Ouvi-o há uns tempos a defender uma aposta séria da rede ferrovia e de falta de decisão. Ou seja?
Somos um país em que de vez em quando se anunciam coisas importantes e depois nada se faz! Não se faz o que devia ser feito. É como o problema da habitação que está miseravelmente tratado, fazem-se anúncios e mais nada. Mas nada disto se resolve com conversa, resolve-se com ações concretas e eficazes. Na mesma linha temos o problema da imigração que é grave. Precisamos de mão-de-obra, mas temos de criar condições para receber os imigrantes, proporcionar-lhes habitação sob pena de voltarmos a ter barracas nas nossas cidades. Temos de constituir um serviço público com capacidade para gerir estas matérias. Não podemos submeter as pessoas que nos procuram a vexames e a situações que nos envergonhem. Se não temos essas condições temos de parar com a entrada descontrolada de gente, mais seletivos e procurar gente que se integre melhor na cultura portuguesa como é o caso dos brasileiros e outros cidadãos da lusofonia.
Na questão da rede ferroviária o problema é o mesmo?
Há um homem, que se chamava Duarte Pacheco, foi um brilhante engenheiro, ministro das Obras Públicas e presidente da Câmara de Lisboa. Ele foi um visionário e em seis anos de trabalho fez tanta coisa neste país que ainda hoje se veem as suas marcas por todo o lado. Como o Parque de Monsanto, o aeroporto de Lisboa, a Marginal de Cascais-Lisboa, a autoestrada até Caxias, a Exposição do Mundo Português. Fez tudo em seis anos e com pouco dinheiro. É um exemplo a seguir sobretudo no tema da habitação social e para a classe média.
E quanto aos comboios?
Os comboios são um tema antigo. O homem que também pretendeu acabar com a agricultura e com a pesca e que achava que íamos ser todos funcionários da União Europeia, Cavaco Silva, foi quem deu início ao abandono da ferrovia e que ao longo de sucessivos governos tem vindo a cair sistematicamente e ninguém a segura.
A rede ferroviária elétrica é fundamental, sobretudo para incentivar o desenvolvimento do interior do país de que tanto se fala e pouco se faz. Mas para isso era preciso um plano e gente com condições para o implementar. Os comboios, para além de servirem as populações, são também um importante fator de promoção turística. As cidades de Lisboa e Porto têm hoje um bom expressivo número de visitantes que são concentrados sempre nos mesmos locais. É fundamental criar novos atrativos turísticos nas cidades e na região em que as mesmas se inserem para ter uma melhor distribuição dos turistas. Temos espaço para crescer o turismo, mas temos de investir em novas atrações – uma feira popular moderna e com uma vertente cultural e promocional de Portugal; o Museu da Língua Portuguesa; o Parque Temático dos Descobrimentos e tantos outros. Os comboios podem desempenhar aqui um papel crucial na divulgação do nosso interior – criar comboios históricos, culturais, musicais e gastronómicos para levar os turistas nacionais e estrangeiros a passear.
É assim que se tiram os turistas dos Centros.
Há muita gente que apenas fala, mas na Vila Galé falamos e fazemos. Nós temos 44 hotéis e dentro de um ano teremos 50, resultado de uma obra expressiva em Portugal e no Brasil. Há uns tempos fiz um comboio que se destinava a oferecer um passeio turístico para mostrar a nossa atividade no Alentejo. Foi um sucesso. E neste momento estes comboios teriam a finalidade de mostrar o interior, uma vez que é uma prioridade nacional desenvolver o interior que tem enorme potencial turístico e o litoral agradece, pois reduz a pressão turística.
A verdade é que muitos desses comboios históricos têm sido extintos.
Sim, porque ninguém procurou encontrar uma forma de rentabilidade. Qualquer negócio tem que se adaptar à realidade do momento. Se eu fizer um hotel e deixá-lo parado no tempo, ele morre porque não se adequa à realidade. Temos de perceber o que as pessoas querem e procurar fazer aquilo que precisam. É o que temos feito no grupo e com êxito. Mas é uma luta.
Quando fiz o comboio no Alentejo, o trabalho que tive de arranjar maneira para a CP me ceder onerosamente um comboio e nos autorizar a reativar a linha, foi enorme. Era um comboio que ia de Lisboa a Beja e que parou na nossa herdade que é a meio caminho do Algarve, na Figueirinha. O que é que fiz? Além de levar jornalistas, levei amostras de produções de tudo. Desde o presunto de porco preto, aos tapetes de Arraiolos ou o homem que inventou um gin alentejano, que é o António Cuco, grupinhos de cantares alentejanos, enfim, foi um comboio do mais divertido que há.
