Pois se até o Paraíso fechou

A candidatura de António Costa à presidência do Conselho Europeu reúne amplo consenso entre os chefes de Estado e de Governo dos Estados-membros da União Europeia. E cá dentro também. Mesmo entre quem defendeu que não tinha condições para continuar PM depois de ter sido encontrado dinheiro vivo e não declarado em S. Bento. 

Tinha mais de um século de história, fundado em 1911, poucos meses passados da implantação da República, e era um dos cada vez mais raros cafés com história do país.

Nesse ícone da Corredoura de Tomar (que as placas toponímicas chamam de Rua Serpa Pinto), muitos bolos de arroz e Laranjinas C comi e bebi nos meus sete e oito anos, acompanhando o café e a água das pedras com que meu Pai tomava a aspirina ou o chá e a torrada de minha Mãe.

Foi lá, na Corredoura, que as varandas se encheram de colchas e o povo aplaudiu a passagem do Presidente Américo Thomaz de visita à cidade.

A mesma Corredoura que, tempos depois, se encheu de gente, a mesma gente, então de punho cerrado erguido e gritando que o povo unido jamais será vencido e outras palavras de ordem, contra o custo de vida, os capitalistas, os tigres de papel.

Para mim, era tudo novidade. Ficava no Paraíso, a vê-los passar, que a fachada era toda envidraçada. Numa daquelas cadeiras antigas de ferro, à mesa de mármore, ao fresco da ventoinha pendurada no alto daquele pé direito que dava mais dimensão à casa do que os espelhos importados de Veneza para as obras de restauração no final da primeira metade do século passado, quando as colunas de ferro que dão mais singularidade à sala foram revestidas de pedra.

Porque o Paraíso não fechou para ver o povo dar vivas a Thomaz e estava aberto quando os populares passavam gritando morte aos fascistas e celebrando a conquista da Liberdade e a queda do Estado Novo, do Antigo Regime, de Thomaz e de Caetano.

Eu estive lá. Na Corredoura. No Paraíso.

Vivia no primeiro andar de um prédio só com mais um outro para além do rés do chão na Praceta Dr. Raul Lopes, fundador do Colégio Nun’Álvares – espécie de casa de correção ou disciplinadora de rapazes de todo o país mais dados à asneira do que aos estudos.

A praceta dava para a entrada principal do colégio e tinha um jardim que me pareceu sempre gigante até lá voltar já com idade para me aperceber da relatividade das coisas.

A casa ainda hoje lá está, geminada com a da minha professora primária, da primeira e da segunda classe, Manuela Estevinha.

Como na esquina ainda resiste a vivenda do meu amigo Octávio Chau e, logo a seguir, a da Mané.

E o jardinzinho com a estátua de Raul Lopes.

E, do outro lado, a casa do Estrela, que partiu novo, e a do Paulo e da Cidália, de quem nunca mais soube.

Está tudo ainda quase igual.

O Colégio não, porque já nada tem a ver com o que era.

Tomar também não. Cresceu desordenadamente para lá do que foi, embora não tenha deixado de ser uma cidade linda, principalmente na sua zona histórica, junto ao Nabão. E naquela mata, única. E no Convento de Cristo, com a manuelina Janela do Capítulo, agora totalmente restaurada.

O Chico Elias já não abre todos os dias, só de sexta a domingo, mas continua a valer a viagem.

O Paraíso é que fechou de vez.

António Costa, que se demitiu por considerar não ter condições para continuar primeiro-ministro, é agora o candidato único a presidente do Conselho que junta os chefes de Estado e de Governo de todos os Estados-membros da União Europeia. E reúne amplo consenso.
Entre os parceiros europeus, só a Polónia terá levantado a questão de querer ver primeiro devidamente esclarecido o envolvimento do ex-primeiro-ministro português no caso Influencer.

Por cá, também, e num repente, passou a contar com o apoio esmagador mesmo daqueles que mais rápido do que a própria sombra se apressaram a aplaudi-lo quando largou o poleiro, naquele dia em que foram encontradas umas dezenas de milhares de euros em notas de 20 e de 50 escondidas num gabinete da Residência Oficial do primeiro-ministro, em envelopes disfarçados entre livros ou numa caixa de garrafas de vinho guardada na gaveta da secretária do seu chefe de gabinete.

Percebe-se?

Tanto como até o Paraíso fechar de vez. O da Corredoura, em Tomar, onde as gentes davam vivas a Thomaz com a mesma alma com que depois gritaram morte aos fascistas.

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