A Comissão Europeia ameaçou e concretizou: já começaram a ser aplicadas tarifas elevadas aos veículos elétricos a bateria (VEB) fabricados na China. Isto porque, segundo Bruxelas, a indústria automóvel está a ser “fortemente subsidiada na China e as importações de veículos elétricos chineses representam uma ameaça de prejuízo previsível e iminente para a indústria da UE”.
É preciso ter em conta, no entanto, que estas tarifas são provisórias durante pelo menos quatro meses, período em que se espera que esteja concluída uma investigação aos subsídios atribuídos pelo governo chinês. E os valores não são iguais para todos. Quer isto dizer que a Comissão Europeia vai aplicar uma taxa de 17,4% aos automóveis da BYD, 19,9% aos da Geely, e 37,6% aos da SAIC. Quanto aos outros produtores chineses, será aplicado um imposto de 20,8%. As empresas que não cooperem com a investigação ficarão com uma tarifa de 37,6%.
Em causa está essa mesma investigação, iniciada pela Comissão Europeia o ano passado – e que ainda não terminou – que tem como objetivo tentar perceber se os elétricos importados da China são ou não subvencionados pelo governo chinês, tanto ao nível do desenvolvimento como da produção. E tudo aponta para que sejam, o que colocaria os fabricantes europeus em grande desvantagem.
Paulo Monteiro Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, lembra ao i que a “indústria automóvel europeia, sobretudo alemã, é cada vez mais ameaçada pela forte concorrência dos fabricantes de automóveis chineses”, acrescentando que “a robusta, florescente e competente indústria automóvel chinesa promete crescentes dificuldades aos fabricantes ocidentais, sobretudo dos países com forte pendor exportador, como a Alemanha”.
O economista explica ainda que “nem todos os países com uma visível indústria automóvel são afetados da mesma maneira” e que as fabricantes francesas, “principalmente produtoras para o consumo interno, são menos penalizadas que a indústria alemã – a par do Japão, um dos maiores exportadores de carros desde os finais da Segunda Guerra Mundial”.
Ao nosso jornal, Paulo Monteiro Rosa adianta ainda que os custos mais elevados das fabricantes alemãs, “sobretudo salários mais altos, são um dos principais entraves à sobrevivência da indústria alemã num mundo automóvel cada vez mais dominado pela bem organizada indústria automóvel chinesa”. E deixa um exemplo: “Perante a perspetiva de menor procura por parte da Volkswagen, a fabricante germânica anunciou o fecho de duas fábricas na Alemanha. Desde a fundação da empresa há 87 anos nunca a construtora alemã encerrou uma fábrica em território germânico. A Volkswagen emprega 600 mil trabalhadores em todo mundo, dos quais 300 mil são na Alemanha”.
‘Tensões comerciais vão agravar-se’
O i tentou ainda perceber o que pode acontecer daqui para a frente tendo em conta que a China não achou muita piada à decisão da aplicação de tarifas na Europa. “As tarifas vão distorcer as cadeias de abastecimento automóvel globais e prejudicar os consumidores da União Europeia. Além disso, vão prejudicar o próprio processo de transformação verde da UE e a resposta global às alterações climáticas”, atirou o porta-voz da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma do país asiático, Li Chao. O responsável avisou que “o protecionismo comercial não é a saída” e que as tarifas “vão impedir o desenvolvimento saudável a longo prazo das empresas da UE”.
Já Paulo Monteiro Rosa não tem dúvidas de que as tensões comerciais “vão-se agravar e é a Europa que precisa de se reorganizar para responder cabalmente à emergente e muito competente indústria automóvel chinesa”, alertando que “há muito que a China deixou de ser um inofensivo produtor automóvel para o Ocidente, sobretudo para Europa”. Hoje, adianta, “a indústria automóvel chinesa está na vanguarda deste setor e a Europa, sobretudo a Alemanha como grande dominador da exportação de automóvel, a par do Japão, atrasou-se em relação à China”. E continua: “Os grandes exportadores mundiais de carros, a Alemanha e o Japão, têm agora um concorrente de peso, muitíssimo forte, a florescente indústria automóvel chinesa”.
O tema, ainda que de forma discreta, tem sido falado. A título de exemplo, Carlos Tavares, diretor-executivo da Stellantis, chegou a dizer que não fazer sentido os carros europeus pagarem até 25% de tarifas para poderem ser vendidos na China e, ao contrário, os veículos chineses serem taxados apenas a 10%.
O economista Paulo Monteiro Rosa adianta que “realmente, um tarifário mais igual pode parecer o mais adequado”. No entanto, admite que “é a indústria europeia, sobretudo alemã, como grande exportadora e suporte da economia germânica, que deverá o quanto antes redesenhar a sua competitividade, a sua capacidade de concorrer num mundo cada vez mais competitivo, nomeadamente da cada vez mais excelsa indústria chinesa”.
O economista diz ainda que “se algumas portas europeias forem fechadas à indústria automóvel chinesa, esta terá sempre o forte potencial de crescimento do sudeste asiático, do Médio Oriente, de África e da América Latina, enquanto a exportação das grandes fabricantes europeia, principalmente da indústria automóvel alemã, terá cada vez mais dificuldades nestas geografias cada vez mais importantes a nível global. É a indústria automóvel que tem um grave problema nas mãos e não são as tarifas que a vão salvar”.
Questionado sobre se se nota uma grande diferença entre a venda dos elétricos na China e na Europa, Paulo Monteiro Rosa é claro: “A indústria automóvel chinesa é atualmente muito mais competitiva do que qualquer outra geografia de forte tradição na produção de carros”.