Está novamente na corrida às eleições para a Ordem dos Contabilistas Certificados. Quais são os principais desafios?
Temos imensos desafios e a própria recandidatura também indica isso, já que com a entrada dos novos estatutos este último mandato acabou por cair. Os grandes desafios é pôr tudo a funcionar.
A Ordem nem sempre concordou com as propostas, a versão final foi ao encontro das vossas exigências?
Uma das coisas que estava prevista e que nos preocupou bastante era o facto de irmos perder algumas das nossas competências exclusivas, o que não veio a acontecer. Conseguimos afirmar que o contabilista é um profissional de interesse público e este estatuto reflete o que gostaríamos de ter para a profissão. E foi um estatuto em que saiu mais reforçado o papel da regulação, que é o que faz sentido. As ordens têm de regular, têm de acompanhar os profissionais para saber se estão a cumprir todas as suas obrigações no exercício dessa função de interesse público. Por outro lado, existe uma maior simplificação nos acessos para permitir que os contabilistas entrem na profissão.
Quantas pessoas estão inscritas?
68 mil, mas esperemos que com estas novas regras de acesso venham mais. Não é que o acesso tenha ficado mais fácil ou menos exigente, ficou diferente. A base de entrada é ter um curso de Ciências Económicas, porque a exigência é imensa ao nível da interpretação da legislação e da aplicação dos normativos, quer contabilísticos, quer fiscais. E para quem já tem uma licenciatura nestes cursos pode fazer um curso de formação com avaliação e as pessoas que não puderam no passado entrar porque não tinham as cadeiras específicas que eram pedidas hoje poderem aceder à Ordem dos Contabilistas Certificados.
Tem ideia de quantos poderá atrair?
Temos a expectativa de que vamos ter muitíssimos candidatos em setembro, quando iniciarmos estes cursos, com o exame em outubro. Para quem tem um estágio curricular estamos à espera de ter, pelo menos, dois mil candidatos e no da formação estamos à espera de ter cerca de 500 candidatos. Mas até chegar a esta fase final foi um processo difícil, em que esteve muito tempo parado e de repente quando se mexia tinha de se avançar rapidamente e não dava tempo para se discutir. Foi um processo em que tivemos muitas negociações, estivemos sentados em muitas mesas para explicar qual é o papel dos contabilistas, explicar que a Ordem dos Contabilistas não é uma Ordem cooperativa e que não é uma profissão que queira melhorias ou que queira algumas benesses por uma questão corporativista, mas sim para a melhoria daquilo que é a prática da profissão no interesse público do país.
Falou-se de uma figura independente para regular. Sempre avançou?
Sim. Esta foi uma das bandeiras do Governo de querer que o órgão de supervisão e o órgão disciplinar, que no nosso caso é jurisdicional, ficasse com membros externos. Estamos agora em eleições já com esses membros externos.
Quando anunciou a recandidatura disse que ocupava o cargo há seis anos e que atravessou ‘múltiplos obstáculos’, como a revolução digital, a pandemia e uma crise inflacionária…
Sem dúvida que foram seis anos com imensos desafios. Apanhar uma pandemia em que os contabilistas certificados tiveram um papel fundamental na economia e nas empresas foi um desafio enorme e os contabilistas estiveram à altura deste desafio. Nessa altura, tínhamos muita coisa para fazer e até melhorar, nomeadamente as condições dos contabilistas certificados e, de repente, parou tudo, inclusivamente deixando um bocadinho para trás as principais obrigações dos contabilistas.
Chegou a dizer que, se não fossem os contabilistas, muitos apoios teriam ficado pelo caminho…
Sem dúvida, houve uma grande interação entre o Governo, a Ordem e os contabilistas certificados para ajudar as empresas e foram determinantes no desbloqueio de todos os apoios. A profissão agora é que tem condições para ser aquilo que verdadeiramente já devia ser há muito tempo, para os contabilistas passarem a ser mais consultores e poderem afastar-se um bocadinho daqueles trabalhos de registo que são trabalhos muito repetitivos e que hoje as tecnologias os conseguem substituir em muitas situações dessas. Isto é, conseguimos melhorar os tempos de trabalho e dedicá-los àquilo que é verdadeiramente essencial, que é o contabilista estar disponível para acompanhar as empresas e para trazer um impacto maior de sustentabilidade e de ajuda nas escolhas e nas decisões das empresas.
E liberta-se da burocracia?
