de se sacrificar por uma causa maior, levando Marion Márechal a negociar com Bardella e com a tia.
O processo de cisão no Reconquista culminou com o anúncio da exclusão de Márechal, feito pelo líder do partido e pela própria na quarta-feira através do X. Ainda assim, Éric Zemmour garantiu, em declarações ao canal CNEWS, que poderá estar disposto a abdicar de cargos, reconhecendo que uma união das direitas ainda é possível.
A política francesa será, nos próximos tempos, um jogo de alta intensidade, onde Macron torce pelo fracasso da direita, que sabe que se encontra perante uma oportunidade única que não pode desperdiçar. Resta saber como.