O exame de português que os alunos do 9.º ano realizaram na passada segunda-feira reflete em parte o tipo de ensino e de avaliação que se pratica em algumas escolas.
Ao contrário do que seria de esperar, o pensamento livre e original parece estar cada vez mais aprisionado entre as respostas de escolha múltipla, a limitação de palavras e a orientação e condicionamento das redações.
Lembro-me que quando andávamos no liceu, se um dia um professor que tivesse acordado bem-disposto tivesse a amabilidade de colocar no teste uma questão com resposta de escolha múltipla, fazíamos uma festa! Era uma espécie de bónus, que saía uma vez por ano. Hoje, em muitas escolas, esse tipo de respostas são a regra e as respostas de desenvolvimento são o brinde para quem, teimosamente, não perdeu o hábito e o gosto pela escrita. Na verdade, a escrita livre tem sido vítima da massificação do ensino e da falta de tempo dos professores assoberbados de turmas repletas de alunos.
Como entender que, num exame de português, 17 das 21 perguntas sejam de escolha múltipla? Como considerar razoável não dar oportunidade a que os alunos se expressem livremente e que sejam limitados a colocar uma cruz em respostas que os tentam induzir em erro? Como desvalorizar a este ponto a originalidade e avaliar assim a compreensão de textos? Numa altura em que a escrita está cada vez mais em desuso, em que já não se escrevem cartas, nem diários, em que até as mensagens de telemóvel são de voz ou cheias de abreviaturas, a escola poderia não pactuar com esta inércia e valorizar a escrita mais do que 40% num exame nacional.
E o que dizer da limitação de palavras na escrita do texto opinião? Pedir que se desenvolva um texto com um mínimo de 160 palavras e um máximo de 260, sendo que uma palavra a mais ou a menos implica penalização. Será realmente sensato limitar assim o pensamento e a escrita? Obrigar os alunos a contar 200 palavras no meio de um exame tão extenso? Deverá ser essa uma preocupação quando escrevemos um texto de opinião? E se uma frase importante ficar por escrever? E se já tivermos escrito tudo o que era importante? E onde fica o lugar para o texto realmente livre e criativo?
O mesmo se passa com a leitura, quando se leem excertos de obras – muitas vezes apoiadas em resumos explicativos de livros ou da internet – levando a que os jovens se desabituem de ler livros integralmente ou que nunca cheguem a conhecer o prazer de os ler. A descobrir a curiosidade e interesse que estes lhes poderiam despertar. Que deixem de conhecer as obras originais, de as ler do princípio ao fim, de encontrar o prazer na leitura, de respeitar o seu tempo – em que não podem fazer scroll para andar para a frente –, de alimentar a expectativa e a espera do que vem a seguir, de conhecer a sua cadência, de se embrenharem neles e conhecer a sensação de vazio que se abre depois do final de cada livro.
Os dois fatores juntos – a queda do prazer da escrita e da leitura –, a par da complexificação e primazia dada aos termos abstratos da gramática que os alunos muitas vezes decoram sem conseguir compreender, bem como a crescente exposição a vídeos em Português do Brasil desde tenra idade que condicionam a correta aprendizagem da língua materna, poderão conduzir lentamente ao empobrecimento, desinteresse e eventualmente à morte da nossa Língua. Ou pelo menos ao prazer de a cultivar.