Escolheu como lema para a sua liderança ‘Orgulho em ser Maçom’ e acabou de lançar o livro ‘A Palavra ao Grão-Mestre’…
Este lema impunha-se enquanto instituição maçónica regular que é diferente de todas as outras. Viemos do GOL [Grande Oriente Lusitano], em 1984, com a vontade de recuperar a regularidade em Portugal, porque não existia, tinha sido perdida. Houve, nessa altura, a saída de um grupo significativo de membros que tinha como objetivo principal a criação da Grande Loja Regular de Portugal. O processo não foi fácil, no início, mas acabou por se consumar em 1991. Quando tomei posse, e já tinha isso no meu programa, achei que era muito importante voltarmos a sentir, por um lado, o que é ser maçom, mas, por outro lado, também o que é ser maçom regular. E nada melhor do que reafirmar este nosso orgulho em pertencermos a uma instituição como a Grande Loja Legal Regular de Portugal.
Era necessário reafirmar esse orgulho?
Considerei, na altura, que havia irmãos, membros que não tinham percecionado bem o papel do maçom, aquilo que se espera do maçom e qual o seu papel na sociedade. O meu principal objetivo era trazer um ânimo novo e dizer que nos devemos assumir com orgulho para depois dizer aquilo que se pretendia fazer que era termos uma maior abertura à sociedade.
A Maçonaria foi sempre acusada de estar envolvida em secretismo…
Exato, mas que não existe. No livro falo em discrição e não em secretismo. Está tudo na internet, até os rituais. Temos realmente uma prática ritualística própria dos maçons e que é conhecida só dos maçons que a praticam, porque uma coisa é termos acesso a um ritual a um determinado grau, outra é a prática desse mesmo ritual, que é completamente diferente. Não é a mesma coisa ler e depois praticar, até porque ao ler ficamos com muitas dúvidas. Também se utiliza, às vezes, uma linguagem mais encriptada, porque não temos de revelar todas as partes significativas e importantes dos nossos rituais. Portanto, senti que era importante abrir a Maçonaria à sociedade para dar uma ideia clara do que somos enquanto maçons regulares. Sempre que se fala de Maçonaria fala-se em termos muito globais e não se tem em conta as especificidades de instituições que são diferentes, caso contrário teríamos continuado juntos. E não continuámos juntos porque tínhamos de traçar um caminho diferente, que era seguir o caminho da regularidade. Também fizemos uma tentativa de falarmos sobre nós, mas de forma aberta, de forma tranquila e muito esclarecedora para que ajudasse a mudar esta perceção errada que têm de nós.
Com essa abertura há menos curiosidade sobre a Maçonaria?
É curioso esse fenómeno, porque até está em contraciclo com o que tem acontecido no resto da Europa, países em que a democracia e os seus poderes aceitam perfeitamente a Maçonaria. Temos vindo a crescer e acho que criámos uma vontade de adesão maior com esta abertura e basta dizer que neste período dos dois mandatos quase que aumentámos cerca de dois mil membros e em número de Lojas também crescemos muito.
Tem quantos membros?
Temos cerca de quatro mil e 156 Lojas espalhadas pelo país, incluindo Madeira e Açores. Também temos uma Loja na Guiné-Bissau, que está sob a nossa jurisdição, duas em Cabo Verde, duas em Angola, uma em São Tomé e Príncipe e ajudámos a consagrar a Grande Loja de Moçambique. Temos ainda uma loja em Macau, se calhar despertámos nas pessoas a vontade de aderirem aos nossos princípios e aos nossos valores, é isso que nos interessa.
Continua a haver resistência à entrada das mulheres…
Não é resistência e para nós não é um tema tabu, falamos com muita abertura. Ainda recentemente, num debate em que participei com o Grão-Mestre do GOL, em que estavam presentes algumas mulheres pertencentes à Grande Loja Feminina de Portugal, esse tema foi colocado mais do que uma vez, onde disse que respeito o trabalho delas, mas temos este caminho que tem a ver com regularidade e que é um caminho de manter a Grande Loja masculina.
Essa ideia de abrir as portas às mulheres chegou a ser posta em cima da mesa nas eleições do GOL…
Falou, mas não conseguiu operacionalizar essa ideia, porque vai também encontrar resistência até do lado da Grande Loja Feminina de Portugal, que também não quer aceitar homens.
Chegou a falar-se que a Regular terá recebido maçons vindos da GOL por ser interdita a entrada de mulheres…
Não sei se foi por isso mas houve um número significativo de adesões de membros que estavam no GOL e que hoje estão connosco. Porquê? Porque entre os aspetos mais importantes que nos distinguem de outras instituições ou ordens maçónicas é o facto de termos uma crença. Acreditamos num ser superior. Temos de acreditar. Ou seja, não aceitamos nem agnósticos, nem ateus, mas aceitamos de todas as fés. Têm de ter uma fé.
