Eis que se discute, pela enésima vez, o sistema eleitoral. Felizmente, o tema surge, desta feita, por iniciativa da sociedade civil, o que é de saudar. O Think tank Institute of Public Policy (IPP) quer entregar na Assembleia da República um projeto legislativo ‘académico e tecnicamente bem fundamentado’ para reformar o sistema, reduzindo o desperdício de votos.
Paulo Trigo Pereira, que lidera o projeto, é um livre-pensador que não está ao serviço dos partidos. Ora, os partidos formulam propostas em função dos seus interesses, o que nem sequer tem permitido alterar os absurdos círculos eleitorais no nosso país. Os grandes partidos querem manter os pequenos círculos, onde só eles elegem. Aos pequenos partidos, interessa-lhes o gigantesco círculo de Lisboa, onde conseguem eleger deputados com uma pequeníssima percentagem dos votos.
Permito-me, por isso, dar o meu contributo, como é pedido pelo IPP.
Há dois princípios de equilíbrio que se deve ter em conta, para além da questão do desperdício de votos, quando se procura uma alternativa ao modelo atual: a proporcionalidade e a governabilidade.
No que diz respeito à proporcionalidade, os círculos eleitorais deveriam corresponder à demarcação das regiões NUTS II, o nível de base para a atribuição de fundos comunitários, bem como de todas as estatísticas. O número de deputados em cada NUT deveria contrabalançar as dimensões populacionais e as geográficas. Um Estado-nação tem essas duas componentes: população e território. Por idêntica razão, o número de deputados das regiões autónomas não é proporcional à sua demografia. Desta forma, é desnecessário um círculo eleitoral de compensação.
O reforço da representatividade contribuirá para reduzir a abstenção, mas o voto deve ser obrigatório. Ou, se isso afligir os defensores de algumas liberdades, a abstenção deve ser multada. Quem não se revir nos partidos políticos, tem sempre dois refúgios: o voto em branco ou o nulo.
Quanto ao número total de deputados, este deveria, desde logo, ser ímpar e ser reduzido em pelo menos um terço. Há dezenas de deputados que, numa legislatura, pouco ou nada produzem.
Também me parece útil o modelo de voto preferencial em lista, em que, no seu boletim de voto, o eleitor pode escolher votar numa lista, mas também num candidato em particular, como defende Trigo Pereira.
A exemplo do Reino Unido, quer o primeiro-ministro, quer os ministros deveriam ser, antes de mais, deputados eleitos, como forma de valorização dos parlamentares – a quem não deveria ser permitido que, durante a legislatura, concorressem a eleições autárquicas ou europeias.
Ainda sobre a governabilidade, deveria ser imposto um travão, como na Alemanha, limitando o acesso ao Parlamento a partidos que tenham menos de 5% dos votos no cômputo nacional, evitando a atomização da representação. Em contrapartida, seriam permitidos partidos regionais que apenas estivessem interessados em concorrer num círculo eleitoral.
A governabilidade exige que se vá além do sistema eleitoral. Olhando à História, esta tem sido garantida pelos partidos, mas não pode estar à mercê de um órgão de soberania uninominal. O remédio passa por concentrar competências na Assembleia, retirando ao Presidente da República o poder discricionário de o dissolver. Recordo que já houve três situações em que, havendo maioria, o Parlamento foi dissolvido sem que tivessem sido aprovadas moções de censura.
Não espero que qualquer proposta reúna o consenso dos partidos, neste regime político incapaz de se autorregenerar. E como não tenho filiação partidária, dispensei a máquina de calcular ao fazer esta proposta.