Crise instalada. Quebra de consumo, aumento dos custos e dificuldade em escoar stock

Estão criadas as condições para uma tempestade perfeita para os produtores de vinho. Mas apesar das dificuldades, ViniPortugal afasta a ideia de produção a mais. Já o Instituto do Vinho e da Vinha justifica, em parte, com mudanças de hábitos no consumo.

O setor do vinho está em crise. O consumo caiu e os produtores nacionais veem-se a braços com grandes dificuldades. Ao i, o presidente da ViniPortugal, Frederico Falcão, justifica esta quebra com uma combinação de fatores económicos, culturais e demográficos. “Em primeiro lugar, verificam-se mudanças nos hábitos de consumo em alguns países, com uma preferência crescente por outras bebidas, como cervejas artesanais, destilados e até bebidas sem álcool”, acrescentando que “as novas gerações tendem a explorar uma maior variedade de bebidas e não têm a mesma tradição de consumo de vinho que as gerações anteriores”.

O responsável aponta ainda o dedo à Organização Mundial de Saúde (OMS) por lançar “campanhas erráticas sobre os efeitos do álcool na saúde” que “têm levado muitas pessoas a reduzir o consumo”, enquanto, a nível demográfico, “as populações mais jovens, que tradicionalmente impulsionavam o consumo de vinho, estão em declínio ou são menos numerosas, enquanto as populações mais envelhecidas, grandes consumidoras de vinho, estão a consumir menos”.

Ao mesmo tempo, admite que o impacto económico é relevante: “O aumento do custo de vida, especialmente em períodos de crise económica com aumento das taxas de juro e da inflação, leva muitas pessoas a cortar em bens considerados não essenciais, como o vinho”.

Também o presidente do Instituto do Vinho e da Vinha (IVV) esta tendência crescente de consumo, lembrando que, segundo os dados da OIV, Portugal ocupou, em 2023, a décima posição no ranking dos maiores consumidores de vinho, a nível mundial, tendo-se registado um decréscimo (-9,8%) no consumo total anual: de 6,1 milhões de hectolitros o consumo total caiu para 5,5 milhões de hectolitros, no período homólogo. “Tanto na Europa, como em Portugal, apesar dos consumidores ‘seniores’ manterem um consumo de vinho com a sua relativa frequência histórica, os consumidores nas faixas etárias entre os 18 e os 34 anos preferem outro tipo de bebidas, em concreto: bebidas espirituosas e a cerveja, em detrimento do vinho”, refere ao nosso jornal Bernardo Gouvêa.

O responsável aponta também o aumento do custo de vida como outra das justificações para esta quebra, referindo que os consumidores “bebem menos vinho, porque não é um produto essencial e necessitam de alocar o seu rendimento disponível a outras necessidades (habitação, alimentação, entre outros)”. A somar a este problema há que ter em conta que, com a instabilidade geopolítica, alguns importantes mercados de exportação dos vinhos nacionais reduziram substancialmente, ou até mesmo terminaram, as suas importações. “O que impacta muito negativamente a capacidade de escoamento de todos os produtores nacionais, tornando-se a competição muito mais intensa, com pressão adicional sobre os preços de venda, nos mercados extremamente, já por si, competitivos e fragmentados”, afirma.

Excesso ou não de produção? Frederico Falcão afasta a hipótese de haver excesso de produção de vinho e refere mesmo que até se verifica o contrário. “A nossa produção de vinho é insuficiente para as necessidades, considerando o consumo em Portugal e as nossas exportações”. no seu entender, “o problema que estamos a viver prende-se com o excesso de importação de vinho a granel, que entra no nosso país com preços muito baixos. Havendo uma redução de importações, naturalmente que o mercado entra em equilíbrio”.

E lembra que, nos últimos anos, o setor vitivinícola tem ainda enfrentado um aumento muito significativo no custo da matéria-prima, como resultado de fatores como a inflação, o aumento das taxas de juro, o aumento dos custos de energia, transporte e mão de obra, e as disfunções nas cadeias de abastecimento. “Estes fatores têm pressionado os produtores, dificultando a manutenção da rentabilidade e a competitividade no mercado”.

Uma opinião partilhada pelo presidente do IVV. Bernardo Gouvêa refere que, nos últimos três anos, o setor tem-se deparado com aumentos de matérias-primas muito acima da taxa média de inflação, em particular, o aumento dos custos de embalagem: vidro cartão e papel, assim como o aumento dos custos dos produtos fitossanitários, na vinha. E dá um exemplo: “O custo das garrafas de vidro duplicou em 2021 e entre o final de 2022 e o ano de 2023, o aumento repetiu-se, nesta matéria prima, entre 20% a 40%. Muitos outros tipos de matérias primas, utilizadas na viticultura, aumentaram também significativamente”.

Concorrência de nuestros hermanos Um desses casos é Espanha. Ao que o nosso jornal apurou há muitos produtores nacionais a falarem em concorrência desleal. Confrontado com estas queixas, Frederico Falcão diz que as acusações refletem as preocupações com os preços mais baixos e as práticas de produção mais competitivas do país vizinho. Mas deixa um alerta: “Estas queixas apontam para a necessidade de uma regulação mais rigorosa no comércio transfronteiriço, mas também na rotulagem dos produtos. Muitos portugueses estão a consumir vinhos cuja rotulagem pode iludir sobre a origem do produto. Sendo importante ressalvar que é legal importar e embalar vinhos em Portugal, a questão da informação ao consumidor tem de ser garantida, deixando a escolha ao critério de quem adquire o vinho. O que não pode acontecer, e está a acontecer, é que muitos consumidores estão a ser iludidos quanto à origem do vinho que adquirem, pensando ser um vinho nacional, quando muitas vezes não o é”. E reconhece que, apesar da origem estar escrita na embalagem, muitas vezes surge de forma muito discreta, inserida numa embalagem que sugere a portugalidade do produto.

Também o presidente do Instituto do Vinho e da Vinha lembra que os vinhos, com origem em Espanha, são comercializados, em Portugal, a maior parte no formato “Bag in Box” (5 litros e 3 litros) e estão à venda nas grandes cadeias nacionais. Estão identificados na rotulagem quanto à sua proveniência, cumprindo com a regulamentação europeia, como ‘Vinhos da UE’, mas reconhece que são, em regra, os vinhos mais baratos. “No contexto do mercado único europeu, não é possível adotar medidas de restrição à livre concorrência dos produtos espanhóis no território nacional. Espanha é o maior fornecedor de vinhos a granel do mundo e exporta os seus vinhos a granel para todos os países produtores da Europa. O inverso também se verifica”.

Ainda assim, admite que o instituto está a trabalhar na possibilidade de tornar mais explícita e visível a menção na rotulagem, relativa à proveniência dos vinhos sem proveniência geográfica protegida, no quadro da regulamentação europeia e nacional. Já quanto à possível entrada de vinhos a granel de Espanha, de forma ilegal, em Portugal, Bernardo Gouvêa, afirma que o IVV “intensificou, junto dos organismos de fiscalização e controlo, modelos operacionais mais restritivos, com a consequente instauração aos infratores de processos de contraordenação”, salientando que não podem ser tornadas públicas essas contraordenações ao abrigo do Regulamento Geral da Proteção de Dados.