O 25 de Abril de 1974 aconteceu essencialmente pela vontade de terminar com a guerra colonial. Por motivos diferentes tanto as elites do pensamento progressista, democrático e inovador, como as famílias de classes operárias e populares detestavam a ideia da continuidade da guerra colonial. E porquê? As famílias estavam saturadas das mortes dos seus filhos numa guerra sem sentido. Com a revolução veio a muito ambicionada liberdade de expressão e um novo sistema político que consciente e justificadamente concentrou o poder nos partidos políticos. Na altura, essa concentração, fez muito sentido, nomeadamente para garantir uma evolução democrata na necessidade premente de transferência do poder do conselho da revolução, integralmente constituído por militares, para a sociedade civil. Os principais partidos políticos eram na altura liderados por uma qualidade intelectual de primeiríssima linha. Os líderes de então, Mário Soares, Francisco Sá Carneiro, Diogo Freitas do Amaral e Álvaro Cunhal eram figuras com história, currículo e inequívocas provas dadas da sua entrega às causas que empenhadamente defendiam. A título de comparação, e a esse propósito, importa refletir sobre o percurso dos herdeiros Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro, Nuno Melo e Paulo Raimundo (um livro? uma tese? uma causa? um quadro de honra? um quadro de mérito? um projeto ganhador? um qualquer impacto na qualidade de vida dos outros? ou um emprego na política?). Esta reflexão é central ao entendimento das causas da degradação da qualidade da democracia e consequente atraso e endividamento crónico do estado português.
O modo como os partidos controlam o funcionamento da democracia tem por base o tempo tumultuoso da década de 1970. Esse sistema não foi criado com mecanismos de garantia do mérito pessoal dos líderes, nem tão pouco com mecanismos de responsabilização dos eleitos perante os eleitores. Essas falhas, graves, no entretanto não reparadas tornaram-se a proteção dos herdeiros profissionais dos partidos. O controlo dos partidos herdados emana do controlo dos principais sindicatos de voto em compensação pela distribuição de lugares, eleitos e de nomeação. E assim se corroeu a meritocracia e a democracia.
Portugal vive numa partidocracia, fechada, controlada e controladora de epicentro num sistema eleitoral que obriga a que, com a exceção da eleição para a Presidência da República, em todas as eleições se vote em listas de candidatos praticamente anónimos atrás da figura de cabeça de lista (funciona assim nas legislativas, autárquicas e europeias), e que sejam os partidos, e não a sociedade civil ou os eleitores, a escolher os tais candidatos anónimos às dezenas de milhares de lugares eleitos. Se a essa parte juntarmos os milhares de lugares de nomeação para a administração publica, vemos bem a importância da pertença ao clube da partidocracia. Os partidos tornaram-se máquinas de distribuição de lugares onde a base de sustentação das lideranças assenta no poder e capacidade de distribuição, não no mérito. É essa cultura viciada que leva o líder do PSD a condicionar o apoio do partido a um futuro candidato presidencial oriundo dos quadros do partido. Um membro da partidocracia, também ele ou ela dependentes da distribuição do mais importante lugar que o partido se encarrega de assegurar. Neste clube fechado vive-se com a convicção, nomeadamente em tempo de exercício de poder, que o candidato apontado por Montenegro será candidato vencedor e dessa forma Montenegro assegura o controlo do futuro Presidente da República para as dificuldades que a frágil estrutura parlamentar em que o governo assenta, por falta de trabalho bem feito, irá vivenciar. Para o líder do PSD e atual primeiro-ministro, como muito bem aprendeu e praticou ao longo do seu percurso partidário, o controlo da distribuição de lugares e não a competência meritocrática, é a base de sustentação do poder.
Este sistema tem degradado a qualidade da democracia Portuguesa, contraria as ambições democráticas dos pais fundadores e está na base do atraso económico e endividamento crónico. Por esta e muitas outras razões, é de evitar a todo o custo que o próximo Presidente da República seja controlado pelo PSD ou pelo PS. l
CEO do Taguspark, Professor universitário