Há pouco mais de uma semana, por entre os passeios no areal, mergulhos no mar e conversas com os amigos, assisti por acaso a um programa na RTP 3 – Fotobox – que aludia a uma exposição de um fotógrafo italiano, Fausto Giaccone, em exibição no Panteão Nacional. A reportagem fotográfica, de excelente qualidade, retrata a Reforma Agrária, tal como foi vivida pelas gentes do Couço, uma vila do município de Coruche.
Acompanhando as imagens surgem pequenos testemunhos de três habitantes, um dos quais da própria presidente da Junta de Freguesia, segundo a qual, não fosse a Reforma Agrária, todos passariam fome, ninguém teria tido trabalho nem possibilidade de receber o seu salário ou sequer proporcionar uma vida melhor aos seus filhos.
Num instante retrocedi a um outro verão quente, o de 1975, recordando as notícias que também na altura relatavam apenas um dos lados da história, o de quem, de forma arbitrária, ocupou herdades, casas e terras, tirando partido da cultura revolucionária que se instalara no país, instiga da pelo MFA, pelo PCP e outra extrema esquerda.
Aquilo que hoje aqui reporto são situações que me foram transmitidas por quem a elas assistiu e por elas passou e cujas marcas ainda hoje perduram. É um exercício de contraditório, uma outra perspetiva da Reforma Agrária:
• A ideia de que não haveria trabalho sem a dita reforma não corresponde à verdade – sempre houve trabalho e sempre foram pagos salários. Que as condições poderiam ser melhores, isso ninguém questiona;
• Propriedades rústicas foram alvo de ocupação selvagem, casas de família simplesmente saqueadas e pilhadas, algumas mesmo destruídas. Tal ocupação obrigou famílias inteiras a fugir das suas localidades de residência, perante ameaças e perseguições dos ‘revolucionários’;
• Os bens que existiam nas explorações, à data das ocupações, e que não desapareceram no imediato, foram desbaratados, destruídos e inutilizados;
• Quando, anos mais tarde, os legítimos proprietários receberam parte das suas terras – as chamadas ‘entregas das reservas’ – para além do pedaço que lhes foi devolvido, o restante estava quase todo destruído ou inutilizado, e os efetivos animais depauperados e reduzidos ao que não conseguiram levar;
• Cavalos foram roubados para venda em Espanha, com os proveitos a serem realizados por quem se encarregou do dito roubo;
• Bastas vezes, com a cumplicidade do Ministério da Agricultura, a ‘apropriação’ da cortiça dava origem a entregas, pelos chefes das cooperativas, de valores pecuniários sem qualquer controlo e bem abaixo dos preços correntes, permitindo-lhes ir enchendo os bolsos como queriam, prejudicando os trabalhadores e o Estado;
• Ainda sobre a cortiça, os lesados foram os legítimos proprietários das terras, que ficaram condenados a receber, anos mais tarde, um valor residual do que realmente essas cortiças valiam, a título das chamadas ‘indemnizações da reforma agrária’.
• Assassinato a frio de animais reprodutores de excelência, importados com o intuito de melhorar os resultados dos efetivos, abatidos com a justificação de serem dos ‘fascistas’;
• Resgate, pelo Exército, do Padre Soares de Campo Maior, de onde teve de sair dentro de um Chaimite, após ter sido ameaçado de morte pela recusa em celebrar as exéquias de uma mulher cujo caixão estava coberto com a bandeira comunista;
• Saneamento de pessoas que não comungavam das mesmas ideias do PCP e dos seus dirigentes locais. O farmacêutico e o médico de Avis só não foram linchados na praça pública porque a GNR escoltou a respetiva saída da vila, não antes de terem sido enxovalhados, ofendidos e perseguidos pelas ruas.
Em tempos de ‘reparações’ alegadamente devidas a terceiros, interrogamo-nos sobre o que pensará o nosso Presidente da República sobre estas ocorrências no seu próprio país, num passado bem menos longínquo.