Os betinhos de Verão

Beto que é beto passa os dias de praia a perguntar pelos outros. Quem está, quem vem e com quem está. Isso e a comentar o tempo. O dia está ótimo ou péssimo. Sendo que ótimo quer também dizer que está ‘toda a gente’ na praia.

Salvador, Martim, Zé Maria, Matilde, Madalena, Maria do Mar, Constança, Assunção, Carminho. Os nomes e os fatos de banho denunciam o grau beto das crianças, pais e avós. Isso e o tom de voz, sempre alto e com uma entoação nasalada. Sempre foi assim e não há força da natureza, cultura woke ou crises sociais que eliminem o fenómeno. ‘Não seja maçador’, ‘Já falou a este tio?’, ‘Quer ir ao mar?’. Os betos não tomam banho no mar, vão ao mar. As crianças dos betos vendem pulseiras aos tios à entrada da praia e os avós, que até há pouco tempo eram os pais de fios de prata ao pescoço que se passeavam com os filhos vestidos com fatos de banho iguais, passeiam agora os netos também com fatos de banho iguais. Os fios de prata são outra marca distintiva. Beto que é beto tem fio de prata. As marcas dos fatos de banho das crianças mudaram mas as riscas e os quadradinhos a condizer com padrões de flores em tons de azul nas meninas, mantêm-se como símbolos. Os betos têm primos que não acabam. Se não são primos direitos, são filhos de primos direitos ou netos do primo da avó. Há um nome, formado algures num passado mais próximo ou distante, que os liga. No limite, os betos são todos da mesma mega família.

Beto que é beto passa os dias de praia a perguntar pelos outros. Quem está, quem vem e com quem está. Isso e a comentar o tempo. O dia está ótimo ou péssimo. Sendo que ótimo quer também dizer que está ‘toda a gente’ na praia. Os novos betos comem açaí em vez de bolas de Berlim e saladas de polvo em vez de caracóis. 

O roteiro beto de Verão divide-se em semanas e não em meses como os roteiros dos avós. Uma semana em Moledo, São Martinho ou Praia Grande, uma semana no Algarve e outra numa viagem ‘só nós’, sem social. Com jeitinho ainda passam pela Comporta, Vila Nova de Milfontes ou Porto Covo. A semana que sobra, está guardada para a ‘neve com o grupo com quem vamos desde sempre’. Há ainda os campos de férias católicos onde os filhos de betos vão em lágrimas conviver com os filhos dos outros betos que têm como animadores os filhos betos mais velhos. São uma espécie de iniciação à vida beta e, já agora, um empurrão na conversão. Os filhos mais velhos, os jovens e os adolescentes, têm o seu próprio roteiro: corridas de touros (quem disser touradas denuncia-se como não-beto), descer a Costa ou uns dias em São Martinho. Planear não é coisa de beto. O beto jovem está sempre pronto para ir onde está ‘a dar’, que é como quem diz, onde estão os outros betos.

Os jovens betos de Verão já não usam Paez, este ano são as Birkenstock – umas sandálias com duas tiras mas ‘verdadeiras’ –, ainda os fatos de banho DCK e T-shirts lisas. Fazer surf também já não é sinónimo de se ser beto, nem mesmo os protetores solares com cores. Um beto surfista pode ter cabelo cumprido, barba e até um aspeto duvidoso, mas só se distingue por não ter tatuagens.

Há lugares reservados aos betos nas praias, tipo clubes na areia. Percebe-se onde estão e quem são porque falam todos uns com os outros e agrupam-se por género: homens de pé à beira-mar com os braços cruzados em conversas só deles e mulheres agrupadas na areia em circulo em forma de radar. Ali combinam-se jantares, mede-se o pulso ao ambiente e atualizam-se sobre a vida de todos encostadas nas mega almofadas de praia. 

Mas ser beto de Verão é, antes de tudo, uma questão de atitude: descer à praia com confiança, arsenal de praia beto, uma fila de crianças atrás e começar logo a falar com alguém antes de montar o guarda-sol, é obrigatório. Quem percorrer este caminho sem qualquer interação, está morto. Não desceu à praia no sitio certo.