Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, as televisões e as rádios têm procurado, como é compreensível, dar a conhecer a opinião de comentadores especializados. A guerra da Ucrânia, o ataque terrorista do Hamas, a crise dos reféns, a subsequente ação militar em Gaza e as tensões internacionais aumentaram o interesse público em questões bélicas que, anteriormente, não convocavam grandes audiências. Há comentadores com larga experiência em geopolítica, como Azeredo Lopes, que nos dão uma ampla visão dos conflitos e dos seus impactos, ou comentadores que conhecem a realidade social e política do leste europeu, como José Milhazes. E temos depois ainda os especialistas em temas estritamente militares.
Muitos desses, que antes desconhecíamos e que agora invadem, a todo o momento, as nossas casas, são oriundos das nossas Forças Armadas. Para eles, quase tudo se resume a avaliar ‘a situação no terreno’, recorrendo a ‘fontes’ ora oficiais, ora oficiosas e escolhidas à medida, que os inspiram a fazer autênticos exercícios de adivinhação. Usam frequentemente de argumentos arrebatadores imobilizam um jargão que, por desconhecimento, nem os pivots de serviço, nem os espetadores conseguem escrutinar. Sinto-me esmagado quando ouço falar de assuntos que ignoro, atordoado com a torrente de informações, impressionado com o seu conhecimento técnico sobre armas que não conheço. Também me causa confusão e espanto que algumas destas personalidades que serviram Portugal e desempenharam funções na NATO tenham acesso a informações privilegiadas que, pelo menos na aparência, os comprometem com os russos. E como não sou neutral, prefiro acreditar nos outros, nos que adivinham que a Ucrânia vai resistir.
Porém, ainda que os temas sejam sérios, não posso deixar de sorrir quando a narrativa que nos é servida contraria a própria História, que por vezes resolvem invocar. Há dias, um desses oficiais garantia que a França ganhou algumas batalhas, mas que nunca venceu uma guerra. Ora, isto é falso. Pelo contrário: a França não venceu grandes batalhas desde Austerlitz, mas fez parte dos vencedores das duas guerras mundiais. Na primeira, foi uma das nações aliadas que assinou o Tratado de Versailles e saiu também vitoriosa na Segunda Guerra – aliás, tendo assim obtido o estatuto de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
No mesmo dia, o comentador afirmou que Hitler e Estaline se reuniram para acertar a repartição dos despojos da invasão da Polónia, no início da Segunda Guerra Mundial. Falso, porque se é verdade que houve um pacto de não-agressão firmado entre Ribbentrop e Molotov, ministros dos Negócios Estrangeiros da Alemanha Nazi e da União Soviética, já os dois ditadores nunca se encontraram, nem há notícia de terem algum dia conversado.
Na véspera, o comentador fora um pouco mais longe. Garantiu que, aquando da invasão da Normandia, em 1944, os alemães foram surpreendidos com o local da operação, por causa de um elaborado esquema que iludira os alemães (o que é verdade), mas afirmou que, nesse contexto, a espia Mata Hari teria dormido com um general alemão – e que o teria enganado. Ora, a pobre senhora morrera vinte e sete anos antes, em 1917, fuzilada pelos franceses, acusada de espionagem e, imagine-se, por estar ao serviço da Alemanha…
Em suma, permito-me sugerir aos ilustrados oficiais generais comentadores que procurem ser rigorosos e falem do que sabem, para que os seus comentários, que respeitamos, não se transformem antes em episódios da série Alô, Alô. É que podem saber da arte da guerra, mas falta-lhes o humor do impagável René.