Não, porque este país é extremamente burocrático, o que foi libertado foram as tarefas de registo contabilístico, o registo das operações. Se a isto lhe chamar burocracia então também diminui, mas chamamos burocracia às obrigações que existem por parte do Estado e à imensa informação que as empresas precisam de partilhar. É verdade que a inteligência artificial, a desmaterialização e os próprios registos informáticos vão ajudar a que toda essa informação seja mais facilitada. No entanto, a parte burocrática não diminuiu, antes pelo contrário, aumenta cada vez mais. E quanto mais introduzimos ferramentas digitais e conseguimos melhorar tempos de trabalho aparecem outras obrigações para cumprir. Claramente esse é um dos pontos negativos num país tão pequeno, em que as empresas são pequenas e têm muitos desafios pela frente. Não faz sentido não tirar uma série de obrigações que existem sobre as empresas que são desnecessárias e, muitas vezes, redundantes. Tem de se fazer um trabalho sério sobre essa matéria para que as empresas se consigam focar nos seus objetivos e os contabilistas também.
Estamos a terminar o prazo de entrega do IRS. Que balanço faz?
Temos estado a assistir a muitos atrasos nas validações porque houve anexos que ficaram mais complicados com a entrada de novas normas. É o caso, por exemplo, do pacote Mais Habitação ou dos benefícios fiscais para os senhorios por causa da redução da lei travão nas rendas e isso veio trazer problemas na validação das declarações. Ainda hoje estão muitas declarações para validar que já foram entregues há muito tempo.
Por outro lado, estamos a assistir a reembolsos mais pequenos…
O que se verificou este ano é que há uma diferença de 200 a 300 euros em termos de reembolso. E, apesar de ser um adiamento que se faz ao Estado, uma vez que esse dinheiro já era dos contribuintes, muitas vezes contam com esse pé de meia, acabando por trazer algumas surpresas para alguns contribuintes.
A OCDE diz que somos dos países com maior elevada carga fiscal…
Houve uma conjuntura que levou a que chegássemos a valores muito elevados para o país que somos. Não quer dizer que não existam outros que têm mais, o problema é que o tipo de rendimentos que Portugal tem e os rendimentos que os portugueses têm não são compatíveis com a carga fiscal que existe, principalmente para rendimentos que andam a partir do terceiro, quarto escalão. Tem havido um esforço por parte dos últimos Governos em diminuir gradualmente esse aumento considerável que existiu, mas tem de ser gradual. Com o novo Governo, continuamos a assistir a essa política, o que é positivo. A política tem de ir nesse sentido e, seja qual for o partido que estiver no Governo, tem de continuar a diminuir lentamente as taxas de IRS, não se pode diminuir drasticamente porque não há orçamento e é necessário receita para cobrir as despesas. Daí não se conseguir diminuir a despesa tão rapidamente para se fazer o choque fiscal de que se fala. Aliás, há uma noção de choque fiscal diferente na cabeça dos contribuintes e na de quem está no Governo. O contribuinte quando pensa em choque fiscal pensa em ter muito mais dinheiro disponível: 100, 200, 300, 500 euros, mas quando o Governo faz as contas e faz o tal choque fiscal está a pensar em todos os contribuintes e qualquer esforço que se faça é muito grande, no entanto, terá pouco impacto no bolso. E foi o que aconteceu em torno desta discussão em relação à descida das taxas. Agora o que é importante é que não se perca este objetivo de continuar a diminuir lentamente, gradualmente para se atingirem tributações menores, principalmente para os contribuintes que trabalham por conta de outrem. O vulgo trabalhador dependente é o mais penalizado com estas taxas progressivas, acabando por pagar muitos impostos. Por isso, também é importante que se pense nessa redução para o sexto e sétimo escalão, porque apesar de se dizer que já são rendimentos muito elevados também pertencem à classe média e acabam por ser muito prejudicados. Hoje é difícil para os jovens ou menos jovens que tenham rendimentos já chamados acima da média ficarem com rendimento disponível face a esta taxa agravada de imposto.
Se comparamos esses rendimentos com outros países europeus, a nossa classe média está muito inferior…
Sim, porque os nossos salários são muito baixos e a carga de imposto é muito grande. Se os nossos salários fossem mais altos, mesmo que tivéssemos esta carga de imposto não se sentiria tanto, tal como acontece em outros países. Os nossos salários são muito baixos para a carga de imposto que temos e é esta evolução que tem de se dar para que os salários aumentem, as taxas diminuam para conseguirmos ter um nível de vida semelhante aos outros países da União Europeia.
