Tenho dificuldade em compreender um modo de estar na política onde a concretização do essencial é substituída por um conjunto de promessas, expectativas, projetos vagos e eventos; muitos e grandes eventos.
No Portugal de 2024 em termos de poder autárquico, o essencial passa por garantir índices de limpeza e saneamento urbano absolutamente irrepreensíveis, segurança de proximidade, requalificação do espaço e património publico, apoio à habitação para quem não tem capacidade e apoio à fome e solidão. Estes são no entendimento que subscrevo os temas essenciais à gestão de uma autarquia onde, de modo sensato, o essencial e acessório estão bem identificados.
Para além dos aspetos mencionados sou, faz muitos anos, defensor de um modelo de simplificação e standardização processual. Simplificação por via da implementação de processos claros, simples e lógicos, no que á relação administrativa diz respeito, e standardização intermunicipal que mais não significa que qualquer modelo processual é exatamente o mesmo em qualquer município. A persecução destas duas condições contribuiria para uma maior rapidez e eficiência dos serviços públicos, autárquicos e de proximidade, bem como para uma maior facilidade de relacionamento processual com os munícipes, as empresas e as ONG’s. Para que isso aconteça é necessária vontade política por parte do Governo e uma liderança clara e assumida por um município de referência no que respeita à modernização e desenvolvimento de modelos processuais; o candidato natural deveria ser a Câmara municipal da cidade capital. No caso português, a Câmara Municipal de Lisboa.
É, contudo, absolutamente evidente que a Câmara Municipal de Lisboa não constitui um bom exemplo no que se refere à persecução das missões que enumerei e classifiquei de essenciais. Por outro lado, no que respeita ao tema do relacionamento administrativo também a Câmara Municipal mais importante do país, dá um exemplo de desorganização, atraso e desfoque no munícipe que não se coaduna com a visão e exigência da Europa contemporânea.
As dificuldades em distinguir o essencial do acessório não são, evidentemente, exclusivas de um conjunto alargado de decisores políticos autárquicos e estão presentes, faz demasiadas legislaturas, com grande intensidade cognitiva nos sucessivos governos que negligenciam a visão de futuro a várias décadas assim como os desígnios sociais e estratégicos de longo prazo no que ao civismo, meritocracia, coesão social e posicionamento económico diz respeito.
Portugal necessita de uma visão de longo prazo. Para a sua economia, para a sua coesão social e para o seu papel conciliador na geopolítica da atualidade. Portugal necessita de mais municípios bem geridos. Portugal necessita de um referencial de bom exemplo de inovação e desenvolvimento administrativo e precisa de ver a sua cidade capital como uma referência europeia nas práticas de bem fazer e de bem servir. A importância do exemplo que a Câmara Municipal de Lisboa pode dar ao país e à Europa é de tal forma relevante, que o tempo perdido nos vários mandatos autárquicos constitui um enorme ónus, não apenas para todos os indivíduos e organizações que com ela se relacionam, mas constitui uma perda maior pela falta de bom exemplo que contamine os municípios mais pequenos e o próprio Governo. Ser a cidade capital deve ser muito mais que uma classificação administrativa. Ser cidade capital confere uma responsabilidade idêntica à dos irmãos mais velhos; influenciar pelo bom exemplo.
Ao invés temos uma cidade capital suja, esburacada, poluída, de trânsito caótico e com a qual é dificílimo resolver problemas e avançar com processos. Uma cidade gerida por quem se congratula com a organização de eventos e festas internacionais. São importantes, mas ao nível do acessório. Falta o bom exemplo da cidade capital. Vai valendo a existência de alguns irmãos mais novos que se distinguem muito pela positiva…
CEO do Taguspark, Professor universitário