Estas eleições para o Parlamento Europeu e que terão um peso decisivo na configuração ou reconfiguração da pesada máquina de Bruxelas tutelada pela Comissão, representaram um verdadeiro terramoto político com o seu epicentro em França.
Os partidos de direita venceram em vários países e subiram em todos os demais. Mas o mais expressivo resultado foi o do RN em França, liderado por Jordan Bardella, sob a orientação de Marine le Pen. Este obteve uma vitória esmagadora, mais que duplicando os números do segundo partido mais votado, o Renaissance do Presidente Emmanuel Macron. Este não teve outra hipótese que não a de dissolver o Parlamento, marcando eleições para 30 de junho e 7 de julho, respetivamente primeira e segunda voltas. Estas eleições poderão vir a estar na base de uma radical reconfiguração política de França e, como é usual, estender-se, a partir de França, para todo o espaço político dos países europeus, por um lado, mas também para o espaço político da UE. Porquê?
O sistema eleitoral francês, não é proporcional, mas, sim, maioritário a duas voltas: à primeira volta concorrem todos os partidos mas numa segunda volta, apenas concorrem os dois partidos mais votados. É um sistema que, pela sua própria estrutura, requer a necessidade de acordos e que tem permitido, ao longo das últimas dezenas de anos, a constituição, na segunda volta, de frentes contra o RN: os restantes partidos colocavam as hoje famosas ‘linhas vermelhas’ entre si e o RN, impedindo este de eleger deputados. Sistema que abriu várias brechas nas últimas legislativas, permitindo ao RN eleger 89 deputados.
Contudo e há poucas horas, dado novo e muitíssimo significativo, Éric Ciotti, presidente do LR, o partido gaulista de centro-direita filiado no PPE, declarou que iria fazer um acordo eleitoral com le Pen, invertendo a política de dezenas de anos dos gaulistas de linhas vermelhas à ‘extrema-direita’. Ciotti é um realista. Uma sondagem de ontem previa, para as legislativas, cerca de 250 lugares para o RN e apenas 50 para o LR de Ciotti. Por sua vez, e frente a esta sondagem, os partidos de esquerda e extrema-esquerda começaram a tentar desenhar uma coligação entre eles. Ciotti percebeu que poderia ficar cilindrado entre a esquerda e o RN. E tomou a decisão certa que em outras latitudes outros não souberam tomar: assumir a existência de dois blocos e juntar-se a um deles. Optando pelo de direita.
Em política França é, ainda, pioneira. A concretizar-se esta aliança RN-LR ela servirá para generalizar os acordos, até agora tímidos, aqui e ali, entre direita e centro-direita. E aqui reside o epicentro do terramoto de que inicialmente falámos: Isto poderá levar muitos partidos de centro-direita a fazerem frente comum com os partidos de direita contra as frentes comuns de esquerda clarificando, em muito, a situação política de vários países.
Mas, mais importante, isto poderá levar ao fim da coligação que há dezenas de anos cimenta os diktats da Comissão Europeia, com socialistas, liberais e esquerdas várias de um lado, e ECR, ID e vários não inscritos de direita do outro. E o PPE? Esse acabará por se cindir, com os partidos mais social-democratas de um lado e os de pendor mais democrata-cristão do outro. A ser assim, finalmente teremos águas claras em Bruxelas que substituam o pântano das últimas décadas.