Infrações da Democracia

A gestão das políticas públicas é de uma complexidade substancialmente superior ao habitualmente encontrado no setor privado

O presumido regime de democracia em que vivemos é, na aparência, uma democracia de qualidade. Os cidadãos elegem, por sufrágio direto, secreto e universal, os deputados para a legislatura, as autarquias, o Presidente da República e os deputados ao Parlamento Europeu. Contudo, um olhar atento revela, na minha opinião, um conjunto de apropriações e abusos que deturpam a pureza da democracia, as quais intitulo de infrações e que considero estarem na base da degradação da qualidade do serviço público e na entranhada continuidade da burocracia, assegurando, sem elementos de mérito, aos partidos do sistema o controlo do poder. São a base segura para o atraso e estagnação.

O número exorbitante de entidades cujos pareceres são necessários para a sociedade e economia funcionarem é absolutamente exorbitante. Os milhares de dirigentes dessas entidades, não são eleitos, não prestam contas à sociedade e não são avaliados. São, regra geral, nomeados pelos aparelhos dos partidos políticos (o mesmo se passa com a generalidade dos gestores públicos). Esta é uma infração que contribui para a estagnação do sistema, constituindo um relevante desperdício de recursos. São necessários bastante menos entidades e muito menos pessoas. A funcionarem melhor, bem organizadas, devidamente responsabilizadas, avaliadas e com competências técnicas e sociais que garantam o adequado funcionamento da sociedade e da economia. Sou da opinião que este princípio se aplica também ao sistema autárquico. Em Portugal há excesso de municípios e de juntas de freguesia. A importância do poder local é de tal forma relevante que Portugal não poderá evoluir sem uma profunda reforma das regiões e da regionalização. Há excesso de presidentes de Câmara, de presidentes de Junta de Freguesia, de vereadores e de deputados municipais. Ao todo são centenas de milhares – um exagero. Na verdade, são necessários substancialmente menos. Esta é outra infração que os partidos tradicionais insistem em manter. Garante-lhes, em maior número e maior amplitude, lugares para distribuir. 

É preciso pagar melhor aos políticos eleitos. A gestão das políticas públicas é de uma complexidade substancialmente superior ao habitualmente encontrado no setor privado. Não há motivos de mérito para os políticos eleitos ganharem pouco sendo esse também um fator de afastamento de outros possíveis intervenientes na gestão das políticas publicas. Apesar disso, conheço quem entrega toda a sua competência e genialidade à causa publica. São, por razões óbvias, poucos. Esta constitui uma infração muito grave da democracia.

Nas eleições para deputados ao Parlamento, autarquias locais e Parlamento Europeu, vota-se em listas de candidatos onde, regra geral, a única figura publicitada e conhecida do eleitor é cabeça de lista. O resto da ‘hoste’ está lá de forma camuflada e silenciosa, sendo eleita na enxurrada dos votos – ninguém sabe efetivamente quem são. São os premiados de um sistema fechado, totalmente controlado pelo aparelho dos partidos, constituindo esta outra infração grave da democracia excessivamente controlada pelo grupo restrito que em cada partido domina a distribuição dos lugares. Círculos uninominais e partidos novos, verdadeiramente abertos à sociedade civil, constituem a profilaxia adequada para esta gravíssima infração. 

O modelo de subvenção que o Estado encontrou para financiar os partidos do poder, associado à impossibilidade de grupos de cidadãos independentes apresentarem candidaturas ao parlamento e ao parlamento europeu, constituem duas infrações graves que deturpam a democracia. Com este sistema, dificilmente veremos a reforma do estado, a reforma administrativa, a regionalização, a reforma da justiça, a estratégia económica e a obsessão em fazer bem feito, devidamente alicerçadas na sociedade portuguesa. 

Os instalados neste sistema são tantos que este ‘bico de obra’ não vai ser fácil resolver… Por outro lado a nação lê pouco, pensa pouco e, porque tem direito de voto, anda convencida que vive em democracia.