Habitação. Turismo não é grande responsável pelo aumento de preços

Portugal é atrativo para os estrangeiros pelo clima ou pelos preços. E são cada vez mais os que cá compram casas. Mas o turismo e o interesse estrangeiro não são os principais causadores do aumento dos preços na habitação, garante setor.

É certo que os preços das casas continuam a aumentar de ano para ano, a par do turismo. E facilmente se encontram relações entre estes dois crescimentos. Mas estará mesmo o aumento do turismo a fazer crescer o preço das casas? Mediadores e consultores consultados pelo i acreditam que tem algum impacto, mas muito subtil. Ou seja, não é o turismo que está a fazer os valores da habitação crescer.

André Casaca, consultor e promotor imobiliário é da opinião de que o turismo “terá impacto caso exista escassez de oferta habitacional”, acrescentando que “existe sempre alguma correlação entre subida de preços das casas quando falamos de cidades com forte procura turística e habitacional”. Ao nosso jornal, explica ainda que, “do ponto de vista ‘físico’, Lisboa e Porto não podem crescer as suas zonas mais centrais e históricas, que são aquelas que atraem mais turistas. Como tal, é normal que nessas zonas em particular o valor do terreno suba e consequentemente, o valor do imobiliário também”.

Por outro lado, acrescenta, “se não fosse o turismo, as cidades continuavam abandonadas e degradadas e o património desvalorizado”. “Note-se que os cascos históricos das cidades portugueses estavam totalmente ao abandono antes de Portugal se tornar mais relevante no radar do turismo mundial”.

Por sua vez, Ricardo Sousa, CEO da Century21 Portugal defende que há fatores que pesam muito mais no preço das casas que o turismo. “Um deles é o investimento feito pelas autarquias na regeneração urbana, criando e melhorando as zonas e os equipamentos públicos, um investimento que melhorou a qualidade de vida das pessoas em muitos dos bairros de Lisboa e do Porto. Naturalmente, este investimento acabou por também valorizar o património das famílias que eram proprietárias de imóveis nessas zonas”, diz ao nosso jornal, acrescentando que também é preciso ter em conta “o investimento privado na reabilitação urbana, transformando edifícios com poucas ou nenhumas condições de habitabilidade em edifícios energeticamente mais eficientes, com condições de habitabilidade para pessoas com mobilidade condicionada, nomeadamente idosos. Esta transformação do parque habitacional valorizou as casas porque comparamos imóveis usados com imóveis reabilitados”.

Um outro fator que Ricardo Sousa defende como importante em cidades como Lisboa e Porto é que são “cidades com limitações geográficas, são territórios pequenos onde o valor dos terrenos é naturalmente alto. A isto temos de somar o facto de os planos diretores municipais estarem desatualizados face à evolução sociodemográfica destas duas cidades”.

Também Rui Torgal, CEO da ERA, afasta a hipótese de o turismo ser uma das principais justificações para o aumento. “O preço médio das casas em Portugal, de facto, continua a aumentar, mas não creio que essa subida tenha no turismo a sua principal causa. Mas vamos por partes”, começa por dizer o responsável, lembrando que “a principal explicação para este crescimento ininterrupto dos preços está relacionada com o desequilíbrio existente entre a acentuada procura e a limitada oferta existente no mercado nacional. É um problema de há duas décadas a esta parte, quando praticamente deixou de haver construção nova, e agora demorará alguns anos a resolver”.

Adicionalmente, continua, “o setor tem vindo a evoluir positivamente, sobretudo desde o 2º semestre do ano passado. E, em 2024, esta tendência tem-se acentuado de forma significativa”. Por isso, na opinião de Rui Torgal, “este cenário deve-se ao contexto macroeconómico internacional. A incerteza que dominou o arranque de 2023, com a guerra na Europa que levou ao disparar da inflação e das taxas de juro, contribuiu naturalmente para uma contração no consumo, que teve efeito imediato no imobiliário”. “Contudo, a estabilização verificada na 2ª metade do ano, apesar do eclodir de mais um conflito bélico, trouxe uma redução da inflação e uma consequente descida das taxas de juro, o que se traduziu em maior confiança e dinamismo no mercado. Ou seja, a procura voltou novamente a crescer e a oferta mantém-se praticamente igual”, explica.

Por sua vez, Beatriz Rubio, CEO da Remax Portugal, é perentória: “Em qualquer lugar do mundo, uma maior procura de um bem exerce uma maior pressão sobre os preços, estimulando os aumentos”. No entanto, “se de facto os preços aumentam depende de diversos fatores, designadamente da existência de alternativas ou simplesmente do volume da oferta. Ora, no caso das casas em Portugal, o principal motivo é a escassez da oferta, reforçado pela fraca concorrência do mercado de arrendamento”. Assim sendo, defende que “o aumento do turismo em Portugal nos últimos anos trouxe muitos investidores e algumas famílias interessadas, mas não podemos esquecer que é uma procura específica de determinados tipos de casas e em determinadas zonas”.

A culpa não é do turismo Questionado sobre se concorda com a narrativa segundo a qual o turismo e os estrangeiros são responsáveis pelos aumentos dos preços das casas em Portugal, André Casaca não concorda, até porque, reforça, “existem vários fatores que influenciam o aumento dos preços das casas muito mais preponderantes do que ‘o turismo e os estrangeiros’”, como é o caso da “carga fiscal associada ao setor da construção, tempo de licenciamento, escassez de terrenos urbanos nas zonas onde as pessoas querem viver, falta de produtividade e eficiência do setor da construção, etc”.

