De todo os atrasos, perdas de tempo, demoras e falhas de comunicação no inacreditável caso da fuga de reclusos de elevada perigosidade da cadeia de Vale de Judeus, há apenas um que teve uma justificação e que, diga-se o que se disser, foi virtuoso: os dias que mediaram entre os acontecimentos e o momento em que a ministra da Justiça falou ao país.
Sob fogo da Oposição, que logo saiu a terreiro e em peso exigindo explicações ao Governo e à ministra da Justiça, em particular, Rita Alarcão Júdice soube reservar prudente silêncio e aguardar pelo primeiro relatório das entidades competentes.
Primeiro, a ministra inteirou-se do que realmente se passou – e que não deveria ter-se passado –, depois analisou e ponderou os factos com a sua equipa e demais responsáveis que entendeu ouvir e, finalmente, tomou as decisões que considerou adequadas e comunicou-as a quem de direito, para, finalmente, falar aos jornalistas e ao país.
Rita Alarcão Júdice não precisava de justificar que não é seu «timbre» falar por falar ou fazer comentários na praça pública, sobretudo sobre assuntos com a «extrema gravidade» desta evasão de presos da cadeia de Vale de Judeus.
O que a ministra fez foi o que deve ser feito: agir com ponderação, mas com firmeza, sem contemplações e com racionalidade.
Tomou as medidas imediatas que devia ter tomado, incluindo a substituição do diretor-geral da Reinserção e dos Serviços Prisionais e a demissão também do subdiretor com o pelouro dos estabelecimentos prisionais, bem como a nomeação sem mais delongas da substituta de Rui Abrunhosa Gonçalves, deixando claro que «a recuperação da confiança no sistema prisional vai exigir a responsabilização a vários níveis» e que não hesitará em avançar com os «procedimentos disciplinares e penais» que se justificarem – deixando implícita a possibilidade de os reclusos evadidos terem contado com ajuda interna ligada aos serviços de segurança e de vigilância da cadeia.
Na conferência de imprensa, a ministra revelou que a auditoria preliminar ao sistema de vigilância e segurança, realizada pela Direção dos Serviços de Segurança da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), fala de uma fuga orquestrada, com tempo e com método, mas também conclui que a evasão foi fruto de «desleixo, facilidade, irresponsabilidade e falta de comando».
E, para que tudo não fique na mesma, Rita Alarcão Júdice anunciou ainda uma auditoria urgente aos sistemas de segurança dos 49 estabelecimentos prisionais do país, a concluir até ao final do ano, e uma outra ‘auditoria de gestão’, com prazo mais dilatado, para avaliar a organização e afetação de recursos da DGRSP e de todas as prisões. Na sequência das quais, espera-se, tomará as decisões necessárias à não repetição das falhas que agora se verificaram em Vale de Judeus e contribuíram para o sucesso desta fuga de presos e, bem assim, à recuperação da confiança no sistema prisional.
Rita Alarcão Júdice também lembrou, e frisou, as «decisões erradas ou ausência de decisões nos anos mais recentes».
Ou seja, não deixou de referir que também há responsabilidades e responsáveis políticos em todo este lamentável caso, por ação e por omissão.
De facto, a falência de resposta do sistema de segurança e de vigilância da cadeia de Vale de Judeus, que permitiu a fuga destes cinco perigosos reclusos, está longe de ser um facto isolado.
Infelizmente, o desleixo, as falhas graves, as facilidades, irresponsabilidades ou falta de comando não são exclusivas dos serviços prisionais.
Basta lembrar o caso do roubo de material de guerra dos paióis de Tancos, em 2017, que trouxe à luz do dia as insuficiências e debilidades gravíssimas nos sistemas de vigilância e de segurança na Defesa Nacional.
Com as devidas diferenças, o caso do assalto de Tancos e esta fuga da prisão de Vale de Judeus são em muito semelhantes.
Ambos confirmam o estado de degradação a que chegou o Estado no cumprimento das suas funções mais básicas.
E se é assim em matéria de defesa e de segurança, o mesmo acontece na saúde, com o colapso do SNS, na educação, nos tribunais e por aí fora.
Está à vista de todos e é sentido por toda a gente.
E é o resultado de décadas de más políticas (por ação ou por omissão), de má gestão e de falta de comando, além do desinvestimento em tudo o que são funções públicas.
As causas, os erros estão todos identificados e o maior de todos é a sempre adiada reforma da Administração Pública.
A guerra na Ucrânia não veio ajudar nada, é um facto. Como a pandemia só agravou. Mas os quase dez anos perdidos pelos Governos de António Costa foram fatais.
O Estado tem as contas certas – e ainda bem – mas tem-nas à custa da falência de todos os seus serviços, incluindo os mais básicos.
E é muito por isso que casos como este da evasão de Vale de Judeus vão acontecendo, como só deviam acontecer nas histórias aos quadradinhos.