Foi numa madrugada tímida que nasceu o sonho inacabado de Jacques Delors, ao qual fomos aderindo paulatinamente com o passar do tempo, alimentados pela sua visão tendente a uma estimulante competição, a uma cooperação reforçada e à solidariedade unificadora entre os Estados, ao ponto de se poder intitular como europeu quem hoje nasce nestas terras.
Devemos a este cidadão honorário da Europa a sua fé entusiasmante no federalismo, responsável por impulsionar o velho continente para a maior aceleração integradora da sua história, preenchendo as lacunas do mundo, sem jamais desistir de unir países em prol de um objetivo inédito e comum.
Ao longo dos últimos anos, pelas exigências compreensíveis de quem pretende evoluir e continuar a sonhar, apercebemo-nos de que ainda falta cumprir o desígnio do crescimento em conjunto e da concretização em pleno de um modelo de desenvolvimento assente no respeito pelos direitos humanos e nos valores da responsabilidade ambiental, da liberdade, da justiça e da defesa da diversidade.
Distraídos pela vontade de assegurar o que falta, não estivemos atentos aos presságios e ninguém reparou na chegada dos extremismos e das maiores ameaças à democracia. Tão irracionais como um grito por acontecer, as suas linguagens de abismo começaram a afetar seriamente os principais pilares da ecologia, da justiça social, da inclusão, do direito humanitário e da paz.
Contribuindo para este cenário temível, estas eleições europeias surgiram num dos momentos mais delicados da nossa história, face a um mundo sob ameaça, repleto de violência e em estado de guerra, ou seja, propício aos discursos fáceis dos demagogos. E assusta muito aquilo em que nos tornámos.
O Parlamento Europeu é a base dos democratas, representa perto de 450 milhões de cidadãos em 27 Estados-membros da União Europeia, sendo eleito diretamente por quem ainda acredita num ideal. Por isso, sob pena do maior descrédito institucional da sua existência, não podem existir pactos com quem pretende destruir em vez de trabalhar para consolidar os fundamentos orientadores europeus.
Apesar do fraco resultado da extrema-direita em Portugal, noutros quadrantes europeus não foi assim, chegando ao ponto de provocar eleições antecipadas. É necessário compreender os eleitores e esta é a altura de rejeitar, de vez, os negócios cinzentos de bastidores ou a primazia das agendas pessoais, alheias ao verdadeiro entendimento comunitário e à conceção original deste espaço.
Não teria feito mal nenhum se o antigo primeiro-ministro português tivesse mostrado um ar da sua graça na campanha eleitoral, porque o atual Governo não lhe iria retirar o apoio na previsível ida para o Conselho Europeu. A grande maioria dos votantes deseja rever-se nos eleitos do seu país, esperando que estes não se envergonhem da sua história, da sua cultura e da sua identidade. É perigoso matar uma ideia e, mais do que nunca, torna-se necessário honrar a verticalidade dos fundadores do destino europeu.