A pressão para Portugal usar a bitola europeia na rede de alta velocidade tem vindo a aumentar, contrariando a decisão do Governo para a bitola ibérica, a reboque da Espanha. De acordo com vários técnicos ouvidos pelo Nascer do SOL, não faz sentido esta última opção tendo em conta a aprovação por parte da Comissão Europeia do regulamento das redes transeuropeias, em junho deste ano, que determina as especificações da interoperabilidade com a rede única ferroviária europeia.
De acordo com o regulamento comunitário, «a nova lei visa construir uma rede de transportes fiável, integrada e de elevada qualidade que garanta uma conectividade sustentável em toda a Europa, sem interrupções físicas, estrangulamentos e ligações em falta».
A rede transeuropeia de transportes (RTE-T) pressupõe prazos para a sua conclusão em três fases: até 2030 para a rede principal, 2040 para a rede principal alargada e 2050 para a rede global. «O novo prazo intermediário de 2040 foi introduzido para antecipar a conclusão de projetos de grande escala, principalmente transfronteiriços, como conexões ferroviárias ausentes, antes do prazo de 2050 que se aplica à rede mais ampla e abrangente». E a Comissão Europeia dá exemplos: «As novas ligações ferroviárias de alta velocidade entre o Porto e Vigo, e Budapeste e Bucareste, devem ser concluídas até 2040. Como outro exemplo, após a conclusão da rede, os passageiros poderão viajar entre Copenhaga e Hamburgo em 2,5 horas, em vez das 4,5 horas exigidas hoje».
Novas exigências que levam os especialistas ouvidos pelo nosso jornal a argumentar que, se esta nova lei pretende criar uma rede de transportes fiável, «sem interrupções físicas, estrangulamentos e ligações em falta», só pode ser feita em bitola europeia, já que foi esta foi aprovada para que exista interoperabilidade ferroviária total em toda a rede europeia.
Ao que o Nascer do SOL apurou, mesmo que Portugal mantenha a intenção de avançar a construção em bitola ibérica terá até ao final de 2030 que migrar a linha para a bitola europeia, que é cerca de 23 centímetros mais estreita. O argumento que tem sido usado pelo Governo para esta escolha diz respeito ao facto de Espanha usar bitola ibérica, mas os especialistas chamam a atenção para o facto de o país vizinho já ter mais de quatro mil quilómetros de linhas de alta velocidade em bitola europeia, apesar de manter a bitola Ibérica para muitas ligações regionais e tráfego de mercadorias.
O porto de mar de Barcelona já está ligado à Europa por bitola europeia e existem planos para alargar essa linha do Mediterrâneo, para passageiros e mercadorias, aos portos de Valência e de Algeciras.
Há solução?
Ao Nascer do SOL, José Furtado, engenheiro civil, especialista em planeamento estratégico de infraestruturas de transporte, diz que em relação a Espanha só falta fazer em bitola europeia a ligação que é considerada a mais cara de todas porque é feita em túneis que é o chamado Y Basto. «A opção portuguesa em bitola ibérica representa um olhar para o passado, não vale a pena, principalmente quando estamos a falar de linhas novas. Não faz sentido quando todos os países fabricantes estão a construir em bitola europeia. Não podemos contrariar o resto da Europa, nem o o nosso vizinho que está a fazer tudo em bitola europeia, inclusive as ligações a todos os portos do mediterrâneo», salienta.
Ao i, Rosário Macário, professora e investigadora do Instituto Superior Técnico, desvaloriza esta polémica em torno das bitolas, considerando que se trata de «uma ficção», referindo ainda que do ponto de vista tecnológico esta diferença está ultrapassada. «Já há formas tecnológicas de passar da bitola ibérica para bitola europeia sem qualquer problema. E é óbvio que Portugal, pelas características que tem, precisa de se alinhar com as opções de Espanha porque é com Espanha que vamos ter a interoperabilidade principal. Os espanhóis estão a usar bitola ibérica e nesse aspeto a decisão é correta, Portugal alinhou-se com as decisões de Espanha. Ainda que neste momento não faz absolutamente diferença nenhuma, porque tecnologicamente está garantida a conversão. Ou seja, um comboio hoje pode passar de uma bitola para a outra com uma solução tecnológica, sem ser necessário construir ou reconstruir as bitolas».
Quando questionada sobre o que diferencia estas duas soluções, a professora e investigadora do Instituto Superior Técnico diz apenas que se trata da distância entre carris. «Hoje já há mecanismos tecnológicos que permitem ao comboio adaptar de uma largura de carril para outra largura de carreira e fazê-lo ao longo de uma viagem, sem que isso obrigue à mudança de carril. É utilizado um terceiro carril para fazer esse ajuste. Não faz sentido haver esta discussão. Essa discussão é um entretém como outro qualquer», diz.
Um argumento que não convence José Furtado, para quem a migração entre bitolas «nunca pode ser instantânea», afirmando que se trata de «soluções provisórias que se foram fazendo para permitir paulatinamente a mudança de uma coisa para a outra, mas a tendência é para passa a bitola europeia».
Uma das hipóteses, de acordo com o responsável, é fazer o chamado terceiro carril em troços pequenos ou um sistema no comboio que consegue passar de um sistema para o outro. Mas há desvantagens: «Nas acelerações e desacelerações perde sempre 10 a 20 minutos, mas é uma solução que só existe para os passageiros, para as nas mercadorias nem sequer existe. No entanto, é sempre aplicado em situações pontuais e quando há muito pouco tráfego».
O que vai avançar
A ideia é que este projeto se apresente como uma alternativa de transporte ferroviário competitivo (nomeadamente com o avião), em que uma viagem Porto/Lisboa irá demorar 1h15, enquanto a ligação Lisboa/Madrid será de 3 horas, anunciando-se como «uma alternativa ferroviária competitiva aos 40 voos diários entre Lisboa e Madrid e de cerca de 20 entre Porto e Lisboa»
Em termos de impacto nacional, vai reduzir o tempo de percurso Lisboa-Elvas para cerca de 2h em 2025 e para cerca de 1h em 2034, quando todo o percurso estiver operacional. Já na ligação entre Lisboa e Madrid, a alta velocidade reduzirá o tempo de percurso para 6h em 2027 e para 3h em 2034, quando todo o percurso estiver operacional.«Desta linha está construída a ligação Badajoz-Placencia e Toledo-Madrid, em construção e ligação Évora-Elvas (Caia) e a ligação Placencia-Talayuela (que entrará ao serviço em 2027), e a construir a TTT, a ligação Poceirão-Évora e a ligação Talayuela-Toledo», diz, acrescentando ainda que «a calendarização dos investimentos será compatibilizada com Espanha, para garantir uma execução coordenada e atempada do projeto, otimizando plenamente a disponibilidade de financiamento europeu».