Afrontamentos de Verão

O mundo está barulhento. Dos telemóveis aos gritos, à grotesca cerimónia dos Jogos Olímpicos, passando pelos insultos nas redes sociais, parece que o sossego foi e férias.

Foi de um ano para o outro que as pessoas passaram a usar o telemóvel como walkie talkie. Falam em alta voz, ouvem os vídeos em modo de transístor e não têm qualquer respeito pela sua própria privacidade. Uma viagem de autocarro, de comboio ou uma esplanadas são espaços de gritaria e de invasão de privacidade. A evolução tecnológica dos auriculares anda ao contrário dos novos hábitos. Os novos hábitos são as crianças dominarem restaurantes com o iPad em volume no máximo e comunicar-se na rua como se a rua fosse propriedade privada. Separa-se o lixo em beneficio do planeta, mas não se combate a poluição sonora em beneficio da paz. «Olhe desculpe, pode por o telemóvel mais baixo?». Quem está mal que se mude. O pior é que não se sabe para onde, quando estamos enclausurados numa carruagem ou à espera do prato do dia enquanto a criança se passeia pelo YouTube em som estridente.

Do grotesco.

Sou do tempo em que o filme Je vous salue Marie indignou meio mundo católico. Também sou do tempo em que Charlie Hebdo chocou o mundo muçulmano. Cresci com Le Pen pai a agitar democracias. Os franceses são assim. Gostam de chocar. Gritam, cortam cabeças, provocam e deliram com excessos. Ninguém os tempera. Conseguem o melhor e o pior na mesma frase, no mesmo livro e no mesmo filme. Da política às artes, da Filosofia à História, há de tudo e em quantidade. Em intensidade, mau gosto, beleza, sabedoria e javardice. Não é assim com todos os povos e países. Os franceses são únicos em falta de moderação e em paradoxos. Deram tantos santos e Doutores da Igreja ao mundo quantos perseguidores de santos.

A cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos não podia ser uma americanada espetacular. Isso seria vulgar. E os franceses são vulgarmente burlescos quando querem ser invulgares. A dita cerimónia só podia ser uma de duas coisas: ou uma seca monumental ou grotesca. Foi grotesca. Ninguém sai dali indiferente. Não é sequer ofensiva, é de mau gosto. Não havia necessidade em exibir tantos trans, de misturar os trans com a Última Ceia. Ou havia? Só se fosse a necessidade de encostar moderados que fogem dos Le Pen para os braços dos Le Pen. Num mundo sedento de paz, moderação, beleza e cultura, os franceses tinham de remar contra a corrente.

Cães como filhos.

Uma publicação numa rede social dá o alerta: um cão anda a passear sozinho pela rua, sem dono e sem destino, parece. Tem coleira, é branco e “parece meigo”. É mostrado o cão, descrita a zona e é feito o apelo às almas sensíveis que vagueiam no espaço cibernético para partilharem a triste notícia até a informação chegar ao eventual dono. Dois minutos depois, começam a ser publicados dezenas de comentários a insultar o autor do alerta. «Não lhe deu uma taça de comida e de água?! Isso não é forma de ajudar!». «Não sabe quais são os procedimentos a adotar quando se encontra um animal pedido? Selvagem!». E por aí fora. O bom samaritano, que afinal é só samaritano, ainda se tenta defender explicando que o cão estava longe, que não tinha forma de chegar perto e que antes um post que nada. Não serviu. O circo pega fogo e o desgraçado retira-se da arena deixando dezenas de insultos sem resposta. O próximo cão que vir a deambular pelas ruas não terá direito a post. O mundo está barulhento.