Há quinze dias prometi um novo artigo sobre o sistema eleitoral, questão absolutamente crucial do nosso tempo, em Portugal e na Europa, que os partidos teimam em adiar – com evidente prejuízo para a democracia. E que não se resume aos governos centrais. Veja-se o que se passa na CML, onde Carlos Moedas não pôde cumprir as promessas eleitorais, designadamente o fim da ciclovia na Almirante Reis, que foi a mais emblemática de todas as suas propostas e a que o levou ao poder.
Veja-se o que se passa nos Açores, onde Miguel Albuquerque ganhou as eleições com uma folgadíssima margem e só conseguiu formar Governo depois de uma aliança com o Chega, que nenhum dos partidos queria fazer (e que é muito frágil).
Veja-se o que se passa no Governo português, onde a coligação no poder está impedida de aprovar as suas leis e a oposição aprova aquilo que quer.
Veja-se o que se passa em Espanha, onde Sánchez governa de braço dado com o Diabo.
Olhe-se para o que se passa em França, onde houve eleições e não há hipótese de haver novo Governo.
Serão precisos mais exemplos?
Ainda não se viu tudo?
Numa Europa em guerra, onde deveríamos ter governos fortes e com capacidade de decisão, temos governos fracos e minados por dentro.
A ascensão da extrema-direita em quase toda a Europa tem que ver com este fenómeno.
Já vamos ouvindo falar em mudança do sistema eleitoral, mas o que me vai chegando é muito complicado. Temos de simplificar e não de complicar. Um sistema eleitoral tem de ser simples e facilmente compreensível pelos cidadãos.
Em crónica anterior, propus um modelo que pode ser resumido assim:
- Uma 1.ª volta em que concorrem todos os partidos (sem coligações oportunistas, só para efeitos eleitorais);
- Uma 2.ª volta a que só vão os 2 (ou 3) partidos mais votados;
- O vencedor da 2.ª volta conquista automaticamente a maioria (atualmente, 116 deputados); as outras cadeiras são distribuídas segundo os resultados da 1.ª volta.
Aplicando este modelo às últimas eleições, teríamos hoje no Parlamento a seguinte distribuição:
- PSD: 116 deputados; PS: 58 (tem hoje 78); Chega: 37 (tem 50); IL: 6 (tem 8); BE: 4 (tem 5); PCP e Livre: 3 (têm 4); CDS: 2 (tem 2); PAN: 1 (tem 1).
Como se vê, as forças relativas dos partidos manter-se-iam, e nenhum desapareceria; a diferença é que o Governo passaria a ter uma maioria para governar.
É uma proposta que todos os partidos poderiam subscrever.
Os pequenos não perderiam peso relativo, e os grandes teriam a expectativa de, caso vencessem as eleições, disporem de condições efetivas para exercer o poder.
Mas podemos pensar noutro modelo, semelhante ao inglês, que teria uma vantagem suplementar, de que já falarei. Consistiria na divisão do país em círculos mais pequenos, no qual em cada um se elegeria um deputado.
O deputado com mais votos seria eleito, os outros ficariam de fora.
Se reduzirmos o número de deputados para 150 (não são precisos mais), teremos 150 círculos, aos quais poderão concorrer todos os partidos e candidatos independentes.
Este modelo será mais difícil de aceitar pelos partidos mais pequenos, pois poderiam ser sacrificados; teria, porém, uma grande virtude: promover a regeneração do sistema político.
Em toda a Europa, os políticos estão muito desacreditados.
As pessoas não confiam nas suas promessas e a corrupção descredibilizou-os – confirmando a ideia de que usam os cargos para se servirem a si próprios e não para servirem o país.
O sistema político precisa de se regenerar.
Ora, um sistema eleitoral que aproxime os políticos dos cidadãos, que permita a eleição de pessoas conhecidas dos eleitores, eventualmente não inscritas em partidos, contribuirá para uma profunda reforma do sistema e do modo como as pessoas veem os seus representantes.
Os políticos passarão a ser vistos com outros olhos.
Eu preferiria este sistema: matar-se-iam dois coelhos de uma cajadada.Teríamos governos maioritários – e, ao mesmo tempo, uma regeneração profunda da classe política e do modo como a sociedade a vê. Mas se não quisermos ir por aqui, ao menos que se proporcionem ao Governo condições para governar. Como já escrevi, na situação atual só podem ser aprovadas as medidas populares – ou seja, que distribuem benesses e significam um aumento da despesa.
Os países (e também as regiões e as câmaras) precisam de executivos com autoridade.
Mudemos o sistema – antes que o sistema nos arraste a todos para o fundo.