E Beatriz Rubio explica que o aumento dos preços das casas se deve a “um conjunto de fatores, sendo os principais a escassez da oferta, quer em quantidade quer em diversidade, e a fraca alternativa do mercado de arrendamento. Em muitas zonas do país, não há simplesmente casas para arrendar, pelo que a aquisição é a única via. Ou seja, o aumento do turismo e dos estrangeiros está longe de ser a razão primordial para as subidas dos preços”.

Uma opinião partilhada por Rui Torgal: “Por muito que o turismo tenha criado alguma pressão nos preços do imobiliário, sobretudo nos grandes centros urbanos, o principal motivo para o que temos vindo a assistir de há vários anos a esta parte é outro e já o referi acima: temos falta de construção nova em Portugal”.

Preços afastam portugueses da compra? O i tentou ainda perceber se os elevados preços das casas – que teimam em não baixar – afastam os portugueses da compra. A opinião parece ser unânime: não.

André Casaca explica que, “se atentarmos ao rendimento médio das famílias portuguesas, a partir de um determinado patamar de preços, fica mais complexo a obtenção de crédito”. Na sua opinião, “ainda que a cultura portuguesa seja muito de compra uma vez que não temos mercado de arrendamento, acredito que os portugueses continuam a querer comprar sobretudo nas zonas onde a oferta é inelástica e os preços são mais elevados”. E atira: “É preciso ter em conta que existem zonas do país onde as casas ‘são muito baratas’ e não se vendem”.

Uma opinião partilhada pelo CEO da Century 21, para quem os portugueses “têm uma cultura de proprietário muito enraizada, até nas gerações mais jovens”. Nesse sentido, o responsável defende que a procura de casa para comprar “continua muito alta e o que estamos a verificar é que os portugueses estão a ajustar-se a esta realidade, abdicando de alguns critérios de pesquisa para encontrar uma casa ajustada ao seu poder de compra e necessidades”. Assim sendo, estão a optar “por casas mais pequenas, seja em área ou em tipologia. Os apartamentos de 2 quartos dominam agora a procura. Além disso, os portugueses estão a optar por zonas diferentes da cidade ou mesmo por zonas mais periféricas”.

Já a ERA lembra que os portugueses são responsáveis por 78% das compras no nosso país. Logo, “os preços atuais do mercado não são um fator dissuasor para o comprador português”.

Outra opinião tem a CEO da Remax, mas justifica-a uma vez que depende do escalão de rendimentos. “Pois não podemos esquecer que, tal como em outros mercados, existe a chamada elasticidade da procura (em que quantidade varia a procura, por uma variação do preço) e esta é bem mais elevada nos escalões médios e baixos de rendimentos. Por outras palavras, estes altos preços das casas não afetam propriamente os segmentos mais altos (em que a elasticidade é reduzida), mas a classe média e baixa, onde se enquadram a maioria das famílias portuguesas que procuram casa”.

Estrangeiros gostam de Portugal A verdade é que Portugal parece um país cada vez mais atrativo para os estrangeiros, que compram cada vez mais casas no nosso país.

André Casaca não tem dúvidas: tendo em conta as atuais tensões geopolíticas, “a localização estratégica de Portugal , o clima, o potencial de desenvolvimento do país (estamos atrasados 30 anos face aos principais países europeus), a gastronomia e o custo de vida (comparativamente), Portugal é extremamente atrativo”.

Já Ricardo Sousa vai mais longe e defende que “Portugal conquistou um posicionamento e reconhecimento a nível internacional que nunca teve”, acrescentando que “focando no imobiliário residencial, Portugal oferece, acima de tudo, um estilo de vida, quer seja pelo património histórico e cultural ou pelo clima, gastronomia, infraestruturas modernas e segurança”. Todos estes fatores, na opinião do CEO da Century21, “são muito valorizados por quem procura uma segunda residência ou uma nova residência. Por outro lado, o valor dos nossos imóveis e qualidade dos mesmos são também fatores importantes”.

O “paraíso para qualquer investidor” que Portugal é, foi também destacado por Rui Torgal. Adicionalmente, “e mais concretamente em relação ao imobiliário, a introdução dos vistos gold, que parece estar nos planos do atual Governo depois de terem sido suprimidos pelo Executivo anterior, surgiu como um fator atrativo extra e bastante apelativo para o investimento estrangeiro”, considera Rui Torgal, acrescentando que “os incentivos fiscais colocaram Portugal na órbita de investidores de todo o mundo e trouxeram um dinamismo ao setor fundamental para aguentar os períodos menos bons registados nos últimos anos”.

Beatriz Rubio descreve também as belezas de Portugal e não tem dúvidas de que o país “tem sido e continua a ser um país atrativo para investimento no imobiliário por vários motivos”. E continua: “Pelo próprio risco do investimento em imobiliário em Portugal ser relativamente baixo (a pertença à União Europeia, a estabilidade política e social e o potencial de valorização – os preços raramente descem e tendem, pelo contrário, a subir) leva a que Portugal esteja sempre no radar de muitos investidores além-fronteiras”.