O momentoso caso das gémeas

Marcelo Rebelo de Sousa só é criticável nesta questão por ter falado demais. E por ter cortado relações com o filho, ainda por cima anunciando o facto em público. O tema não o merecia

Confesso que não esperava voltar a este caso. Escrevi sobre ele quando as primeiras notícias surgiram, e vaticinei que o tema morreria quando a pré-campanha para as legislativas arrancasse – porque Pedro Nuno Santos não desejaria fazer da campanha eleitoral uma campanha de ‘casos’. E, de facto, o assunto morreu. Esteve morto durante uns meses. Mas ressuscitou depois das europeias, sobretudo pela mão do Chega, com o apoio empenhado do BE e a ajuda da IL. Uma caldeirada um tanto ou quanto estranha.

Afinal, o que se pretende com esta história?

Penso que ninguém tem dúvidas: atingir o Presidente da República.

O visado não será com certeza Nuno Rebelo de Sousa – que está no Brasil e com o qual ninguém está preocupado. Nem Lacerda Sales – que já nem é secretário de Estado.

Nem por certo nenhum diretor hospitalar que tenha tido intervenção no processo.

O visado é o Presidente da República – e é para o entalar que o caso foi desenterrado.

Mas qual será o pecado de Marcelo Rebelo de Sousa? Os leitores sabem que lhe tenho feito duras críticas quando há razão para isso. Nunca o poupei.

Mas neste assunto há que ser sério: o que fez Marcelo de criticável?

Que se saiba, deu sequência a uma solicitação igual a centenas ou milhares de outras que recebe: reencaminhou-a para quem de direito.

Se foi só esta a intervenção do Presidente – e não há nada que indique o contrário –, não se vê o que possa aqui haver de mal.

E o que fez o filho do Presidente da República?

Admitindo que meteu uma ‘cunha’, eventualmente a Lacerda Sales, que crime existe nisso?

Qualquer de nós não faria o mesmo, caso estivesse em risco a vida de duas crianças e apelassem para a nossa ajuda?

Não procuraríamos fazer alguma coisa para ajudar? 

Só alguém com o coração do lado errado pode dizer que não faria.

Fazer um pedido não é censurável: a pessoa a quem se pede é que avaliará se o pedido tem ou não razão de ser.

Se a solicitação é ou não legítima.

E  aqui é que entra em cena Lacerda Sales. Terá agido com dolo, por dar andamento ao pedido e abrir caminho ao tratamento das meninas? Não parece. Sabe-se hoje que qualquer criança com um problema semelhante que aparecesse à porta de um hospital seria tratada da mesma maneira.

Está na lei.

Aparentemente, portanto, Sales não fez nada de mais nem de mal. Fez o que devia.

Nem os médicos que deram sequência ao assunto.

Não houve ultrapassagem de ninguém, nem ninguém ficou por tratar.

Alega-se, em desespero de causa, que foram gastos 4 milhões de euros naquele tratamento, quando há falta de dinheiro no SNS.

Mas no meio dos milhares de milhões que o SNS gasta, foi uma gota de água.

E, ao menos, aqui sabe-se para que serviu o dinheiro – ao contrário da maior parte do que o Estado gasta sem se saber bem como e em quê.

Este caso é artificial, é ridículo, não tem pés nem cabeça. A única questão que se pode levantar é se Portugal tem condições para receber todos os doentes das ex-colónias que se queiram vir tratar aqui.Se calhar não tem – mas isso é outro assunto, que terá de ser regulamentado a outro nível, e que se articula com a imigração. O Chega só desenterrou este tema para se pôr em bicos de pés, fazendo chicana com o Presidente da República (como já acontecera na acusação de ‘traição à pátria’).O BE secundou-o para dizer que apoia o SNS mas está contra os privilégios dos ricos e poderosos.

E a IL para mostrar o ‘rigor’ do seu espírito tecnocrático.

Repito: este processo não é sério. 

E por isso estou com Lacerda Sales quando se recusou a prestar esclarecimentos na Comissão de Inquérito, e com Nuno Rebelo de Sousa quando disse que não viria a Portugal por causa deste tema.

Quanto a Marcelo, se é criticável nesta questão, não é pelo que fez – mas por ter falado demais.

E por ter cortado relações com o filho – ainda por cima anunciando o facto em público.

O tema não o merecia. 

Nem merece tanta atenção dos jornalistas e a ocupação de tanto tempo nos telejornais.

E, já agora, tanto espaço no papel: eu próprio hesitei muito, antes de gastar uma página de jornal com um assunto tão manifestamente mesquinho