O finguelinhas Errol Flynnfoi ao ringue fazer de Gentleman Jim

Era um fulano educado e mereceu um filme de Raoul Walsh baseado da sua autobiografia.

Quando Raoul Walsh resolveu realizar um filme sobre a vida de James John Corbett, não conseguiu encontrar um ator melhor para encarnar a sua personagem do que Errol Flynn ‘himself’. Flynn não era propriamente um calmeirão como Corbett, mas na verdade o que se queria retratar de Jim era a sua faceta de ‘gentleman’ e de engatatão. Tudo nos conformes, portanto. E assim, em 25 de novembro de 1942, estreava-se Gentleman Jim, com argumento baseado na própria biografia de James John Corbett, The Roar of the Crowd, que saíra para as bancas em 1925. A trama da película traça-se já aqui numa penada. São Francisco, 1887, tempo em que o boxe era ilegal e disputado em ginásios manhosos nos quais as apostas bondavam. Errol Flynn (ou James Corbett), empregado bancário, assiste a um combate na companhia de um amigo, Walter Lowrie (representado por Jack Carson). Alguém larga palavra para a rua, a polícia aprece em força e leva toda a gente par a esquadra. Vale o juiz Geary, que faz parte do conselho diretivo do banco de Corbett, safa-o de chatices mas tem uma ideia fixa, a de tornar o boxe respeitável, recrutando para isso gente de extração social um pouca acima da dos vagabundos que combatiam todas as noites sem condições decentes. Para isso manda vir da Inglaterra um treinador, Harry Watson (Rhys Williams) para descobrir gente que se adeque às suas expectativas. Watson descobre que Corbett foi educado numa religiosa família irlandesa e que possuiu excelentes qualidades para boxear. Toma-o como seu protegido.

Cria-se um problema grave. Corbett é arrogante e não tem pachorra para aturar gente armada ao fino. Embirra especialmente com miss Victoria Ware (Alexis Smith), têm discussões acesas, mas como convém a qualquer filme tomam-se de amores um pelo outro. Entretanto, James torna-se profissional e combate por valores consideráveis. Com a ajuda de outro mestre, Billy Delaney (William Frawley), entra num estilo mais sofisticado que se baseia na velocidade de pés e choca com o boxe bruto e direto do campeão do mundo John L. Sullivan (Ward Bond). Precisa de esperar no entanto. Até que. finalmente, se encontra num ringue com o seu émulo. Billy prova que estava certo. A vitória da rapidez contra a força bruta é clara. Sullivan, conhecido por ‘The Man Who Beat the Man’ é espancado e Corbett torna-se o novo campeão do mundo. Para que o final seja apoteótico, é John que lhe entrega o cinto que fora seu até aí.

«The end?». Não para já. Errol Flynn pode ter sido um Corbett finguelinhas, mas enfim, não por acaso chamavam ao segundo ‘Gentleman Jim’. Primeiro porque foi o único a bater o invencível John L. Sullivan, mas também porque não nasceu para ser ‘gentleman’, algo que o filme não aborda. Nascido a 1 de setembro de 1886, em São Francisco, era filho de emigrantes irlandeses vindos de Ballycusheen, Ballinrobe, County Mayo. Valeu-lhe o passado aristocrático da mãe, uma senhora escocesa que lhe abriu as portas do Sacred Heart High School. Já adolescente interessou-se pelo teatro. Tinha boa pinta, as miúdas envolviam-no como um enxame de abelhas, tentou bater à porta de vários teatros mas cedo foi posto pela porta fora. O boxe atirá-lo-ia para as manchetes dos jornais que se referiam a ele como ‘Father of Modern Boxing’ por via do seu estilo gingão que o ia pondo a cobro dos murros diretos dos adversários. Provavelmente queria conservar intacta a sua fronha que tanto agradava ao mulherio.

Muitos especialistas dizem que o filme é completamente fantasioso, sobretudo quando apresenta Jim como um importante negociante capaz e influenciar a decisão de um juiz. Já percebemos que as raízes do Gentleman não são tidas em conta por Raoul Walsh, talvez para dar à personagem um toque social que só veio a ter depois de ter entrado em combates sucessivos e surpreendido tudo e todos com as suas novas estratégias. Aceitemos, no entanto, que a alcunha de ‘Gentleman Jim’ não caiu do céu aos trambolhões e que Corbett foi, decididamente, um ai-Jesus de tudo o que era moça casadoira e bem mais do que isso, pois até as mulheres casadas estavam prontas a cair-lhe no colo. Walsh limitou-se a ser um realizador e trazer para a tela o ‘glamour’ do cinema da época, envolvendo-o no celofane de uma história de amor e de sucesso. Ninguém pode levá-lo a mal. Fez o que lhe competia e ajudou muito a espalhar o mito de ‘Gentleman Jim’.

Em 1897, Corbett perdeu o seu título mundial para outra das maiores figuras de sempre do boxe: o britânico Bob Fitzsimmons, apelidado de Ruby Robert. Não deu um filme, mas deu um documentário – The Corbett–Fitzsimmons Fight. O mais longo que se conhece até hoje sobre um combate de boxe. Na verdade continuam a combater no ringue da eternidade…