Que exemplo estava a querer dar?
Queria mostrar que se nós temos muitas pessoas concentradas em Lisboa e Porto devemos “empurrar” esta gente para ir ver o interior e o nosso interior é lindo de morrer. É disso que o país precisa: descentrar do litoral.
Será que Lisboa já criou alguma coisa atrativa fora deste centro que já existe há não sei quantos anos? Tirando a visita do Papa que se aproveitou para surfar a onda. Temos de levar as pessoas para mais longe. Criar novas centralidades.
É um crítico de se investir no TGV. Porquê?
_O TGV_Lisboa-Porto não faz sento. Temos de distinguir o TGV Lisboa-Porto do Lisboa-Madrid. Se este último é decisivo para ligar Portugal à Europa e tem perspetivas de viabilidade económica e retorno do investimento, já a linha Lisboa-Porto-Vigo, ainda que importante, não é prioritário, pois não tem viabilidade económica assegurada nem retorno garantido e o custo benefício é, por isso, duvidoso e obrigará a um enorme endividamento.
Neste momento, o fundamental era cumprir um plano antigo, que era fazer um comboio Lisboa-Porto em duas horas e meia. Seria extraordinário, muito melhor do que ir de carro e mais vantajoso. O TGV é muito caro. As contas que se fazem são assim: gastamos 10 mil milhões, mas temos 700 milhões da União Europeia. Não chega: são 7% do custo total da obra. Será que não temos outras urgências neste país? Não devíamos ter uma rede de caminhos-de-ferro?
Qual devia, então, ser o desígnio?
Retomar as linhas que já existiam, melhorá-las e eletrificá-las, mas a tendência é fazer o contrário: desativar cada vez mais linhas. Há aquele episódio sobre a linha do Douro, em que um personagem político disse que não subsidiava nem apoiava comboios para ricos. Uma estupidez. Hoje precisamos de menos turistas, mas com mais poder de compra e que gastem mais. É um objetivo difícil, mas a verdade é que somos um país pequeno, não podemos ter como objetivo ser inundados por turistas. O que devemos agora fazer é tirá-los dos sítios de sempre, distribuí-los pelo país. E o grande objetivo é captar mais turistas, mas com melhores condições financeiras.
Quando fiz esse comboio histórico ou gastronómico para o Alentejo, fui visitar as instalações da CP em Santa Apolónia e a verdade é que os nossos comboios até partem o coração, tão descuidados, tão estragados, é muita tristeza! Esta é uma daquelas atividades que foi destruída também por força dos sindicatos que o fizeram. Nem sequer foi pelo interesse dos trabalhadores, mas por interesse político e deram cabo dos comboios. A CP é uma empresa que perdeu o brio, a vaidade, o orgulho. E podia ter! Os comboios portugueses chegaram a ter algum prestígio e hoje estão como estão. Antes de se gastar milhões num TGV Lisboa-Porto-Vigo, devia olhar-se para isto. Não digo que não seja necessário, mas gerir uma empresa ou governar um país é estabelecer prioridades. Melhorar aquilo que existe e fazer o que estava definido e estabelecido como objetivo, que era fazer duas horas e meia de Lisboa para o Porto, serve-nos perfeitamente.
Acha que parte do nosso atraso se deve a essa falta de decisão ou decisões erradas?
O que acontece é que hoje estragamos imenso dinheiro. A administração pública devia ter como prioridade organizar-se melhor e empenhar-se na contenção da despesa pública e na implementação da meritocracia e a reduzir pessoal sobrante. É este o nosso problema: definição de prioridades, organização e reformas é preciso. Mas era preciso alguém com coragem para fazer isto.
Recentemente António Costa conseguiu reunir um conjunto de condições extraordinárias: dinheiro, uma maioria absoluta, um PRR, o resto do Portugal 20/20, o Portugal 20/30. Nunca houve uma conjugação de condições tão extraordinárias para alguém com a qualidade dele implementar as reformas. Quer se goste ou não é, talvez, uma das pessoas mais preparadas para o cargo que exerceu. Só que não quis exercê-lo por razões que nunca consegui entender.