No artigo de Junho passado referi expressamente que o Manifesto dos 50, que pelos vistos tem crescido em progressão geométrica, representava uma manifesta tentativa de controlo político do Ministério Público (MP), prontamente acolhida pelo Presidente da República ao receber os seus subscritores. No artigo do mês seguinte referi ainda que o referido Manifesto pretendia criar na justiça o ambiente tétrico adequado para legitimar a escolha como PGR de alguém que não assegure a autonomia do Ministério Público perante o poder político.
Esta semana essa análise foi plenamente confirmada com a indicação pelos subscritores do Manifesto de dez critérios para a escolha do próximo PGR. Ou seja, os referidos subscritores, quase todos actuais e antigos políticos, querem interferir na escolha do PGR que, nos termos do art. 133º m) da Constituição compete exclusivamente ao Presidente da República, sob proposta do Governo.
Os dez critérios apresentados permitem ver claramente que se pretende a escolha como PGR de uma personalidade dócil, que obedeça aos políticos, pondo assim em causa a autonomia de que goza o Ministério Público, nos termos do art. 219º, nº2, da Constituição.
É por isso que os subscritores do Manifesto propõem que a personalidade a escolher «compreenda a necessidade de uma reforma da Justiça (…) e compreenda a importância, no contexto de tal reforma, de uma melhoria substancial do quadro legal e organizacional e do padrão de atuação do Ministério Público» (critério 2). Ou seja, o novo PGR deveria aceitar a alteração do quadro legal e organizacional e até de actuação do MP. Teríamos então um PGR encarregado de executar uma reforma do MP pretendida pelos políticos, talvez sendo isso que a ministra da Justiça queria dizer quando referiu que o novo PGR tem que «pôr ordem na casa».
Para além disso os subscritores do Manifesto propõem que a personalidade a escolher «compreenda, aceite e valorize os contributos e sugestões provenientes dos meios profissionais, da academia, das forças políticas e sociais, da opinião pública e do conjunto da sociedade civil, como propostas inteiramente legítimas, válidas e úteis para a reforma necessária» (critério 3). Ou seja, para o caso de os subscritores do Manifesto não ficarem satisfeitos com a reforma da Justiça proposta pelos políticos, eles próprios se encarregam de apresentar «contributos e sugestões» que o novo PGR deve naturalmente compreender, aceitar e valorizar como propostas legítimas, válidas e úteis (independentemente de quais sejam).
E propõem ainda que a personalidade a escolher tenha «a cultura da prestação de contas» (critério 7), provavelmente para explicar adequadamente em que termos efectuou a reforma do MP que lhe exigiram ou a forma como acatou os contributos e sugestões apresentados.
E finalmente, antevendo já a possibilidade de não se encontrar nenhum magistrado do MP disposto a fazer esses fretes ao poder político, os subscritores do Manifesto referem ainda que o novo PGR pode e deve «se essa for condição necessária ou favorável de independência pessoal, ser oriundo(a) de fora daquela magistratura».
Esta semana foi divulgado o Barómetro da Corrupção que refere que 51,3% dos portugueses considera o combate a este fenómeno nada eficaz e reparte as responsabilidades, por ordem decrescente, pelo poder político, pela sociedade civil e pela justiça. A fuga de cinco criminosos perigosos de uma cadeia demonstrou que as nossas prisões estão presentemente em colapso. E o país arde, devido à incapacidade de combater os fogos. Mas o que os subscritores do Manifesto dos 50 nos apresentam é um roteiro para o controlo político do MP. Vamos ver quem aceita ser o actor principal desse filme.