Como vê as medidas anunciadas pelo Governo em termos fiscais, nomeadamente o IRS Jovem?
É muito importante, por vários motivos. Claramente, temos uma tendência para os jovens procurarem outros países, não é só pela atratividade de outros países, até porque hoje em dia o mundo é global e é normalíssimo os jovens quererem ir para fora, mas também é importante que os jovens pensem em regressar e pensem em ficar em Portugal. Temos talentos muito bons que são muito valorizados lá fora e é preciso mantê-los cá, por isso, estas medidas para os jovens são extremamente importantes. Gostaria de realçar mais as medidas relacionadas com a habitação, porque é uma das razões para os jovens, muitas vezes, não ficarem porque não conseguem ter a sua independência em Portugal. Os salários são mais baixos e o custo da habitação está muito elevado. Não há habitação em Portugal e as medidas relacionadas com a habitação são as mais relevantes, até mais do que o IRS.
O IRS por si só não é motivo para ficar…
Qualquer jovem gosta de ter a sua independência e o custo elevado da habitação em Portugal torna-se um obstáculo para essa fixação. Estas medidas, como a isenção do IMT, são muito importantes. O IRS jovem também é importante para que sintam que o seu dinheiro não vai todo para impostos, mas não chega.
Tem de ir mais além?
Como já disse, a habitação é um fator fundamental, mas faltam casas. É preciso construir mais, é preciso haver habitação para jovens, a preços acessíveis.
E para as empresas? Ainda não se viram grandes medidas...
Ainda não. O programa de Governo o que anuncia é uma descida até 15% do IRC até 2028, vamos ver. Acho que é positivo porque não é um imposto que tenha um grande impacto ao nível orçamental, mas pode ter impacto ao nível das empresas para poderem investir mais e para aumentarem salários.
O Governo chegou a falar na criação de um 15.º mês sem ser sujeito a impostos, tal como tinha sido apresentado pela CIP…
É uma ideia muito positiva. Os contabilistas certificados conhecem bem o processamento salarial e o rendimento líquido dos trabalhadores, o que é que lhes chega e o que lhes sobra. Ter um salário livre de impostos, apesar de poder ter outras consequências negativas, como não contribuir para a sua Segurança Social, para a reforma é muito positivo para que aquele trabalhador possa fazer face a determinadas despesas. E é incentivador para as empresas poderem partilhar os seus resultados com os trabalhadores. Atualmente a tributação é tanta que mesmo que as empresas façam um esforço e os trabalhadores sejam recompensados pelo seu esforço em terem mais um salário, esse esforço é quase todo absorvido em impostos.
Mas é uma medida facultativa…
Hoje em dia, as empresas estão com uma dificuldade muito grande em reter trabalhadores. Os problemas laborais que existiam há uns tempos não são os mesmos que existem hoje. Hoje as empresas têm de reter trabalhadores para garantir que os seus níveis de serviço e de produção se mantenham e essa medida pode ser um incentivo para ajudar, quer o lado das empresas, quer o lado dos trabalhadores.
Devido à dificuldade na contratação de mão-de-obra, muitos setores recorrem à imigração. Como vê estas discussões já que muitos fazem descontos…
Tudo com equilíbrio tem de existir. Sempre fomos um país que teve emigrantes e imigrantes, sempre fomos um país que necessitou de mão-de-obra do exterior e continuamos a precisar para inúmeras tarefas, não só para as menos qualificadas, mas também para as qualificadas. É sempre necessário trazer pessoas de outros países para rejuvenescer a população, por isso, a imigração é necessária, mas tem é de se ter cuidado com o seu equilíbrio, com o seu controlo e com as condições de vida da população. Tem de se garantir que quem vem, venha com as mínimas condições e é claro que não havendo condições tudo se torna mais complicado.
E como vê medidas, como o recuo da taxa no alojamento local?
Era uma taxa elevadíssima. Temos clientes com atividades no alojamento local e há muitos que não tinham rendimentos para pagar essa taxa. A forma de cálculo foi excessiva face aquilo que é o rendimento originado pelo AL. Foi tudo tratado de uma forma igual, quando nem todas as situações eram iguais. O que se prevê é que seja revogada e para este setor económico é importante que assim seja.
Entretanto, o Governo anunciou uma série de projetos que implicam um aumento da despesa, como o novo aeroporto, o TGV, a nova ponte. Parece que afinal somos um país rico?
