BERLIM – A comparação não é estapafúrdia. Ao fim ao cabo jogamos de forma parecida – e já lá vou às enormes diferenças que surgem depois de uma frase como esta -, temos ambos um treinador espanhol sem grande currículo, acabámos de defrontar a França. Não é por acaso que o maior império português existiu no tempo dos Felipes, quando juntaram dois países sob a mesma coroa; não é por acaso que os espanhóis sempre conseguiram à custa de sangue aquilo que nos esforçámos por ter à conta da manha, salvaguardando uma ou outra excepção, como a de Afonso de Albuquerque, o terrível Afonso que terá tido, acima de todos os seus compatriotas, uma visão de que só através do medo seríamos capazes de nos manter por todos os cantos do mundo. Somos vizinhos, Portugal um enclave estreitado entre um parceiro gigante e um Atlântico ainda mais gigante. Teimámos em não ser absorvidos e a nossa maior prova de resistência e de independência é esta língua tão bela da qual se vê o mar com escreveu um dia Virgílio Ferreira, um escritor abandonado à sua melancolia. Uma melancolia tão portuguesinha, tão fadista, tão distante do regozijo, do júbilo de «nuestros hermanos», que montam garraiadas por onde passam. Foi assim neste Europeu. Tem sido assim na maior parte das grandes competições: à alegria de Espanha contrapõe-se a tristeza de Portugal.
Foi de forma soberba que a selecção de La Fuente derrotou a França à qual só conseguimos fazer festas graças a um passa-repassa de domínio de bola pouco agressivo. Porque, ao contrário da selecção de Roberto Martinez, os espanhóis conseguiram, quando necessitaram do golo, colocar na área do adversário gente que acompanhasse o movimento do seu ponta-de-lança e tirasse proveito da atenção que os centrais lhe dedicavam – reparem no gesto de Olmo no segundo golo do último jogo e que deveria ter tido, no nosso caso, a correspondência, por exemplo, de Bernardo Silva, sempre tão demasiado preso à lateral direita e sem autorização ou sem vontade de surgir em espaços onde mais do que ter a baliza nos olhos fosse um elemento desestabilizador. Depois, comparemos os movimentos de Leão com os de Nico Williams, já que se instalam na mesma faixa do campo. Enquanto Leão fez sempre em velocidade com o fito na linha final, concluindo os lances com centros sem objectivo, Williams varia: muitas vezes escolhe meter para dentro, para o remate e para o golo, tal como aconteceu de forma maravilhosa face à Geórgia. O mesmo acontece com Rodri e Olmo, totalmente decididos a aproveitar o recuo dos médios defensivos contrários para ou chutarem da entrada da grande-área ou para entrarem nela, algo que Vitinha e Bruno Fernandes nunca fizeram (vá lá, Vitinha fez, precisamente contra a França, e teve a melhor oportunidade do jogo), mantendo-se na tal posse de bola abnóxia que é sempre mais do mesmo e não baralha as contas a quem pode vigiá-los apenas à distância.
O problema da qualidade
Claro que, para além destas diferenças de movimentos, se quiserem chamar-lhes assim, deparamo-nos com um problema de qualidade que a Espanha não tem. A começar pelo menino Lamine Yamal, com os seus ainda 16 anos, um jogador muito para além de todos os de que Portugal dispõe. Não existe ninguém nesta tão cantada melhor geração do futebol português (infeliz falácia exageradamente repetida) comparável em talento e atrevimento ao jovem que marcou aos franceses aquele que será, até ao momento, o melhor golo do Campeonato da Europa. «Desculpem, mas não temos», diria o meu velho companheiro de redacção Viriato Mourão. E contra isso, nada a fazer. Como nada a fazer em relação à qualidade do banco espanhol em comparação com o nosso que, vendo bem, e tirando os três minutos derradeiros de puro histerismo frente à Chéquia não serviu autenticamente para nada. Se La Fuente faz substituições e, se não melhora a equipa com elas, pelo menos mantêm-na ao mesmo nível; sempre que Martinez fez substituições Portugal ficou mais débil e mais previsível, sobretudo com a entrada de elementos rotinados num jogar-para-si-próprios, fintando-se a si mesmos, exemplo do qual Francisco Conceição é a cara e o corpo.
Entremos, finalmente, na vertente competitiva. A velocidade com que os jogadores espanhóis trocam a bola, numa posse agressiva e vertical, procurando sempre um espaço vazio por onde perfurarem as defesas adversas, bate de frente com a nossa posse de bola lenta e lateralizada, uma espécie de conforto, como quem a guarda para si não na tentativa de fazer algo de positivo com ela mas sim para a manter invejosamente fora dos pés dos opositores. Com a França chegámos ao exagero e raramente abalámos os alicerces de um conjunto fisicamente muito mais poderoso. Por seu lado, a Espanha, usando as trocas de bola como instrumento para abafar os franceses nem se preocupou verdadeiramente quando se viu em desvantagem. Num instante, virou o resultado a seu favor e controlou os acontecimentos como quis e como lhe apeteceu. No futebol, os vencedores também se vêem à distância por uma questão de mentalidade. Portugal ficou, mais uma vez, longe de se apresentar com uma mentalidade vencedora, e nem tem qualidade para isso, a meu ver. Podíamos ser a Espanha, mas a diferença é tão grande e tão chocante em todos os capítulos do jogo que vivemos apenas sonhos de grandeza onde grassa uma notória mediocridade. Não, o futuro não é brilhante. Podemos deixar-nos de farroncas pacóvias porque as finais das grandes provas estão-nos vedadas por falta de atributos. Se não formos capazes de perceber que caminhamos para ser cada vez mais do mesmo é porque precisamos de um alerta sério e incisivo. Infelizmente, saímos deste Europeu contentinhos. Somos assim, é uma idiossincrasia: pequeninos aos quais os grandes batem. Lambemos as feridas e voltamos, daqui a dois anos, a fazer de conta que somos enormes, amarrados a uma vaidade ridícula. É por isso que rapidamente nos esquecem. Já não há na Alemanha quem se lembre da triste figura que fizemos. Se calhar ainda bem…