A destruição da família está a corroer as bases da sociedade ocidental. Está a miná-la por dentro. A família foi uma das grandes conquistas da civilização. Ao criar laços permanentes entre pessoas baseados no sangue garantiu a estabilização da posse da terra e a transmissão da propriedade pelas heranças, permitiu o desenvolvimento da agricultura, fundou uma rede de apoio social, contribuiu decisivamente para a proteção das crianças, possibilitou aos mais velhos um envelhecimento mais seguro.
A família foi um grande passo na nossa civilização. A sua crise é um sinal inequívoco de declínio.
Não foi por acaso que uma das primeiras medidas do comunismo foi a destruição da família. Ela perpetuava certos valores ditos ‘burgueses’. Os filhos foram retirados aos pais para serem ‘convenientemente’ educados.
Destruída a família, o indivíduo ficou sozinho perante o Estado omnipotente. Era este o objetivo.
Mas no Ocidente está a verificar-se a destruição da família não por imposição do Estado mas por degenerescência da própria sociedade. Os jovens dizem hoje que o casamento não interessa porque «é apenas um papel». Ora, começa aqui o ‘grande engano’. O casamento não interessa àqueles que não querem assumir compromissos, pois, no fundo, já estão a pensar na separação. Se não fosse isso, por que evitariam assinar o papel? Já não falo nos casamentos católicos.
O casamento é importante porque é a assunção de uma responsabilidade. Um indivíduo compromete-se perante o outro e perante a sociedade a ‘constituir uma família’. O casamento tem uma base afetiva, mas é também um contrato. Que deve ser para a vida – porque cada um dos cônjuges está a condicionar a vida do outro, e o destino de filhos que venham a ter juntos. Uma pessoa que se casa tem o direito de esperar da outra o cumprimento do compromisso que assumiu. E os filhos têm direito a ter um pai e uma mãe.
Quando uma pessoa casada diz que encontrou outra pela qual se apaixonou e abandona tudo, estará a agir corretamente? Será legítimo um homem ou uma mulher, na primeira esquina da vida, romperem o contrato que assumiram com o cônjuge e dizerem: «Adeus, vou à minha vida»? E a outra pessoa não existe? Os direitos do outro cônjuge não interessam? E os filhos, se os houver, não contam para nada?
Eu sei que há separações e divórcios inevitáveis. Sempre houve. O problema é que essas decisões são hoje encaradas com enorme leveza e leviandade.
A frase «Vai onde te leva o coração» é elucidativa desta atitude. É uma frase bonita, poética, mas profundamente desresponsabilizadora, enganadora e egoísta.
A separação representa a destruição de uma família, em nome de sentimentos por vezes passageiros. Quantas famílias não foram destruídas em nome de amores efémeros?
A organização de qualquer sociedade começa na família: na proteção e entreajuda entre os seus membros, na estabilidade material e psicológica que ela permite, na educação dos filhos e nos valores que lhes transmite. É uma realidade forte, protetora, que não deixa o indivíduo só perante o Estado, e à mercê da sorte.
Foi a família que permitiu construir sociedades civilizadas, estruturadas e saudáveis, com valores e princípios. A destruição da família está a mergulhar-nos no abismo. A degenerescência dos valores, a que diariamente assistimos, é um sinal palpável desse fenómeno.
P.S. – Com um longo artigo publicado na última edição deste jornal, o general Carlos Branco respondeu a um texto em que eu lhe tinha apontado vários erros. Agradeço-lhe a atenção e o tempo que me dedicou. Mas lido o texto (e com pequenas alterações de semântica, como ‘edifício adjacente’ em vez de ‘ala’), reafirmo tudo o que escrevi, inclusive o ‘desaparecimento em combate’ do almirante Viktor Sokolov, que ingenuamente o general acredita estar vivo. Sem voltar à substância, faço-lhe apenas um reparo. A terminar o texto, o general diz que, se em vez de eu andar em Belas-Artes tivesse «batido com os costados na guerra» (sic), pensaria de modo diferente. Ora, pergunto: os generais-comentadores que vão à TV e ‘bateram com os costados’ na guerra colonial pensam todos como Carlos Branco? Ou, na sua esmagadora maioria, estão mais próximos da minha posição? Bastaria isto para mostrar que o general, na sua pressa em responder-me, não pensou duas vezes no que escreveu.