Apesar do caminho feito rumo à igualdade de género, pais e mães continuam a ser de dois géneros diferentes indiferentes à ideologia de género. Não há como dar a volta ao texto. É verdade que os pais têm cada vez mais tarefas, obrigações e talentos que há uns tempos eram exclusivos das mães, que há cada vez mais pais que são pai e mãe ao mesmo tempo e a guarda partilhada é o regime naturalmente consagrado. Mas os filhos ainda não interiorizaram esta nova realidade. Eles ainda não estão geneticamente modificados de forma a chamarem pelos pais em vez das mães quando têm pesadelos nem as mães emocionalmente disponíveis para continuar a dormir e tolerarem ser trocadas pelos pais. Continuam a ser a generalidade das mães que fazem parte dos grupos de pais da turma, são elas que estão em grande maioria nas reuniões da escola, definem regras e rotinas e não largam as crias por mais que o trabalho as sufoque. Salvo honrosas exceções de pais que felizmente existem cada vez mais.
Por outro lado, os pais ainda não estão totalmente preparados emocionalmente para lidar com as crises de adolescência, com os dilemas do «quem sou eu e para onde vou», responder com naturalidade à temática ‘de onde vêm os bebés?’ e para dizer não quando as meninas piscam os olhos e os meninos fazem cara de choro. São mais as mães do que os pais que não deixam, não dão, não fazem e, no fim, gritam mas acabam por deixar, dar e fazer. Os pais baralham-se com esta hecatombe de sinais contraditórios e paralisam perante qualquer decisão menos racional. Os pais educam com Excel, as mães fazem gatafunhos numa tela em branco convictas que estão a fazer a criar uma obra de arte.
A geração dos nossos pais não passou pela repartição de tarefas e vivia bem sem a culpa do tempo que não passaram com os filhos. O mundo mudou e agora os pais sentem a mesma culpa das mães, aquela culpa que acompanha o evoluir e a intensidade da vida profissional inversamente proporcional à conciliação com a vida paternal. A sociedade não permite, e ainda bem, que seja apenas tarefa das mães levar os filhos às costas, ao médico, à escola. Os pais foram chamados e reclamam hoje os seus direitos e novos deveres. Mas ainda são verdes nisto e nem as mães confiam totalmente no instinto paternal nem a racionalidade dos pais os deixa confiar 100% no instinto maternal.
Vive-se hoje uma nova culpa: a culpa dos pais. Foram séculos em que a ausência não era tema e os filhos eram das mães, até chegarmos ao tempo em que os filhos são de todos, da aldeia que ajuda a educar uma criança. Só que essa aldeia não concebe novas realidades, os novos equilíbrios, e também não admite as realidades antigas. Por um lado, condena as mães que não aconchegam os lençóis dos filhos à noite ou vão trabalhar quando a criança está doente. Por outro, olha de lado para o pai que não entala os cobertores porque chega tarde a casa e não está a par do calendário de vacinação. Chegamos à estranha época em que pais e mães vivem atolados na culpa da falta de tempo para os filhos sendo, paradoxalmente, a época em que o tempo para os filhos nunca foi tão repartido. Chegaremos rapidamente à conclusão de que não há modelos perfeitos, pais perfeitos ou filhos perfeitos. Apenas famílias.