A ideia que temos é que os maçons estão de costas voltadas à religião…
Não estamos de costas voltadas à religião, até pelo contrário, achamos que um bom maçom pratica a sua religião. Por exemplo, na Guiné-Bissau, temos muitos muçulmanos que se sentam ao lado dos católicos e dos protestantes. Historicamente, está demonstrado que houve uma série de mal entendidos, de precipitações que conduziram ao ponto em que falam de uma certa incompatibilidade com a religião. Por exemplo, a religião católica e a Maçonaria. Não sinto que haja essa incompatibilidade, temos muitos católicos e temos ritos que têm uma componente cristã maior, outros ritos que são mais neutros, mas não deixamos de trabalhar à honra e à glória do Grande Arquiteto do Universo, o Deus Criador, onde conseguimos abranger e juntar a fé de cada um. Daí referir dois ou três aspetos no livro que eram importantes: a questão do segredo, a questão da nossa relação com a política e a questão da relação com a religião. Não temos nada contra a religião e não queremos contrariar nada daquilo que é a crença individual de cada um. Esse é um dos critérios da regularidade e em Loja somos aconselhados a não ter discussões sobre temas políticos e religiosos, porque é uma forma que encontramos de manter a paz e a harmonia, já que esses temas são sempre mais fraturantes e podem levar a extremismos. Depois, fora da Loja podemos ter as nossas discussões, os nossos pontos de vista. Aliás, tenho citado muito ao longo destes anos o Papa Francisco, porque me revejo de alguma forma naquilo que é que a sua forma de estar.
Escreveu-lhe uma carta…
Exatamente, que teve a resposta que teve, o que é inconciliável. Mas terá tido sido respondido pelo secretário do Vaticano que certamente não ouviu o Papa Francisco, porque, como todos recordamos, quando esteve aqui nas Jornadas da Juventude disse que a Igreja era para ‘todos, todos, todos’ e nós fazemos parte desse todo.
Pode haver uma convergência saudável?
Pode e deve haver. Um bom maçom pode ser ainda um melhor fiel, se quisermos utilizar esta palavra da religião que ele professa.
Diz no livro que quer deixar um legado espiritual e que nunca se desviou do objetivo, mesmo nas decisões mais difíceis. Que decisões foram essas?
Tivemos decisões muito difíceis e a mais difícil de todas e que também está no livro foi a questão da pandemia. Foi tremenda para nós, porque vínhamos desde o início do meu mandato num crescendo de aceitação, de compreensão e inclusive de participação na sociedade com vários eventos e de repente parámos todos, sem saber qual o caminho. Tivemos de fechar os nossos templos que para nós são muito importantes porque é onde a Loja pratica o seu ritual, onde reina a união entre todos os irmãos e onde está muito patente a fraternidade. Nessa altura, encontrei uma alternativa que não era totalmente aquilo que gostaria, mas que me permitiu estar 365 dias por ano virtualmente com os meus irmãos, promovendo reuniões, conferências, debates e troca de impressões. Consegui manter a ligação e foi assim que passámos o período muito difícil da pandemia, porque essa espiritualidade que defendemos e que praticamos sente-se muito dentro do templo: o abraço fraterno é fundamental para nós. Temos de sentir que estamos juntos uns dos outros e quando nos abraçamos fraternalmente sentimos que estamos com alguém que tem os mesmos ideais, que defende os mesmos princípios e os mesmos valores
A internet não compensou o fecho dos templos?
Não porque não fizemos sessões ritualísticas. A única coisa que fizemos foi promover encontros, em que via a cara dos membros, perguntava como estava a família e no olhar deles via a vontade de voltarmos a estar juntos. Felizmente isso veio a acontecer mais tarde e coincidiu com o meu segundo mandato de Grão-Mestre, em 11 de setembro 2021. Mas até lá, vivemos momentos angustiantes e isso até prejudicou o nosso crescimento, porque depois o que é que tivemos a seguir? Irmãos com mais idade, com alguns problemas de saúde tinham receio de sair de casa e de vir para um espaço. Aliás, chegámos a perguntar, tal como outras instituições terão feito, se nos podíamos voltar a reunir. Somos cumpridores das leis do Estado e foi nesse sentido que escrevi à DGS a dizer que tínhamos esta atividade e a perguntar o que poderíamos fazer num momento ainda de alguma indefinição, mas nem sequer nos respondeu. No entanto, assim que tivemos oportunidade fomos recuperando outra vez a nossa atividade nos templos. Todos os dias há uma sessão à noite, a partir das 19h/19h30, onde temos a possibilidade de nos encontrarmos e de estarmos juntos. Muitas intervenções que faço e que foram publicadas no livro são feitas no âmbito dos equinócios e nos solstícios que festejamos, ou seja, são momentos muito importantes, são efemérides que queremos festejar e viver e estas comunicações internas que faço têm sempre uma componente social, espiritual, mas também de preocupação relativamente aquilo que são os grandes problemas do mundo. Por exemplo, o problema das migrações, o problema do aquecimento global. etc. Felizmente tive o privilégio durante estes mandatos nunca ter menos de 800 membros irmãos presentes e depois da pandemia a vontade de participar ainda foi maior. Isso também nos ajudou a crescer e temos vindo a crescer de forma muito sustentada. Acho que estamos no bom caminho.
