A culpa nem é da procuradora-geral

A forma como a PGR criticou a ministra, sem extrair consequências, não cola com quem diz não querer protagonismos…

A entrevista da procuradora-geral da República à RTP causou algumas perplexidades, as quais, mesmo passadas algumas semanas, devem ser analisadas com o espanto devido, até porque têm origem em quem lidera uma instituição essencial no Estado.

Em primeiro lugar, a razão da entrevista. Uma procuradora-geral, que ficará sobretudo conhecida pelos silêncios, dar uma entrevista a uma televisão quando se aguardava a data da sua audição na Assembleia da República, desvaloriza imediatamente essa audição e o próprio órgão, facto que devia ser devidamente registado pelos deputados. Associado a este facto, a contradição da entrevista por alguém que diz não querer ou precisar de protagonismos. Pudemos constatar.

A segunda perplexidade é relativa à responsabilidade que a procuradora-geral atribuiu à greve dos funcionários judiciais na longa detenção dos arguidos da Madeira. Portugal é sucessivamente apontado pelos excessos de prisão preventiva ou detenções abusivas. Desta vez, a detenção prolongada é responsabilidade do direito à greve dos funcionários? Este grau de desresponsabilização é inaudito, e apenas comparável a um general que ‘sacode a água do capote’, porque a culpa é do sargento! 

A terceira perplexidade respeita à ‘campanha orquestrada’ contra o Ministério Público. Como sempre tive dificuldades em acreditar em cabalas organizadas contra instituições, prefiro pensar que há pessoas que têm opinião e o direito de expressar opiniões publicamente. A Democracia implica saber aceitar e respeitar as críticas dos outros. Ninguém e nenhuma instituição está acima de crítica ou de renovação. 

A quarta perplexidade diz respeito à crítica violenta à ministra da Justiça. Se uma procuradora-geral não sente confiança por parte do Governo que tutela a Justiça, apenas lhe resta sair. A forma como criticou a ministra, sem extrair consequências, não cola com quem diz não querer protagonismos, e remete para a quinta e última perplexidade.

A quinta perplexidade não é especifica, é geral: a ligeireza com que tudo é encarado, exceto as críticas que são dirigidas a si, à Procuradoria ou ao Ministério Público. Ao longo da entrevista, tudo é normal e leve, nada é verdadeiramente grave. Esta ligeireza, associado a não saber lidar maravilhosamente com as críticas, indicia que a escolha daquela personalidade não foi devidamente ponderada.

Na realidade, este último ponto é o essencial e é o que, indiretamente, liberta esta procuradora-geral de responsabilidades: a Senhora é o que é. Bem ou mal, concorde-se ou discorde-se, Lucília Gago tem a sua visão da Justiça e do Ministério Público. Boa parte de nós pode discordar, somos livres para tal. Todavia, quem a indicou ou quem designou surpreendeu-se com a conduta da Senhora enquanto procuradora-geral? Se sim, conhecia quem estava a indicar ou nomear? Se sabiam, por que razão a escolheram? Se não sabiam, como a escolheram?

As questões anteriores são essenciais e são as que nunca serão verdadeiramente respondidas. Um parágrafo num comunicado tem a sua importância, mas é a espuma dos dias, já passou. A forma como se escolheu esta procuradora-geral, ou quem lhe sucederá no cargo, passa a ser a questão central.

Numa conversa, disse a alguém que, depois daquela entrevista, o caminho da atual procuradora-geral devia ser o da demissão. O meu interlocutor dizia, com graça, que ninguém queria ter esse problema: a senhora estava de saída e pronto. O Presidente nada faria, o primeiro-ministro também não e a ministra nem responderia aos comentários da procuradora.

Tudo certo, mas uma questão subsiste: o que impedirá o próximo procurador-geral de fazer igual? Nada