É necessário tomar medidas. E as obras públicas também são o motor, muitas vezes, de desenvolvimento, daí ser importante que se comece a recuperar algumas das situações que ficaram paradas, mas tem de haver cuidado, contenção e equilíbrio. Apesar de tudo, o país tem mostrado sinais de que a economia está a crescer levemente e com todos esses sinais – há maiores contribuições, mais impostos, maior rendimento, maior receita – se calhar há essa possibilidade. Agora, Portugal nunca terá possibilidade de pagar um aeroporto sozinho, terá de recorrer a fundos e tendo esses fundos deve-os aproveitar, nomeadamente o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] e o Portugal 2030. São grandes motores de desenvolvimento e, pelo menos, as empresas que também consigam aproveitar. E, se não forem as empresas, pelo menos, que os investimentos públicos o façam para também promoverem a sociedade portuguesa.
Faz sentido o alerta que foi dado pelo Banco Portugal em relação ao aumento do défice e ao risco de assistirmos a uma derrapagem das contas públicas?
É importantíssimo manter-se a política das contas certas. Mas também acho que é preciso ter cuidado porque o Executivo está a governar numa situação em que não tem maioria absoluta e tem havido coligações negativas que têm aprovado determinadas normas que mexem em termos orçamentais. Isso é um equilíbrio difícil para quem está a querer gerir com objetivos e, de repente, vê que parte daquilo que tinha direcionado para algo tem de ser direcionado para outro tipo de diminuição de rendimento ou para aumento de despesa que foi entretanto criada. Acima de tudo tem de haver um equilíbrio, um compromisso de todos, pondo em primeiro lugar Portugal e os cidadãos.
Esse equilíbrio é possível? Vimos recentemente o PS a apresentar outras medidas, por exemplo, em termos de IRS que foram aprovadas…
Não é forma de governar. São politiquices e isso não é positivo para ninguém, nem para o país, nem para o contribuinte, que nem consegue perceber o que está, muitas vezes, em discussão. Estamos a falar de dois, três ou quatro euros de redução, o que não é significativo para se criarem grandes braços de ferro. Tem de haver um maior equilíbrio e maior contenção nas discussões políticas sobre determinadas matérias.
Disse que é preciso recorrer a fundos para pagar as grandes obras. Mas no início do ano lamentou os atrasos do PRR…
Continuo a dizer que não se sentem na economia. Vamos ver, mas o facto de ter havido um período eleitoral, uma mudança de Governo, tudo isto atrasa. Espero que se consiga recuperar o tempo que já passou.
Também defendeu o regresso do programa em relação aos residentes não habituais…
É uma medida muito positiva e apesar de haver outro regime paralelo não é tão fácil, nem é tão largamente aplicável como era este. Portugal é um bom país para se viver e podemos captar nómadas digitais, profissões que vêm para aqui em teletrabalho e é muito importante que se continue a incentivar. Sei que é difícil explicar aos contribuintes portugueses como é que vamos dar benesses a quem vem de fora e não damos aos que estão dentro, só que os que estão fora não vêm para cá se não tiverem este regime. O que tem de se explicar é que esse dinheiro entra na economia.
Mas já apontou o dedo em relação à fiscalidade verde?
O objetivo da fiscalidade verde é mudar comportamentos mas, muita vezes, depois isso fica pelo caminho. O que se faz é utilizar para arrecadar imposto e o que condenamos na fiscalidade verde é que, às vezes, é exagerada a tributação sobre uma máxima que é desincentivar determinadas coisas.
Continuamos a ser um país conhecido pelas taxas e taxinhas…
Continuamos. Seria muito bom levar a cabo uma simplificação administrativa, fiscal, burocrática, de obrigações para as empresas. Foram crescendo muitas obrigações, em vez de diminuírem. É altura de se fazer outra vez um ponto de situação, de analisar o que está em excesso e não estou a falar só de impostos, são também obrigações que existem. Há muitas coisas que têm custos para as empresas, utilizam recursos e não são impostos.
Há uma resistência em alterar?
Às vezes, é um processo complexo, outras vezes, é um processo em que não se dedica o tempo devido. Isto é, não se sentam os vários intervenientes e não conseguem chegar a acordo ou a um entendimento até sobre a troca de dados, porque apesar do Estado ser um só para se transitarem dados ou para se consultarem dados ou para se cruzarem dados é muito difícil entre instituições diferentes e, às vezes, entre as mesmas instituições.