Em relação à política. Há quem diga que pertencer à Maçonaria é uma forma de fazer lóbi…
Tenho um capítulo que aflora a nossa relação com a política. Não fazemos lóbi. Primeiro, enquanto Grão-Mestre tenho conhecimento que temos membros de todos os quadrantes políticos, mas não sei quem são, nem me interessa saber porque não é essa a condição para serem admitidos na Grande Loja. Depois não praticamos lóbi. Se me perguntar, numa perspetiva diferente se tenho uma necessidade ou se preciso de resolver um problema e se tenho alguém que é meu irmão que pode resolver esse problema claro que vou recorrer a ele, mas fazer lóbi para beneficiar alguém junto de instâncias, sejam elas quais forem, não fazemos porque somos respeitadores das leis do país. Pelo menos, posso responder pela Grande Loja e nesta não há lóbi. Há, sim, essa possibilidade de satisfazer uma necessidade através de alguém que é meu irmão e, como tal, tenho mais confiança nessa pessoa.
Fala-se, por exemplo, que há vários ministros maçons, incluindo o primeiro-ministro…
Não é verdade. O próprio primeiro-ministro disse que não era maçom quando foi questionado sobre isso, mas não fazia mal ser maçom, acho que até lhe fazia muito bem porque esta também é uma escola de valores e princípios e os políticos, às vezes, vivem tão intensamente a política, vivem no frenesim político e esquecem-se muito daquilo que é importante. Trabalhamos o homem, tanto no nosso aperfeiçoamento para depois transportar para a sociedade aqueles valores e aqueles princípios, através das nossas ações. Por isso, acho que alguns políticos faziam bem ser maçons. Se calhar, há um ou outro político que terá essa ideia de que pertencer à Maçonaria pode vir a ter uma ascensão política maior.
Poderá, por exemplo, facilitar a abertura de portas, nomeadamente no mercado de trabalho ou nas empresas?
Não vai facilitar, porque não utilizamos estes métodos. Nós, internamente, na Grande Loja não usamos disso, temos consciência daquilo que é nossa principal responsabilidade. Naturalmente que a solidariedade para nós é fundamental, mas é para ajudar os irmãos em dificuldade, para nos ajudarmos internamente em dificuldade, não para fazer este tipo de coisas.
A Assembleia da República tentou fazer várias alterações ao regimento…
Tentou e chocou-me. Foi também um momento marcante do meu mandato e chocou-me profundamente depois do que tinha acontecido com a Lei Cabral, em 1935. Um artigo do próprio Almeida Santos, então presidente do PS, dizia que esse tipo de coisas era uma atitude salazarista. Não gosto de utilizar estes termos, mas foi ele que o disse. Em 1935 também Fernando Pessoa, assumindo claramente que não era maçom, defendeu a Maçonaria e os maçons. Quando sou confrontado com essa situação da declaração de pertença a entidades ditas secretas pasmei-me. E tomámos a iniciativa de, pela primeira vez em 30 anos, tomar uma posição pública que nunca tínhamos tomado sobre questões da política e solicitámos ao Parlamento que nos recebesse para tentar explicar quem somos, o que fazemos e o que pretendemos fazer. E acabou por haver uma espécie de participação coletiva de todas as principais potências maçónicas em Portugal, em que estivemos todos no Parlamento a defender as nossas posições e onde tive a oportunidade de dizer que não esperava, nem me passaria nunca pela cabeça ter de estar ali a defender algo que tem a ver com as nossas convicções filosóficas e espirituais. Isso, do meu ponto de vista, é uma violação da própria Constituição da República. Porque nós, no fundo, o que temos são convicções. E no caso da Grande Loja Legal e Regular de Portugal temos convicções filosóficas e espirituais. Cheguei a escrever uma carta ao Presidente da República que está no livro e fiquei com a ideia que percebeu bem a dimensão da nossa posição enquanto violação das nossas convicções filosóficas e espirituais.
