É um cocktail explosivo e ninguém sabe em que mãos vai rebentar. Vejamos os ingredientes: cerca de 40 mil agentes da PSP e militares da GNR que sonhavam com um aumento de 1026 euros; um Governo que não encontrou os cofres como se dizia que estavam e que não pára de receber avisos do Banco de Portugal e de Bruxelas de que não se pode endividar com mais compromissos fixos; a necessidade de criar uma Unidade de Estrangeiros e Fronteiras pela PSP que terá que encontrar elementos não se sabe bem onde; e, para complicar ou ajudar as contas, uma Plataforma que reúne os sindicatos da PSP e as associações socioprofissionais da GNR que mais parece um queijo suíço, como dizia há semanas um oficial de segurança ao Nascer do SOL.
Vamos então aos dados concretos. O Governo, através da ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, apresentou à Plataforma um aumento de 200 euros imediatos, mais 50 em 2025 e outros 50 no ano seguinte. Isto para todos, independentemente das funções que desempenham na PSP e GNR. Além do valor monetário, Margarida Blasco acena com outras regalias, como a diminuição dos descontos no IRS para os agentes mais novos, soluções para habitação de agentes deslocados, bem como a possibilidade de os futuros polícias poderem concorrer para a área de residência – por norma, qualquer novo agente tem fortes possibilidades de ser colocado em Lisboa, independentemente de viver em Bragança, por exemplo –, progressões na carreira mais rápidas, entre outros incentivos. Para adoçar mais o bolo de compensações, a ministra tem a intenção de prometer que, caso a Plataforma aceite assinar a proposta, os futuros aumentos serão discutidos ano a ano. Caso receba um não definitivo, então o Governo diz que não há aumento para ninguém, até por causa dos avisos do_Banco de Portugal e de Bruxelas – é que caso a proposta seja aceite, o Governo sabe que vai ter os militares, entre outros, a exigir o mesmo.
E aqui entram as divisões na Plataforma. O Sindicato Nacional dos Oficiais de Polícia (SNOP), assim como a ASPP – o maior sindicato, que representa oito mil polícias –, exige que o aumento acordado contemple sempre 400 euros, propondo 200+100+100 ou 300+50+50. Com a indefinição nas negociações, os sindicatos fizeram referendos, uns mais formais outros menos, e no caso do SNOP a maioria votou a favor de não se aceitar uma proposta que não contemple pelo menos os 400 euros. «Quero acreditar que o_Governo quer fechar este assunto quanto antes, para dar alguma estabilidade e serenidade aos polícias e militares, e para que possamos abrir outras que são igualmente essenciais, do ponto de vista de reestruturação, de reconfiguração da estrutura, tornando-a mais funcional e económica, mais adaptadas aos novos tempos e às novas exigências. Portanto, enquanto não se fechar este assunto, é uma pedra no sapato», dizia_Bruno Pereira, líder do SNOP e um dos representantes da Plataforma, ao_Nascer do SOL.
A ASPP diz não ter feito nenhum referendo formal, mas concluiu, depois da reunião da direção, o que pretende. «Vamos apresentarmo-nos na reunião com a senhora ministra com os 400 euros de proposta. Na nossa opinião, tem de ser por via dos aumentos salariais, ou deduções fiscais, algo que seja mesmo concretizável. Se tiver alguma proposta que não passe pelo aumento do suplemento de missão, mas passe por aumentos salariais e por complementos remuneratórios, nós estamos disponíveis para assinar. Fora disso não estamos». E se não chegarem a acordo? «Vamos reunir e tentar perceber se temos condições para ir para a rua fazer barulho e protestar».
Os três irredutíveis
Acontece que três sindicatos, SPP, SINAPOL e ASAPOL, que devem representar, no conjunto, cerca de 3800 polícias, não aceitam negociar tudo o que seja menos de 1026 euros, o tal subsídio de missão que foi dado à PJ e aos homens das secretas. O Sindicato dos Profissionais de Polícia (SPP) ainda esta semana fez saber que não aceita outra proposta que não seja um suplemento de missão indexado a cerca de 20% do índice remuneratório do diretor nacional da PSP. «Só assim é possível garantir a justiça que todos os polícias recebam um valor igual de suplemento de missão, independentemente da antiguidade ou categoria hierárquica, pois a vida, risco, penosidade e insalubridade e respetivos ónus agregados à profissão, não se medem pela antiguidade ou categoria hierárquica».
Como já se percebeu, os sindicatos não remam todos para o mesmo lado e as desconfianças adensam-se quando surgem notícias que ‘incriminam’ Bruno_Pereira, que foi promovido ao cargo de subintendente quando, supostamente, tinha um processo disciplinar a correr. A relação que alguns fazem é que o sindicato dos oficiais se aproximou do Governo por causa dessa promoção. Recusando qualquer ligação entre essas notícias e as diferentes sensibilidades na Plataforma, Bruno Pereira dá a sua versão dos acontecimentos. «O processo disciplinar estava aberto ainda por causa de uma carta anónima que foi enviada no ano passado. Atacavam-me por, alegadamente, dar aulas sem autorização superior. Eu dou aulas de preparação para o curso de chefes, para polícias que querem concorrer a chefes, e comecei a dá-las com um camarada que já dava desde a década de 90 que, infelizmente, já cá não está. O que é certo é que até por aqui me tentaram atacar, dizendo que estava a fazê-lo sem autorização da Polícia. Coisa que não é verdade, naturalmente, porque pedi acumulação de funções, e foi-me autorizado. Só que isso demorou a ser arquivado porque o instrutor foi menos diligente, e o arquivamento já se veio a dar depois de ter havido a comunicação para Diário da República, da lista de candidatos aprovados. Para poder ir a concurso tive que fazer um curso para oficial superior. Fomos cerca de 130 comissários, e não estou a sobrevalorizar-me, apesar de estar muito orgulhoso por ter conseguido acabá-lo em primeiro lugar. E isso também me permitiu, entre outras coisas, ficar em primeiro no concurso».
Unidade de Estrangeiros e Fronteiras
Para complicar as contas ao Governo, este viu-se na obrigação de tentar colocar alguma ordem no antigo SEF, tendo decidido criar a Unidade de Estrangeiros e Fronteiras (UEF) da PSP. Mas se não há polícias para fazerem o patrulhamento nas ruas como é que vão encontrar efetivos para os aeroportos? «Não consigo dar-lhe uma resposta a isso, mas admito que a senhora ministra e o senhor ministro da_Presidência tenham dons como Jesus Cristo tinha, nomeadamente do milagre da multiplicação. A não ser que consigamos aqui, a médio ou longo prazo, eliminar redundâncias, fechando esquadras, entre outras medidas, que não têm de estar abertas, para permitir uma maior projeção e libertação de recursos».
Com ou sem milagres, o Governo prepara-se para distribuir os cerca de 480 novos polícias que vão acabar o curso de formação a 2 de julho, precisamente no Dia Nacional da PSP. Um número considerável deverá ir reforçar as esquadras, enquanto cerca de 170 devem ir para os aeroportos, depois de realizarem um novo curso específico para a futura Unidade de Estrangeiros e Fronteiras. «Neste momento, a prioridade máxima da PSP é assegurar que tudo continua a funcionar bem nos aeroportos. É a porta de entrada do país e não se pode descurar», remata fonte da PSP. l
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