Na noite em que perdeu as eleições europeias, Luís Montenegro ‘disfarçou’ o resultado anunciando o apoio do Governo à candidatura de António Costa à presidência do Conselho Europeu. E a esquerda de um modo geral exultou, elogiando a atitude do líder da AD e até esquecendo-se de lhe cobrar convenientemente a derrota.
Recordo que este jornal foi o primeiro a dar a designação de Costa como certa, em manchete publicada em 14 de abril de 2023. E é preciso dizer também que o cargo não vale grande coisa. O presidente do Conselho Europeu é um mero mediador da vontade dos Estados. Reunindo apenas quatro vezes por ano, não poderia ter veleidades executivas ou de liderança política. Estas pertencem à Comissão Europeia, que é o conselho de ministros da UE, e cujo presidente – esse sim – tem um poder efetivo.
António Costa desempenhará um papel essencialmente diplomático, que aliás se quadra com a sua personalidade: ele não gosta de decidir, gosta de negociar, de promover consensos, de proporcionar entendimentos, pelo que o lugar lhe assenta como uma luva.
Nas últimas semanas o tema tem sido muito debatido – e discutem-se as razões que nos devem levar ou não a apoiar a dita candidatura. O nacionalismo caiu em desuso, e a IL já declarou que não vai apoiar António Costa, o mesmo tendo dito André Ventura, embora por outros motivos.
Um dias destes, num programa televisivo, Sérgio Sousa Pinto, com aquele ar de imenso enfado que frequentemente afivela, como se tivesse de ensinar o bê-a-bá a adultos analfabetos, considerava «ridículo» que se apoiasse António Costa pelo simples facto de ser português. Era uma atitude «paroquial», de um ridículo atroz.
Mas esta ideia corresponderá ao que pensa o comum dos mortais? O nacionalismo é mesmo um fenómeno ‘paroquial’ (palavra que corresponde a uma forma mais elegante de dizer ‘parolo’)?
Assistindo à inauguração do campeonato europeu de futebol, que começou com um jogo entre a Alemanha e a Escócia, reparei no fervor com que os jogadores escoceses cantavam o seu hino. E esse sentimento quase religioso estendia-se às bancadas, onde a minoria escocesa cantava a plenos pulmões, fazendo-se ouvir em todo o estádio apesar do seu reduzido número.
Antes, tínhamos visto a chegada da equipa portuguesa ao hotel onde está instalada. E nas imediações juntavam-se milhares de portugueses, que durante horas esperaram o momento de poderem ver fugazmente os jogadores. Eram na sua maioria emigrantes portugueses que vivem na Alemanha – e que estavam ali para aplaudir os seus ídolos, pelo simples facto de serem portugueses.
E, noutra área, como interpretar o modo como os portugueses celebraram de uma forma geral o Prémio Nobel de Saramago?
Tudo isto é paroquial, é verdade. Mas é espontâneo, genuíno, não é artificial nem fabricado, como outras manifestações.
E, ainda noutro plano, como interpretar a resistência ucraniana à Rússia? Também será determinada por sentimentos ‘paroquiais’? Por que motivo os ucranianos veneram a sua bandeira? Não é uma bandeira igual a qualquer outra, apenas com outras cores?
E por que haveremos de admirar Zelensky? Por que razão o consideramos um herói? Não estará a ser ‘paroquial’? E por que haverá tanta gente a morrer para defender aquela terra? Não seria mais fácil entregar à Rússia os territórios ocupados e irem todos à sua vidinha?
Aos que falam do país como da paróquia, aos que falam do nacionalismo como uma ‘parolice’ ridícula e despropositada, eu respondo: paroquial ou não, o nacionalismo é bem real. Não se explica, mas move montanhas. A grande maioria dos cidadãos do mundo orgulha-se da terra onde nasceu, vibra com o triunfo dos seus compatriotas, revê-se nos seus sucessos.
Os portugueses têm orgulho em Aljubarrota, nos Descobrimentos, em Camões. Deveriam ser antes apátridas, não pertencerem a parte nenhuma?
Não me sinto ‘paroquiano’. Mas não me é indiferente ter nascido aqui e não na China. E comovo-me a ouvir o nosso hino (mesmo sendo o hino da República de 1910, de triste memória). E gostei que Saramago tivesse ganho o Nobel (embora não gostasse da pessoa). E gostarei que António Costa seja presidente do Conselho Europeu (mesmo sabendo que o lugar não tem grande importância).
E já agora, gostarei que Portugal seja campeão europeu.
A propósito, lembro-me de que o meu pai, que nunca se interessou por futebol, entusiasmou-se com os feitos da seleção portuguesa no Mundial de Inglaterra de 1966, em que ficou em 3.º lugar e Eusébio chorou.
Talvez também ele fosse ‘paroquiano’, apesar de ter passado uma parte importante da sua vida no estrangeiro.