Acredita que poderá haver um virar de página?
Deveria haver um virar de página. Franco, em Espanha, perseguiu e matou muitos maçons, mas há cerca de dois anos foi publicada no Senado espanhol aquela célebre lei da memória que veio defender todas as instituições que foram alvo de perseguição, inclusive a Maçonaria. Em Portugal, em vez de seguirmos esse caminho, optámos por outro que parece uma perseguição. Tive dois momentos francamente marcantes nos meus mandatos. O primeiro relacionado com a pandemia e depois este. Já agora, em relação à pandemia achei genuinamente que o mundo ia ficar melhor face à privação que tínhamos passado e acreditava que ia despertar em nós mais a fraternidade, mas acima de tudo, a questão dos afetos. Os afetos são fundamentais com a nossa família, com os nossos amigos, a preocupação com o outro, mas não.
Parece que as pessoas ficaram mais egoístas…
Exatamente, por isso acho que a Maçonaria Regular Portugal tem cada vez mais um campo importante para trabalhar a pessoa individualmente para que depois possa ser um agente transformador da sociedade e dos princípios que devem reger a humanidade, no sentido da defesa da vida e de tudo aquilo que tem a ver com a humanidade.
Sente que a Maçonaria tem vindo a perder peso nos últimos anos?
Não sinto, até pelo contrário. Agora, se me perguntar assim: faria sentido ou não que os maçons participassem e fossem convidados a participar em determinados efemérides nacionais, nomeadamente nas comemorações do 25 de Abril? Faria sentido, mas não somos convidados porque têm receio. E o 25 de Abril para nós foi marcante. Se não tivesse havido o 25 de Abril ainda hoje estávamos na clandestinidade. Eu assumo a minha condição em tudo o que é sítio.
Há muitos que preferem o anonimato…
Porque têm receio de ser perseguidos ou prejudicados na sua vida ou na sua atividade profissional. Isso também é grave e o apelo que faço internamente e de forma reiterada é que aqueles que puderem fazer devem assumir a sua condição. Não temos nada a esconder, mas com isso não quero dizer que vá explicar como é que se faz um determinado rito, uma cerimónia de iniciação de passagem de companheiro ou de elevação ao Mestre que são os três graus que temos na Maçonaria. Mas é pena que mais não se assumam. Temos individualidades que tiveram nas linhas da frente de tudo: dos direitos humanos, da escravatura, da emancipação da mulher. Houve muitos maçons que desencadearam esses processos, que são conhecidos e que foram referências. Não nos podemos esquecer que o SNS se deve a Arnaut, que era maçom assumido.
Disse que conta com cerca de quatro mil membros e que é preciso cumprir várias condições para poder entrar…
O maçom normalmente entra por convite, somos nós que convidamos.
Não vêm bater à porta?
Aí também houve uma evolução Ainda há dias achei curioso que alguém me contava que veio de táxis para aqui e que o taxista disse que vinha para a Maçonaria e que gostava de pertencer. Se as pessoas vierem bater à porta naturalmente que a abrimos. Aliás, o nosso museu está aberto diariamente entre as 14h30 e as 17h30 e quem quiser visitar pode vir. Por isso, temos essa noção e abertura, agora há um processo para ver se reúne as condições para ser admitido. Não andamos atrás de ninguém, mas se baterem à porta nesse sentido ou se enviarem um email a dizer que querem pertencer avançamos com um processo de seleção rigoroso, naturalmente. Às vezes enganamo-nos, mas isso faz parte da vida. Mas normalmente, como disse, é por convite. Posso convidar um familiar, um amigo, um colega de trabalho. Tenho vários amigos, vários membros da Grande Loja que conheci há muito tempo em fases distintas da sua vida. Somos uma instituição do bem porque não transformamos um homem mau num homem bom, mas tentamos transformar um homem bom num homem melhor.
Depois de seis anos ficou alguma coisa por fazer?
Fica sempre. Gostava muito de ter lançado as bases da Casa do Maçom – tal como existe nas grandes lojas dos Estados Unidos -–porque via-me um dia mais tarde a estar numa casa dessas. Um espaço também de convívio e um templo onde pudéssemos de vez em quando praticar o nosso ritual. Também gostava que esta lei que foi aprovada tivesse sido revertida. Fiz um apelo nesse sentido, mas ninguém tem muita vontade política de o fazer, porque acham que isto da Maçonaria é melhor não mexer, não falar muito e que é tudo muito estranho.